O surf tem mudado desde as origens em um processo de mutação incessante. Podemos ver isto de muitas formas, na cultura que passou de sagrada para marginal e hoje é um produto rentável comercialmente.
Outra maneira de encarar este desenvolvimento tortuoso é pela evolução do design das pranchas.
Muitas pranchas marcaram história e não é por menos, o shape, e os materiais mudam a forma de surfar, as manobras, o tipo de onda e consequentemente a imagem do esporte. Chegamos aonde estamos por causa de muita evolução nas tábuas de surfar.
As primeiras pranchas são a base de tudo que existe hoje. O paipo, talvez a prancha mais antiga da Polinésia, era como um bodyboard, servia de lazer para crianças, adultos, homens e mulheres.
As alaias eram uma prancha sem quilha de madeira maciça construída por havaianos. Os caras eram os melhores navegantes da época, seja em canoas grandes, pequenas ou numa tábua. Os reis e nobres tinham pranchas especiais, feitas com madeiras mais leves e muito compridas.
Quando os norte-americanos anexaram o Hawaii ao seu país encontraram um povo catequizado e sem quase nada dos costumes nativos. Mesmos assim, alguns havaianos desafiavam as regras e surfavam com suas alaias. A figura mais simbólica foi Duke Kahanamoku, que difundiu o esporte pela América.
Quando começaram a construir pranchas nos EUA aproveitaram-se das colas e madeiras leves, modernizando as pranchas ancestrais.
Se Duke foi o sujeito que tirou o surf do ostracismo, Tom Blake foi o figura que mais contribuiu à evolução do esporte na América. As pranchas de surf da época pesavam dezenas ou centenas de quilos, primeiro Blake inventou as hollow boards (pranchas ocas), consideradas a tecnologia mais avançada, depois ele criou um estabilizador, considerado a primeira quilha.
Até os anos 50 as pranchas eram enormes, feitas normalmente de madeira balsa, com acabamento em resina epóxi e grandes quilhas. Os anos 60 vieram para mudar o surf radicalmente, com a profissionalização dos esporte e da profissão de shaper de pranchas.
O bloco de poliuretano deixou a prancha mais leve e com abundância de material (existe muito mais petróleo do que árvore de balsa no mundo). As pranchas começaram a ficar menores e as quilhas as deixaram mais rápidas e manobráveis.
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Os anos 70 foram tempos de pranchas que revolucionaram e trouxeram a expressão “radical” para o esporte.
A pranchinha monoquilha passou a ser usada em todo canto do mundo, com tamanho muito menor do que se usava 10 anos antes (aproximadamente 6 pés) e uma quilha fina que possibilitava ganhar muito mais velocidade, antecipando-se a onda e manobrando com curvas rápidas.
Se as pranchinhas monoquilhas foram unânimes em popularidade, as guns eram o que havia de melhor e mais avançado em termos de prancha e de ondas nos anos 70. Com shape mais fino, rabetas pin tail e tamanho por volta de 7 a 8 pés, estas pranchas possibilitaram surfar ondas antes consideradas impossíveis.
Ainda no caldeirão dos anos 70, surgiam da biquilhas, ou twins-fin, consolidando o surf entre os esportes radicais. Se as pranchinhas monoquilha tinham transformado as manobras, as duas quilhas deram um upgrade ainda maior!
Quando associada com as rabetas fish, permitiam ganhar velocidade e ainda fazer curvas fechadas, rasgando a linha da onda e levando a galera da areia ao delírio.
Mark Richards foi o primeiro a ganhar três títulos mundiais e popularizou o modelo com duas quilhas, tonando-se um paradigma que ondas pequenas deviam ser surfadas com duas quilhas e ondas maiores com guns de uma quilha.
Finalmente chegaram os anos 80 e muita gente pensava que as pranchas de surf tinham chegado ao limite da evolução, até o shaper e surfista profissional Simon Anderson aparecer no Rip Curl Pro Bells Beach de 1981 com uma pranchinha de três quilhas e ganhar o campeonato com aquela que parecia ser uma ideia bizarra.
A prancha batizada de thruster foi um sucesso tão grande que tiraram as monoquilhas e biquilhas do mercado por muito tempo, até a moda retrô resgatar os bons e velhos modelos dos anos 70. Mesmo assim, qualquer surfista de pranchinha do final do século XX e início do século XXI precisa ter uma triquilha no seu quiver.
Todo paradigma existe para ser quebrado, o século XX chegou com outra mudança no shape das pranchas, as multi fins. Nos anos 80 houveram experiências com as pranchas de quatro quilhas, mas a popularidade não foi das maiores.
No início do século XXI, grandes nomes do surf resolveram dar uma chace ao modelo, que sofreu algumas alterações e melhorias dando origem a uma nova linha de pranchas com duas ou cinco quilhas, que dão a opção de usar, na verdade, quantas quilhas o sujeito desejar.
Hoje o surf está em uma fase em que as manobras e ondas surfadas chegaram a um nível de desempenho nunca antes imaginado, e fica difícil imaginar para onde esta evolução pode continuar. Mas vendo a história do esporte e a evolução das pranchas que possibilitaram tudo isto é certo que a coisa vai continuar andando.
Fonte Madeira & Água