O choro compulsivo agarrado à bandeira, os socos de alegria no piloto de jet-ski, o sorriso escancarado a cada aéreo bem sucedido, a marca registrada do mortal do palanque para a areia, o olhar terno e emocionado de seu Luizinho, os antigos amigos que ainda o cercam e agora o ajudam, a conexão íntima com o povo da praia.
Não, a potência de Italo não está nas inúmeras bebidas energéticas que toma por dia, embora exista uma verdadeira conexão entre ele e sua a marca patrocinadora, a Red Bull. Há algo no modo como o potiguar encara a vida, com verdade, intensidade e sem filtros, há algo no modo como expressa seus desejos, de forma clara e sem filtros, que se transforma em eletricidade e, por tabela, em vitória.
Junte isso a um talento extraordinário, a um equilíbrio quase sobrenatural e, claro, à sua obsessão declarada pelos treinos e pela forma física plena e pronto: temos um campeão da etapa brasileira do WCT, especialmente numa temporada com pressão redobrada pela quantidade de surfistas disputando, onda a onda, uma vaga no Finals.
O mar, na final, não ofereceu as oportunidades devidas a Italo e Yago Dora, mas essa tal potência interna do potiguar tem lhe dado uma capacidade de garimpar pontos necessários à vitória mesmo em momentos críticos e decisivos.
Quando não há muitas oportunidades, ou quando a pressão estoura a tampa da técnica, ele tende a ter vantagens sobre todos, repito, todos os demais adversários.
Yago, em sua segunda final consecutiva (tanto na etapa quando na temporada), foi o surfista mais completo do evento e, no pós-corte, é o mais brilhante até agora. Inventivo, absurdamente técnico e, agora, mais competitivo que nunca, o curitibano tem sido capaz de produzir notas excelentes com a mesma facilidade em tubos, no velho surfe de borda ou em manobras aéreas. Está escrevendo, com a borda fina de sua Lost, uma das mais incríveis histórias da temporada: sair da última vaga no corte para uma posição de disputa real pelo título mundial é um feito digno de livro.
De volta a Italo, se eu pudesse escolher um momento simbólico para demonstrar seu pulso elétrico de vitória, esse choque que enfraquece adversários, escolheria as duas primeiras ondas da semifinal contra Griffin Colapinto. O americano, dono de um bom histórico contra brasileiros, tinha acabado de parar o tricampeão Gabriel Medina. Italo abre com um full rotation, mais que full, com volta cristalina na base da onda, e em seguida surfa uma onda maior para fazer uma rasgada e um belo floater. Griffin até buscou recuperação, mas parecia enfraquecido pela eletricidade do adversário.
Na outra semifinal, um Jordy Smith em forma esplêndida deu enorme trabalho a Yago. A onda com uma sequência limpa de manobras de borda potentes do sul-africano merecia mais que um 8,4, mas Yago, melhor e mais moderno, soltou o seu jogo de todas as maneiras e conseguiu, no fim da bateria, suas duas melhores ondas, a última delas, um 9,33 apenas com o uso de borda.
A despeito das declarações infelizes de Jordy fora d’água, é um enorme prazer vê-lo renascer depois de longa hibernação. O sul-africano é um importante representante da escola clássica do surfe, de manobras bem desenhadas e transições limpas. É essencial manter viva essa técnica, de modo a equilibrá-la com o surfe progressivo.
Gabriel precisa reencontrar a fúria competitiva
Tricampeão mundial, vida financeira resolvida, em paz novamente com a família e dono de um status de celebridade que nenhum outro surfista conseguiu alcançar, Gabriel Medina parece viver um dos anos mais tranquilos e felizes de sua vida. Ele é um vencedor, o maior vencedor do país, não há dúvida, e não há nada de anormal em tirar um pouco o pé do acelerador, da obsessão, em nome da saúde mental.
Eu faria o mesmo.
Mas, no ambiente altamente competitivo do WCT, com uma pá de novos surfistas dispostos a matar e morrer por um título mundial, só vence quem deseja muito a vitória. O sucesso conversa com algum grau de obsessão, de modo a permitir que você reduza os espaços de seu adversário mesmo em condições desfavoráveis a seu surfe.
Gabriel não esteve, mais uma vez, entre os melhores de Saquarema. Não é a onda mais afeita à sua técnica, todos sabem, mas muitas outras já não foram um dia.
Depois de um bom round 1, quando fez uma das maiores médias da fase, o tricampeão venceu apertado, num resultado controverso, Cole Houshmand. Eu teria dado a vitória ao americano. Nas quartas, não ofereceu grandes resistências a Griffin e sucumbiu à incapacidade de achar alternativas nas péssimas condições de mar daquele momento.
