Bom de bico

A Macumba e o Espírito Santo

Jaime Viúdes, Petrobras Longboard Classic 2010 Solemar, Jacaraípe (ES)

A praia da Macumba (RJ) é hoje o principal palco do longboard nacional. Há nove anos define o título brasileiro e serve de pista de treino para surfistas que garantem o status do pico, como o Marcelo Freitas, que ganhou uma penca de títulos mundiais da ISA e foi vice pela ASP em 1999.

 

Um surfista consistente e moderno, competidor cabuloso que se sai bem em qualquer condição de mar. Na bota dele veio o André Luis, o Deca, um longboarder nato, típico filho da Macumba e que assombrou o circuito profissional ano passado. Sem falar no prodígio Roger Barros, campeão brasileiro de 2007 e rei do noseriding no Brasil. Ainda tem o Rodrigo Saci e Gabriel Nascimento, que estão bem encaminhados.

Alguma coisa acontece quando a nata do longboard nacional se reúne por lá. Se é macumba ninguém sabe quem faz, mas sempre dá onda! Brincadeira a parte, isso só pode ser resultado das boas vibrações da família longboard, e no Festival Lupa Lupa não foi diferente, só baixando um pouco no domingo.

 

O “mel” mesmo foram os dias que antecederam o evento, com quase 2,5 metros em alguns dias, água quente e sol. Muitos paulistas foram até o Rio prestigiar o evento promovido pelos longboarders Dionísio e Mainá Thompson, bicampeã brasileira profissional, que colocaram em jogo uma passagem para o Hawaii, além da premiação em dinheiro.

Apesar de boas apresentações acabamos ficando fora da final que foi 100% carioca. O Rodrigo Sphaier de Saquarema surpreendeu os locais, foi o mais consistente do campeonato e aproveitou bem as ondas que achou no ultimo dia, manobrando com vontade e segurança.

 

O Marcelo Freitas foi segundo, também vinha com atuações sólidas e no rip de uma recente barca ao Peru. Deca e Roger Barros, sempre favoritos em casa completaram o pódio. Uma final de peso que fechou o campeonato em grande estilo.

Da Macumba a galera voou ao Espírito Santo, onde disputamos pelo quarto ano consecutivo o PLC em Jacaraípe, um local que não costuma receber grandes ondulações e dificilmente quebra com as condições que encontramos lá, segundo os próprios locais.

 

Confesso que rezei bastante pra que isso acontecesse e acho que não fui só eu, pois o Espírito Santo nos abençoou com as ondas de 1 metro que quebraram constantemente durante os três dias de evento, apesar de irregulares em alguns momentos pelas ações do vento e maré.

O Petrobras é um campeonato muito tradicional e todo mundo sabe que é uma boa oportunidade de se consagrar. Mesmo quem já venceu não poupa esforços pra vencer de novo. Eu por exemplo estava faminto, venci o PLC da Bahia em 2005, faz bastante tempo, também tinha batido na trave na etapa da Macumba ano passado e nem podia pensar em ficar pelo caminho.

 

Além disso, o dia da decisão coincidiu com o aniversário da minha mãe e do meu afilhado, o que me deixou ainda mais pilhado, mas foi um campeonato complicado, cheguei com pranchas novas e não consegui me adaptar a elas. Passei a semana tomando surra do equipamento, ajustando quilhas, sem muito sucesso. Isso me desgastou muito, mas consegui transformar a preocupação em concentração, dando o meu jeito pra não cometer erros e fazer bem o que eu estava conseguindo fazer.

Algumas boas atuações merecem destaque, como o Roger Barros que abusou do hang ten e verticalizou o máximo nas batidas, mas no terceiro round ele encontrou o Matheus Cunha inspirado, que surfou com pressão na rabeta e marcou dois high scores pra eliminar o “golden boy”. Outra bateria que pegou fogo nesse round foi entre Alessandro Abolição e Jonas Lima, que surfou com muita pegada e segurança, mas o Abolição estava esperto e segurou o resultado para alegria do irmão Aladin.

No quarto round, além das boas atuações do Diguinho (Sphaier) contra o Abolição e do Jejé (Jefson Silva) contra o Phil Rajzman, merece destaque a polêmica bateria entre eu e o Rodnei Costa, um competidor de caráter e excelente surfista. Fizemos uma bateria disputada, onde o Rodney marcou um 7.50 em sua melhor onda e eu um 5.87 que achei pouco valorizada. Nos instantes finais ele precisava de uma nota 3.85 aproximadamente e com a prioridade achou uma boa intermediária.

 

Já estávamos na areia e o resultado demorou a sair, tornando o episódio bastante dramático. Ao anunciar a nota 3.73, a polêmica foi grande. A onda teve potencial pra virar, mas pareceu que o fato de eu ter tido uma onda desvalorizada no meio da bateria pesou na decisão dos juízes. A opinião de quem acompanhou integralmente a bateria se dividiu, para muitos o erro na avaliação foi duplo (comigo e com Rodney) e para outros os juízes agiram certo ao analisar o contexto geral da bateria. Tirem suas próprias conclusões!

A partir desse episódio me fortaleci mentalmente pensando que apesar das dificuldades os ventos estavam soprando ao meu favor. Será mesmo? Pegaria o Picuruta nas quartas!

