A onda é um detalhe neste WCT caseiro. Diante da infame previsão de ondas para a etapa brasileira, prevalecem os adereços. Na coletiva de imprensa realizada esta semana, teve a apresentação de mascote, anúncio de uma concorrida festa de abertura noturna e o anúncio do show do Papatinho.
“Acho que estou muito velho para isso”, deixei escapar ao amigo e também jurássico jornalista Diogo Mourão. “Como se escreve Papatinho?”
A novidade foi a coletiva ter sido realizada no belíssimo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), um dos mais importantes espaços dedicados à arte no Brasil. Erguido em 1906 como sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro, o prédio, uma mistura de neoclássico, art nouveau e art déco, está nas mãos do banco há cerca de 100 anos.
E, quem diria, lá estavam alguns de nossos mais talentosos desenhistas de onda, Italo Ferreira, João Chianca, Tatiana Weston-Webb e Tainá Hinckel. Todos pisaram, com seus pés acostumados a areia, no lustrado mármore do CCBB, com status de artistas. Quase celebridades, o que é um perigo, cercado de assessores e produtores de evento.
Um movimento natural, na esteira da profissionalização do surfe, mas o bravo Serginho Queiroz, um câmera de alma salgada com longa história na produtora do Woohoo e hoje na Reuters, lembrou, a meu lado, o tempo em que os melhores surfistas do CT eram vizinhos de quarto em hotéis baratos e ao alcance diário de divertidas resenhas, que, claro, rendiam grandes histórias.
Mas não há tempo para nostalgia e muito menos para saudosismo no surfe. Os quatro surfistas da casa chamados para a coletiva, todos contratados pelo mais importante banco público do Brasil, ainda defendem essencialmente o esporte. E é por isso que seguimos por perto, atentos ao que eles têm a dizer.
Não entendi a ausência do líder, mas tudo bem. John John Florence deve ter torcido o nariz para uma viagem de duas horas de van até a coletiva de imprensa.
Italo é um conhecido especialista em tubos, mas foi apresentado como se tivesse validado a sua técnica com a recente vitória em Teahupoo. Fez questão de marcar o esquecimento da WSL: “Sou um pipemaster”. Mas aliviou a entidade, lembrando que o título mundial de 2019 realmente acabou ofuscando a vitória da etapa havaiana.
Gosto muito da perspectiva franca e articulada do João. Interesso-me especialmente por surfistas que vão além das frases treinadas ou dentro de uma persona construída e não se importam em expressar o que sentem. O prodígio de Saquarema falou mais uma vez sem medo do tamanho do trauma vivido nos últimos meses e, também, da alegria de vestir de novo a lycra de competição, tanto em Snapper Rocks (Challenger) quando em El Salvador.
Sempre que vejo a Tati falar, fico feliz com a forma como uma havaiana mergulhou tão fundo na essência brasileira, no modo de a gente ver o mundo. É como se ela tivesse reconhecido uma cultura com a qual sempre se identificou. Já Tainá irradiava felicidade por ter sido convidada recentemente a integrar o time Banco do Brasil.
Vida longa, aliás, aos esforços do banco no apoio ao surfe brasileiro.
O final da coletiva foi reservado à grande surpresa do dia. Eu tinha a esperança de que, quem sabe, fosse um segundo palanque na Barrinha. Ou, ainda, no meu eterno otimismo tolo, o fim do infame corte no meio do ano, aproveitando a presença do novo CEO da WSL, Ryan Crosby, no suntuoso prédio do CCBB de 1906.
A novidade era, bem, um mascote, à moda dos grandes eventos do mundo, chamado Saquá, inspirado no socó-dorminhoco, espécie recorrente em Saquarema, de hábito noturno e crepuscular. Seus horários combinam bem com as festas que, se faltar de um bom swell, vão dominar Saquarema nos próximos dias. Eu achei o bicho simpático, mas torço que ele esteja dormindo quando soar a sirene da primeira bateria.
De volta ao CCBB, deixo aos surfistas a sugestão de uma conferida no trabalho do Luiz Zerbini, em exposição neste momento na casa, que conversa com ecologia e ancestralidade, temas tão caros ao surfe. Como diz o artista – e poderia, tranquilamente, dizer um surfista -, “viver é ruminar paisagens.”