Leitura de Onda

A desqualificação de um rebelde

Bobby Martinez, Quiksilver Pro 2010, Snapper Rocks, Austrália

 

Bobby Martinez dá uma paulada na onda e outra na ASP: cartão vermelho para o bocudo. Foto: © ASP / Kirstin.

Bobby Martinez poderia ter saído do tour como um herói, mas preferiu o pouco convincente e nada romântico papel de rebelde sem classe. Grande surfista – talvez o melhor goofy desde Occy – o americano atravessou uma má fase justamente no período de transição de sistemas da ASP, quando foi anunciada a implantação da rotação do ranking no meio do ano.

 

O americano filho de mexicanos patinou quando não podia, ignorou etapas Prime de 2010 e, este ano, recebeu a fatura. Tinha que vencer ou vencer se quisesse permanecer na elite. Mas os resultados permaneciam tímidos: o melhor, um quinto no Rio, foi conquistado depois de uma apertada e, para alguns, polêmica vitória sobre Kelly Slater.

 

A ASP logo percebeu o pepino que tinha nas mãos. Parecia torcer para que o americano aparecesse nas etapas e vencesse baterias, mas ele já tinha desistido. Não deu as caras em Jeffrey´s Bay e Teahupoo, deu declarações se posicionando de maneira dura contra o novo sistema da ASP e desancou a entidade, com expressões equivocadas, no Twitter. Pela conduta grosseira, ganhou apenas uma multa. Disse que surfaria seu último evento em Nova York. 

 

Ontem, nas ondas pouco expressivas da Grande Maçã, decidido a abandonar o tour e sem pressão por resultados, Bobby venceu Bede Durbidge com um inventivo backside. Deu gosto de ver a última manobra da melhor onda. Parecia o velho e certeiro Martinez. O último fio de esperança da ASP de que o surfista lutaria dentro das regras do jogo foi para o saco quando Bobby assumiu o microfone na entrevista oficial após o fim da bateria.

 

O americano se transformou numa metralhadora de expressões grosseiras e apontou o cano para a ASP, para os surfistas que seguiam as regras do novo jogo e até para o tênis, numa referência crítica ao sistema de rotação implantado este ano no tour, semelhante ao utilizado pela Association of Tennis Professionals (ATP).

 

Clique aqui para ver a entrevista no You Tube.

Bobby teria o que dizer não fosse a linguagem chula e o momento inadequado. Eu não seria louco de censurar uma declaração, mas posso considerá-la inapropriada. Quem quer mudar as regras, luta por isso dentro do jogo, com instrumentos adequados. 

 

Muitos surfistas concordam que a ASP não é mesmo uma entidade modelo: lida mal com erros de julgamento, já foi perigosamente condescendente com ameaças e agressões graves e, ultimamente, carrega a fama de ser mais preocupada em satisfazer as necessidades do mercado que as dos surfistas.

 

Mas, neste caso, a ASP teve argumentos de sobra para desqualificar Bobby do evento. Não seria surpresa se houvesse uma punição futura de banimento do circuito mundial.

 

O sistema de rotação da ASP tem falhas que merecem ser aperfeiçoadas, e não condenadas. Em declaração recente ao site americano da ESPN, o diretor de mídia da entidade, Dave Prodan, disse que as novas regras foram amplamente debatidas com representantes do World Professional Surfers (WPS), órgão que representa os surfistas na ASP, antes de serem implantadas. Se a informação for confirmada, o desabafo de Bobby ficaria mais vazio ainda.

 

Na entrevista, o surfista levantou outras questões, mas não as discutiu decentemente: cuspiu as informações de modo que elas só pudessem ser aproveitadas de maneira crítica. O que para muitos soou como desabafo sincero e honesto, para mim pareceu discurso de mau perdedor. Afinal, se ele estivesse entre os top 5, provavelmente estaria quieto em cima de sua prancha.

 

Mas, no fim das contas, entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Bobby deve virar uma estrela dos melhores vídeos de free surf, a ASP tem um problema a menos para administrar e a indústria ainda vai dar um jeito de lucrar com a polêmica. Corre o risco de lançarem em alguns dias uma linha Bobby Martinez com o slogan: “I don´t like tennis”.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

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