Felipe Zobaran viaja numa das ondas mais perfeitas do mundo: Fitii, na ilha de Huahine, arquipélago tahitiano, 1991. Foto: Bruno Alves / Arquivo Pessoal Zobaran. |
Nós, surfistas brasileiros, precisamos muito viajar, por todos os motivos acima mais um: as ondas daqui são boas, fazem nossas cabeças e, às vezes, ficam bastante perfeitas. Mas o surfista que só conhece as ondas do Brasil não tem idéia da grandiosidade do surf.
Conhecer a verdadeira capacidade que a natureza tem de criar formas líquidas que chegam alucinar de tão lindas e simétricas. Entender que os oceanos são sutilmente diferentes. Essas e muitas outras coisas a gente só aprende ganhando o mundo com a prancha debaixo do braço.
Lembro do susto que levei ao mergulhar pela primeira vez no oceano Pacífico, no Peru. Afundei a cabeça e ouvi um barulho, um chacoalhar. Eram as pedras do fundo batendo umas contras as outras ao movimento do mar.
Aquilo era diferente do silêncio dos nossos fundos de areia e me deu a sensação, que eu teria muitas outras vezes na vida, de estar em território estranho, às portas de novas experiências.
A complexidade de Jeffreys Bay a torna uma das ondas mais especiais do mundo. Foto: Pierre Tostee/ASP. |
Houve as que me dominaram, as que eu não consegui surfar. A maioria permanece um mistério. Posso entrar no mar e surfá-las, mas não posso dizer que as conheço completamente. Mas todas me ensinaram alguma coisa.
Jeffrey’s Bay, por exemplo. Estive lá duas vezes. A onda é um sonho. Gelada e interminável. São várias seções, umas dez. Diz o grande Picuruta (Salazar) que certa vez emendou todas. Mas Picuruta, que estava comigo na segunda vez em que fui a J-Bay, não é um surfista normal como eu.
Para mim, o auge da diversão era dropar a da série em Tubes, atravessar Supertubes e encarar o que viesse em Impossibles. Três seções. Duas e meia, para ser mais exato, porque nunca passei de Impossibles.
Não pense que sou um prego total. No crowd maciço de Jeffrey’s, 98% dos surfistas faziam como eu. O detalhe é que essas seções juntas, num dia bom, são melhores do que qualquer onda brasileira.
A aparente simplicidade de Pipeline pode enganar os desavisados. Foto: Ricardo Macario. |
Porém, nem todas as ondas mais famosas do mundo são tão complexas quanto J-Bay, G-Land ou Sunset. Pipeline, por exempo, é uma onda simples.
Terrivelmente simples. Num dia bom, as muralhas da série vêm sempre da mesma direção, quebram sempre no mesmo lugar e exibem a mesma boca escancarada sobre os corais. Chega a parecer fácil. Engano seu. A simplicidade de Pipeline é um dos maiores desafios do surf.
O surfista precisa viajar para conhecer outros mares e outras ondas. Aprender com elas o quanto devemos ser humildes e tolerantes na nossa relação com a natureza e com a vida. Entender a força do mar.
Viajar faz com que nos tornemos surfistas melhores. Também faz de nós pessoas melhores, mais sábias. Basta manter a cabeça e o espírito abertos para tudo que o surf pode nos ensinar. Essa é a grande viagem.