30 dias na areia

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A falta de ondas em Mundaka fez com que boa parte do Billabong Pro fosse realizada em Bakio (na foto), onde as ondas também não colaboraram muito. Foto: Tostee/ASP.

Paciência é virtude de surfista. Sempre teve a fama de madrugar pra pegar onda, viajar horas por um mar de meio metrinho, encarar água gelada, crowd, storm, flat, tudo para fazer valer a máxima do surfe-cura-tudo.

 

Só que de uns tempos pra cá, ele ganhou o direito de desistir do programa de índio antes de pisar na areia. A internet e a tecnologia de previsão de ondas abriram uma janela para o seu mar preferido em pleno computador. Só passa aperto em mar ruim quem quer.

 

Pois é aí que o problema começa. A toda poderosa ASP, entidade máxima do surfe mundial, parece gostar do aperto. Eles dizem estar antenados. Mas quem utiliza todos os recursos de ponta da meteorologia na formação do calendário não deixa os surfistas um mês sem surfe, numa temporada ainda inacabada.

 

Eu contei: passado o pesadelo de Mundaka, quando ficaram uma semana fora d’água na Espanha, os surfistas com saco de Buda completaram 30 dias sem cair no mar em eventos já iniciados, seja por falta de ondas, ressaca ou ventos desfavoráveis.

 

O amigo em casa, já no limite da paciência, vai argumentar que os caras se divertem em dia de flat mais que eu em toda a minha vida de surfista limitado. Pode ser verdade, até já joguei uma bolinha com eles algumas vezes nas etapas do WQS pelo Brasil afora. Se isso já é legal, imagina no velho mundo europeu, no encanto azul do Taiti ou na babel eletrônica japonesa?

 

Teco Padaratz, Victor Ribas, Guilherme Herdy e Armando Daltro no ponto de ônibus, a caminho do jogo Athletic de Bilbao X Villareal. Durante os adiamentos na Espanha, os atletas têm que procurar o que fazer para passar o tempo. Foto: ASP / Sarge.

Beleza, eles são os artistas do espetáculo. Merecem muito mais. Pronto, chegamos ao ponto. Para o negócio surfe, os constantes adiamentos por falta ou excesso de onda são preocupantes. Aumentam os custos do patrocinador, desestimulam o acompanhamento da mídia, só pra falar dos efeitos mais óbvios. E, no fim das contas, quem ganha menos é o surfista, justamente o tal que merece mais.

 

A equação da onda é ainda mais complicada, porque realizar o evento num mar ruim pode ser ainda mais desastroso. Lembrou das finais do último WCT em Saquarema? Meia hora, duas ondas. No dia seguinte – não era segredo pra ninguém – entrou o swell máquina de onda em Itaúna.

 

O oceanógrafo Elói Mello, do Laboratório de Hidráulica Marítima da UFSC, é o Fábio Gouveia da ciência aplicada ao estudo de ondas. Ele antevê a melhor da série, ao abrir a possibilidade da previsão anual: “O maior prazo para a previsão detalhada das ondas está na faixa de cinco a sete dias, devido à limitação do estudo de campo de ventos (onde as ondas se formam). Entretanto, mesmo não podendo prever exatamente a condição do mar a longo prazo, é possível sim ter informações climáticas sobre as ondas. Em outras palavras, dá pra saber em qual período do ano ocorre com maior freqüência um mar de gala numa praia determinada.”

 

A chave da onda boa no circuito é o investimento em informação. Elói explica: “Para este tipo de previsão (com grande antecedência), é necessário ter dados! Daí a importância das medições que estamos fazendo com a nossa bóia (um ondógrafo, aparelho fundeado próximo à costa de Santa Catarina que mede, entre outras coisas, altura e freqüência das ondas). Com as informações que temos, já daria para fazer alguma coisa.” Alô, ASP!

 

Bill Sharp, capitão da expedição Billabong Odyssey e um dos organizadores da etapa do WCT de Trestles, defende a ASP: “Eles fazem o melhor no formato de competição atual. O problema é ter apenas dez dias de janela para cinco de evento, que apesar de ser um prazo maior que no passado, ainda não é suficiente. O oceano não está contratualmente obrigado a produzir sequer um dia de gala neste período, ainda que esteja no período perfeito de ondas segundo a estatística.”

 

Ele compara o WCT com eventos de onda grande e admite que, para o negócio, dez dias é muito tempo. “A diferença entre os dois é a janela. Nos torneios de onda grande, ela varia de três semanas a quatro meses ou mais, é parte da cultura da modalidade. Na ASP, é diferente. São 48 surfistas e provavelmente o mesmo número de pessoas na logística do evento que precisam de hospedagem, comida e diversão. Dez dias é pouco para a previsão, mas muito para a manutenção da estrutura com surfistas fora d´água. Esta é a encruzilhada em que a ASP está metida.”

 

É hora de o surfe procurar a ciência. Tudo para manter a busca pela onda perfeita.

 

Etapa                adiamentos   variação das ondas (pés)
 
Gold Coast         2 dias           3/6
Bell’s Beach        3 dias           2/8
Teahupoo          5 dias            4/10
Ilhas Fiji            4 dias            3/6
Japão                1 dia             1/3
África do Sul       2 dias            2/6
Trestles             1 dia             3/6
França               4 dias            2/8
Espanha            8 dias            2/3
 
Total: 30 dias sem competição

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".