Leitura de Onda

A lycra do medo

Gabriel Medina e Bede Durbidge, Billabong Pro Tahiti 2014, Teahupoo.

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Gabriel Medina e Bede Durbidge durante o Billabong Pro Tahiti 2014. Foto: © ASP / Kirstin

 

O vídeo de apresentação da WSL sobre a etapa taitiana dá a pista do maior adversário dos surfistas da elite em Teahupoo: o medo. No áudio, ouvem-se as batidas de um coração, enquanto dropes insanos e vacas aterrorizantes são exibidos na tela. Alguns dominaram esse bicho-papão invisível – normalmente, os surfistas com enorme experiência na onda ou os inconsequentes – mas não há herói que não tenha puxado o bico ali, pelo menos uma vez na vida.

No Taiti, ninguém admite, mas o medo veste a lycra amarela, sobretudo quando o swell entra firme, empenando o oceano na bancada de Teahupoo.

“É intimidador, no sentido pleno da palavra”, disse certa vez Mick Fanning, num desses teasers de apresentação do evento de anos anteriores. “Um oceano inteiro se eleva à sua frente”, emendou o normalmente atirado CJ Hobgood.

Ano passado, os surfistas deram de cara com o bicho-papão em estado de fúria. O medo, além de adversário, virou moeda de intimidação.

O vencedor Gabriel Medina, antes de entrar na água na bateria da fase 1, cruzou com Stephen Bell, antigo assistente de Kelly Slater. Entre uma série e outra, Belly deu um sorrisinho maroto e perguntou ao brasileiro o que ele achava das ondas. A história está contada no livro “Gabriel Medina” (Primeira Pessoa – Sextante), que lancei mês passado. Ele viu no sorriso uma provocação, como se Belly dissesse que o medo o venceria, e entrou na água instigado.

Neco Padaratz, talvez o primeiro a lidar abertamente com o medo, escreveu uma carta de desistência da prova, depois de passar por uma experiência de quase-morte na bancada. Passados três anos do trauma, com a coragem reconstruída, voltou ao pico e tirou uma nota 10 na bateria. Neco foi um bravo ao voltar lá.

Outros bravos vêm provando ano a ano que o medo tem lá suas fraquezas. Este ano, algumas apostas surgem firmes e corajosas no line-up.

Kelly Slater é – e sempre será – o maior surfista de Teahupoo. Dominou o medo pelo melhor caminho, o da excelência técnica e o do tempo de voo naquela onda. Enquanto seu nome estiver nas chaves, será o favorito.

John John Florence, esquecido na primeira versão deste texto por uma imperdoável falha minha (acabei me acostumando a vê-lo contundido), está junto ao 11 vezes campeão do mundo na lista de surfistas fora de série no Taiti. Assim como Kelly, ele reúne excelência técnica e muita experiência em picos similares a Teahupoo, apesar da pouca idade.

Owen Wright integra a seleta turma dos fora de série em ondas agudas como a de Teahupoo. Sua vitória esmagadora em Fiji é credencial vip para inclui-lo na lista preferencial de candidatos ao caneco no Taiti. Só perde se rolar um apagão competitivo, como já aconteceu algumas vezes.

Este ano, especialmente pela fase esplêndida, incluo na lista Julian Wilson. Surfou muito bem em Fiji e, se repetir a linha e os tubos em Teahupoo, vai longe. E ainda me lembro de Jeremy Flores, outro em grande forma em Fiji, que surfa com excelência as ondas mais assustadoras do mundo. Não dá para se esquecer dos gigantes Mick Fanning e Joel Parkinson, que embora não sejam especialmente brilhantes na onda taitiana, também surfam com precisão ali.  

O time brasileiro chega fortíssimo. Além de Gabriel, que está faminto para defender o título e domina a onda taitiana,  o país tem o excelente Wiggolly Dantas, especialista na onda; o ninja Ítalo Ferreira, que vem surpreendendo o  mundo nos destinos “prime”; o atirado e vibrante Jadson André; e o líder Adriano de Souza, que, determinado, já está há bastante tempo treinando no Taiti. Filipinho Toledo tem a missão de provar evolução na bancada de Teahupoo, depois de se ausentar ano passado por conta de uma lesão. Miguel Pupo domina a arte do tubo – vide a onda de pôster de Pipeline surfada há um par de anos. Basta um pouco mais de sangue nos olhos para voltar a vencer, como sempre. O lugar dele não é na zona intermediária. Concentrado, não sai do top 10.  

Por último, mas não menos importante, o craque Bruninho Santos, que, sem nenhum exagero, integra a tal lista seleta dos melhores surfistas do mundo naquela onda. Vencedor em 2008, ele mais uma vez furou o bloqueio das triagens para buscar vitórias no evento principal. Pode surpreender. É pena que, devido ao seed, ele esteja escalado logo na primeira fase para enfrentar o líder Adriano.

Torço muito que um swell magnífico encoste na bancada. Afinal, nós, que estamos aqui no conforto do sofá, queremos mais é que os surfistas remem em paredes verticais e vençam, de modo magnífico, o velho medo.

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