Talvez seja uma grande motivação que o faça recuperar a velha fúria, como aconteceu, por exemplo, no ISA Games de Porto Rico, em que, em nome da última vaga para o sonho olímpico em Teahupoo, ele venceu todas as infinitas baterias do evento e, de presente, ganhou dos astros uma combinação de resultados lhe assegurou a vaga.
Mas Gabriel tem tanta capacidade de vencer que, mesmo numa temporada sem sequer uma final até a última etapa, pode perfeitamente buscar o quatro título mundial. As condições ainda são favoráveis: disputará, nos próximos dias, o ouro olímpico como um dos favoritos destacados em sua onda preferida e, na sequência, viaja para decidir uma vaga no Finals em outro pico em que é absoluto, Cloudbreak.
Talvez valha se mirar no exemplo de John John Florence, que, em silêncio, faz seu melhor ano da história no WCT e está muito perto de se igualar a seu maior rival. O havaiano sabe que, ao fim e ao cabo, essa ainda é a maior disputa da elite.
Um apelo à WSL América Latina
A etapa brasileira do WCT poderá sempre ser vista de vários ângulos. Foi, em certa medida, sobretudo a comercial, um sucesso absoluto, com a ampliação do número de ativações de marca, o lançamento de um mascote, festas e eventos durante toda a semana, a areia de Itaúna absolutamente apinhada de gente no dia decisivo e, no dia seguinte, uma foto em seis medidas (toda a extensão) de Italo na capa de O Globo.
Um sucesso de exposição de marcas, que tem sido creditado a Ivan Martinho, presidente da WSL na América Latina. Eu entendo e me sensibilizo com todas as necessidades comerciais de um evento como a etapa brasileira do WCT e aplaudo o trabalho bem feito, que tem contribuído, acessoriamente, até para a revitalização da Vila de Itaúna, em Saquarema.
Há, contudo, uma ponta solta importante, que pode ser emendada sem dano aos demais interesses: a onda. O point de Itaúna, pelo menos como alternativa única ao evento, não tem dado conta de entregar ao core do negócio, ou seja, o público que acompanha o esporte e, claro, os surfistas da elite, o melhor espetáculo.
Este ano, a etapa sofreu com uma janela conturbada de swells, com flat e storm no mesmo evento, mas, no último dia, a etapa perdeu uma oportunidade de ouro de entregar uma disputa histórica. Enquanto no point, os melhores do mundo buscavam parcas oportunidades de ondas sem qualidade, ali do lado, a Barrinha, que no passado era apresentada como palco alternativo do evento, quebrava em condições épicas.
Entendo o desafio de manter e, eventualmente, ampliar a força do evento brasileiro, mas é possível, sim, com criatividade e trabalho, incluir a Barrinha neste pacote. Deixo esse apelo à WSL América Latina. Quem em 2025 tenhamos um evento ainda mais bem sucedido comercialmente, mas com mais possibilidades de ondas de qualidade.
A blitz goofy do Brasil para o Finals
Deixemos os Jogos Olímpicos para o próximo texto. O que os três brasileiros de base no pé esquerdo estão fazendo na temporada pós-corte é assombroso. E, para desespero de quem está na briga, a última etapa será numa esquerda tubular, mas também afeita a manobras, que talvez seja a onda mais claramente vantajosa ao surfista goofy na temporada. O atropelo é uma possibilidade concreta.
Na corrida, Italo pulou para quarto do mundo, empatado em pontos com o terceiro, Jack Robinson, e, agora, está muito bem posicionado, com um pé na última edição do WSL Finals que será realizada em Trestles, na Califórnia. Suas credenciais são bastante objetivas: é Pipe Master e venceu a última etapa taitiana, em condições épicas.
Yago, para mim o surfista mais completo do momento e mais encaixado na proposta da onda de San Clemente, vive um ano esplêndido. Em sexto no ranking, vindo de duas finais seguidas, funga no cangote de Ethan Ewing, a apenas 300 pontos, e está pronto para vencer também em ondas tubulares. Demonstrou isso este ano em Teahupoo.
Um pouco atrás, em oitavo, está Gabriel, a 3 mil pontos do quinto colocado, mas reconhecidamente o melhor surfista do mundo em Cloudbreak. Ninguém ousaria descartá-lo da briga, a despeito da distância para o top 5.
As vagas possivelmente serão decididas em confrontos diretos, diante do número reduzido de surfistas pós-corte, o que aumenta ainda mais a expectativa. Sorte da WSL, que sem querer pode produzir uma última etapa mais empolgante do que a própria decisão do título mundial.
Mas, antes de tudo, que toque a sirene olímpica.