Ver Neco Padaratz, aos 34 anos, contorcendo as hérnias de disco para descolar um seis, seis e baixo no máximo, me dá aflição. Não exatamente pela nota nem tampouco pelo surfe do brasileiro, mas pela maldição imposta pelo tempo aos surfistas.
Petkovic levou o Flamengo ao topo do Brasil aos 36 anos. Só não vai mais longe porque, no futebol, o obstáculo é a explosão muscular. Não é o caso do surfe. Em cima da prancha, o atleta balzaquiano tem esbarrado em pedras diferentes, mais difíceis de serem superadas. O gol de hoje, dentro d´água, não é o mesmo de dez anos atrás.
É como se o esporte fosse reinventado periodicamente. Rasgadas progressivas, batidas contundentes no lip, round-house cutbacks e outras acrobacias dos 80 ainda chamam atenção, mas foram reposicionadas num teto inferior de notas, sobretudo quando o mar oferece rampas para manobras progressivas em sequência.
Para o surfista maduro, deve ser frustrante. Ele luta toda a vida para aprender um modelo do esporte, persegue em treinos diários a perfeição e, quando a atinge, dá de cara com o monstro da evolução quase instantânea das manobras. Muitas vezes, tenta alcançar o novo paradigma, mas seu chip está condicionado ao modelo anterior.
No tubo, o objetivo ainda é o mesmo: manter-se entocado no limite da espuma pelo maior tempo possível. Mas o inexorável avanço da técnica nos canudos faz com que a nota dez dos anos 80 vire, se tanto, um sete e tal hoje. Nesse intervalo alguns surfistas com base regular criaram uma nova fórmula de se entocar de backside, em que é possível adiantar ou atrasar na onda com uma eficiência nunca antes vista.
Se, no Brasileirão de 2010, mandassem Petkovic jogar apenas de calcanhar, correndo de costas, ele certamente teria dificuldades. É aí que entra a genialidade de Kelly Slater. O americano foi exposto a praticamente todas as variações do esporte e, camaleão, resistiu a todas. Talvez, por isso, nem a comparação com Pelé seja pertinente. O Rei dominou a arte de apenas um grande esporte; Kelly manteve-se no topo nos vários formatos de surfe apresentados desde sua estreia no tour, em 1991.
O contraponto de Neco é Gabriel Medina. O moleque voa em manobras de circo e ganha notas dez dos juízes com uma naturalidade irritante. E não é só ele: dia desses, li no release de um evento ASP Pro Júnior no Tahiti que em seis das oito baterias disputadas no dia pelo menos um surfista ganhou nota máxima. É o inexorável tempo, que empurra os novos para o topo do mundo e tira nossos velhos ídolos de lá.
Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.