O funil estava apertando e apesar do frio da manhã de domingo o Bahia e o Saci fizeram uma bateria quente, assim como o Diguinho e o Deca. Costumo dizer que cair com Picuruta é bom porque ele gosta de decidir bateria surfando, sem usar muitas táticas. As disputas com o Véio são francas, mas difíceis pra caramba, só que dessa vez Netuno deu uma forcinha fundamental quando parou de mandar ondas no momento que eu liderava. O bicho precisava de um “quatrinho” pra virar e estava com a prioridade. Rezei muito de novo não só pro Espírito Santo, mas pro Pai e Filho também! O Gato ria da minha cara desesperada, secando qualquer balanço do horizonte para que não virasse onda. Completou a chave a peleja entre Mulinha e Jejé, que avançou com classe!

 

A primeira semi foi um pouco tensa entre o Saci e o Sphaier, mas o Diguinho logo recuperou a tranquilidade para marcar um 8.83 e se garantir na final. Eu e Jejé surfamos investindo no noseriding e também fizemos uma disputa limpa, procurando sempre a performance, mas o mar já havia dado uma piorada. O Jejé está refinado, resistindo à resistência do pé no bico e mesmo assim foi a sensação do campeonato. Mas dei sorte ao encontrar uma boa esquerda que me levou pra final.

O Diguinho vinha de algumas vitórias importantes, alem de defender o caneco da etapa, ele venceu o LQS do Peru e o carioca na semana anterior. Tive a bateria na mão em dois momentos. Abri com uma onda de grande potencial, já tinha feito um longo bico, mas engasguei na hora da batida no lip, ainda no fundo. Essa onda poderia me render um high score que me deixaria em situação confortável. Na metade da bateria, o Sphaier marcou um 7.57 e me deixou precisando de um 7.58, pois ambos já somávamos a mesma nota, um 6.67.

 

Logo na sequência achei uma excelente onda e depois de fazer um trabalho perfeito no fundo acabei enroscando no backwash na hora de finalizar. Enquanto estava embaixo d’água o coração até doeu! Sabia que numa final não se pode deixar dúvidas, o trabalho tem que ser completo, ainda mais contra um competidor do calibre do Diguinho.

 

Tentei até a sirene tocar, rezei mais uma vez pedindo pela onda salvadora, mas minhas fichas estavam esgotadas. O caneco ficou mais uma vez com o cara mais consistente do campeonato. O Diguinho conhece todos os caminhos de uma bateria, tem sangue frio e domina com classe os fundamentos do longboard, é muito forte no bico e na rabeta. Em resumo, ele mereceu muito a vitória.

 

Uma coisa que foi legal no campeonato foi a atitude da galera competindo. Todo mundo procurou a performance máxima nas baterias, sem muita marcação e joguinhos. Impressionante como faz a diferença no contexto geral do espetáculo, todas as disputas foram surfadas até os últimos minutos, principalmente quando o mar colaborou.

Na categoria legends, Adolfo Jordão achou as melhores ondas da final e levou o caneco pra Angra dos Reis. O fato curioso e engraçado foi que ele competiu de sunga e ainda teve a moral de creditar sua vitória a sorte que a tanga lhe deu!! (risos) O vice foi o lendário Paulo Sefton, seguido dos cariocas Dario Barros e Miguel Calmon, pais do Roger e da Chloé respectivamente.

 

A pernambucana Atalanta Batista, irmã do cometa Halley Batista, evoluiu meteoricamente desde o ano passado e venceu tanto a etapa do carioca como o PLC, com manobras bem definidas nos dois aspectos. A Chloé Calmon foi segunda colocada, com Jasmim Avelino e Thais Tedesco completando o pódio.

 

O julgamento ainda tenta se adaptar com a mudança no critério, que determina a combinação entre o surf tradicional e moderno, ou seja, quem surfar em apenas um dos aspectos (moderno ou tradicional), alcançará um máximo de 75% dos pontos. Se surfar combinando os dois aspectos poderá alcançar um adicional de 25%. No entanto o tradicional só vem servindo como complemento mesmo. Esse critério novo poderia resgatar a valorização dos fundamentos do longboard, mas na real só serviu pra complicar ainda mais o trabalho dos “hômi”, que continuam vendo o surf de rabeta como o mais importante, certamente seguindo a tendência do circuito mundial.

A impressão que ficou é que agora eles tem que fazer continhas antes de darem a nota. É uma formula perigosa, que acabou ficando mais ou menos assim na prática: moderno (peso 2) + tradicional (peso 1) = provável morte do longboard! Pô, se na rabeta vale mais porque estamos surfando com uma nove pés? Seria justo peso igual para ambos os aspectos, afinando o equilíbrio entre a tradição clássica de uma modalidade que também é radical por natureza, afinal estamos falando de surf. E mais, se a onda pedir um extenso bico no critico como única manobra e o cara se pendurar com estilo e velocidade a nota tem que ser alta, coisa que não acontece mais, nem pendurando os dez dedos! Agora se neguinho vem todo afoito, dando umas batidas com a base abertona, agachado como se estivesse com uma 5’7″, por incrível que pareça a nota vai ser mais alta, mesmo que não faça nem um biquinho!

A galera gosta do ataque progressivo, estamos em 2010, o futuro é agora, mas o responsável por essa tendência no julgamento mundial poderia rever alguns de seus conceitos sobre longboard. Sugiro uns filmes do CJ Nelson e Bonga Perkins, dois caras que arrebentam nas manobras progressivas e clássicas.

Apesar de ter sido um campeonato desgastante as ondas apareceram, os capixabas deram show de recepção como sempre, a galera unida, o longboard brasileiro fortalecido, a nova geração no pódio, etc…

 

A vibe foi a mesma dos antigos festivais de surf. Obrigado Espírito Santo, a família longboard agradece a sua benção!

Exit mobile version