Por volta de 1880, em plena Conquista do Oeste, Mariah Gibbon montou em carroças e
atravessou pela Oregon Trail até a cidade de Pulman, em Washington (EUA). Seu tio não teve a mesma sorte, alvejado pelas flechas flamejantes dos indígenas resistentes à dominação.
Mariah cumpria o destino dos seus antepassados, nobres ingleses da Casa de Windsor,
imigrantes que sonharam em fazer a América. Sua filha Beverly nasceria em Seattle e seu neto Mark Walker Jackola, em São Francisco, Califórnia, no dia 13 de outubro de 1949.
Jackola herdou o espírito aventureiro dos seus ancestrais. Filho de pais separados, passou parte da infância com o pai no Havaí. Lá praticava o bodysurf ou tomava a prancha 9’6’’ emprestada da sua tia para surfar em Waikiki. Na vizinhança de sua casa em Portlock Point morava um surfista que teve sua prancha danificada no impacto com as pedras da costeira. Ele procurou Jackola para ajudá-lo a restaurar o bico da prancha e foi surpreendido pelo seu talento especial.
Jackola se interessou pela arte e conheceu alguns shapers numa competição de surfe. Praticante do bodysurf, produziu sua própria prancha de peito, antes mesmo da invenção do bodyboard. Ele comprou um pedaço de 1,5m de espuma, cortou um retângulo de três pés, usou o ralador de queijo para shapear no formato côncavo, laminou e finalizou com lixa grossa. Ele usou a prancha em intervalos regulares até ganhar um longboard velho e surrado do amigo.
Em 1967 era moda transformar os velhos longboards em pranchinhas curtas, um movimento conhecido como The Short Board Revolution, ou a Revolução das Pranchas Curtas, popularizado pelo australiano Bob McTavish. Na garagem da sua casa, Jackola transformou o velho longboard numa pranchinha de 8 pés, com fundo em V. A mudança foi sentida nas manobras, mais rápidas e radicais. Ele resolveu diminuir ainda mais o tamanho da prancha e deixou o V menos acentuado.
Jackola shapeou sua primeira prancha de surfe sem marca registrada. No final dos anos 60, o único lugar onde tinham fábricas pranchas de surfe era no sul da Califórnia. Depois que terminou sua primeira prancha, seus pais disseram que ele não podia mais usar fibra de vidro em casa por causa do cheiro e da poeira da lixação.
Entre 1968 e 1970, ainda morando em casa, cursando a faculdade e trabalhando em uma fábrica de doces de chocolate, Jackola alugou uma garagem para barcos na praia e fez pranchas para alguns amigos. Ele não estava sozinho. Outros faziam a mesma coisa, na maioria surfistas discretos, experimentando diferentes modelos e processos.
O evento que levou o shaper de fundo de quintal para o mundo real da produção de fábricas de pranchas de surfe, ocorreu em novembro de 1969, no torneio de Surf Smirnoff International Pro-Am, em Steamer’s Lane. Todos os surfistas famosos (principalmente do sul da Califórnia) foram convidados. Quando David Nuuhiwa, acompanhado de uma linda mulher, e sua comitiva apareceram em seus novos Porsches 911 foi espetacular. Todas as estrelas do surfe estavam lá e Jackola ficou maravilhado.
No evento, o aspirante conheceu Jay Stone, dono da loja de surfe Blue Cheer, no Wilshire
Boulevard, em Los Angeles. Jackola perguntou se ele poderia lhe ajudar a conseguir um
emprego em alguma fábrica de pranchas e ele disse que sim. Naquele verão Jackola mudou-se para Santa Mônica e passou a dormir na loja do Jay. Depois de uma semana encontrou um lugar para ficar durante o verão e Jay o ajudou a conseguir um emprego na fábrica da Con Surfboards.
O trabalho consistia em auxiliar o glasser profissional na laminação que no pico da temporada chegava a 20 pranchas por dia. Jackola ficou impressionado com a possibilidade de ganhos dos shapers e aprendeu as várias etapas do processo de fabricação antes de deixar a Con.
Depois do trabalho temporário, Jackola foi surfar no México, e ao término do verão acabou
aceito na Universidade do Havaí, no Campus de Hilo. Antes do início das aulas, Jackola viveria uma viagem épica à Europa. Ele voou para Portugal com duas pranchas de surfe. Seu primeiro passo foi matricular-se na Universidade de Coimbra para aprender a língua e a cultura portuguesa, depois pegou um trem para Biarritz, no Atlântico francês.
Depois de algum tempo morando e estudando em Coimbra, Jackola mudou-se para Buarcos, onde surfou num pico isolado. Em um dia de relâmpagos e céu cinzento, um velho numa bodega se espantou com o surfista de roupa de mergulho: “ele anda na água”.
Passados sete meses na Europa, Jackola voltou para o Havaí e para as aulas de Estudos Sociais em Hilo. Depois de formado Jackola voltou para Oahu e começou a trabalhar de forma independente para a Lightning Bolt de Jack Shiply e Gerry Lopez. Ele shapeava, laminava e reparava as pranchas da marca na garagem da sua casa alugada de frente ao pico turtles.
Nessa época ele conheceu o brasileiro Yso Amsler, numa competição de longboard em Waikiki. O novo amigo falava muito sobre o Brasil e a ideia de conhecer o país da América do Sul começou a ganhar forma. Para abrir uma oportunidade de negócios, Jackola abordou Jack Shiply, dono da Lightning Bolt, que aceitou a proposta de levar a marca para o Brasil.
A viagem para o hemisfério sul da América começou com a compra de um Volkswagen usado em São Francisco. Em San Clemente ele procurou Tom Morey, o idealizador do bodyboard. Nessa época todas as pranchas da Morey Boogie eram produzidas na sua garagem, Jackola ganhou um exemplar e rolou até um papo de trazer a novidade para o Brasil.
Depois do encontro, Jackola dirigiu pela costa até a Baja Califórnia, México, dali até a costa leste mexicano, depois cruzou de volta para o Pacífico, continuou pela Guatemala até El Salvador, onde ficou por um mês surfando na companhia de amigos, em El Sunzal, La Libertad. As ondas quebravam do lado de fora das pedras rochosas.
No Panamá surfou na Playa Red Frog. Na capital panamenha, Jackola despachou o carro em um navio a vapor e voou até Lima, no Peru, para rever alguns amigos peruanos. O trajeto terminou quando aterrissou em solo brasileiro, no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, quando começa sua história no Brasil. A primeira impressão de Jackola foi o cheiro de café no aeroporto e o povo brasileiro, de todas as cores e formas.
Yso recepcionou o amigo gringo e o levou até a casa dele na Urca, bem perto da Praia de Fora. Jackola fez sua primeira prancha com o emblemático raio, na oficina de Yso para Egas Muniz, um dos melhores surfistas paulistanos da época. Nas diversas viagens para São Paulo, na companhia de Yso, Jackola conheceu os surfistas paulistanos que surfavam nas praias do Guarujá, entre eles o Thyola, um experiente glasser, criador da Moby Surfboards.
Em 1975, Jackola mudou-se para São Paulo e os dois se associaram para a fabricação das
pranchas Lightning Bolt. No início Jackola e Thyola trabalhavam no subsolo e na cobertura do prédio na Rua dos Ingleses, onde Thyola morava com os pais. Jackola fazia o shape, Thyola o glass e seu irmão Madinho o acabamento.
Depois a oficina passou a funcionar num terreno ao lado da casa de Rosana, na Barra Funda, na Praia de Pitangueiras, em Guarujá, até o fim do contrato de locação do imóvel. Thyola então fez a proposta para mudar a fábrica para a casa dos pais de Rosana, na rua Brasil 276. Eles aplicaram todo o dinheiro do trabalho na construção da futura fábrica, arquitetada pelo próprio Thyola. Com a mudança, o gringo também passou a morar na casa da amiga.
Madinho, irmão mais novo de Thyola, continuou morando em São Paulo. Foi ele quem
apresentou Jackola ao Dany Boi no Pacaembu. Dany Boi se tornou peça chave para a confecção da linha surfwear da Lightning Bolt no Brasil.
Pela Lightning Bolt, Jackola e Thyola fizeram um contrato de aperto de mãos e juntos
produziram mais de 600 pranchas entre os anos de 1975 e 1979. O shaper californiano transferiu seu know-how, novos materiais, pigmentos e técnicas inovadoras aos brasileiros. Pela primeira vez os surfistas brasileiros puderam comprar uma prancha com a mesma qualidade dos produtos da Califórnia, com a contribuição da cultura brasileira.
Hoje, Jackola está aposentado, vive em um condomínio de frente a praia de Makaha no Havaí.
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Coordenador de pesquisas históricas do surfe @diniziozzi – o Pardhal