Leitura de Onda

A oferenda de Parko

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Joel Parkinson acha os tubos e vence o Oakley Pro Bali em sintonia com os deuses que regem as condições de Keramas. Foto: © ASP / Kirstin.

Keramas é, desde já, o grande acontecimento do WCT em 2013. A Oakley encontrou uma onda bem desenhada, que permite a combinação de tubos, manobras de borda e aéreos de rotação, numa ilha cheia de encantos e vibrações, para servir de base ao seu evento. Acertou em cheio.

 

Semifinais formadas, Joel Parkinson era o único surfista a já ter vencido eventos da ASP. Ora bolas, não é estranho que uma onda tão perfeita seja capaz de afogar quase todos os favoritos, um a um, pelo caminho?  Jordy ficou no round 3; Kelly e Adriano, no round 5; Mick Fanning, nas quartas, entre outros. 

 

Keramas foi, durante o evento, uma onda perfeita, mas bipolar, cheia de humores. Numa bateria, oferecia tubos espaçosos, plácidos, estéticos, hipnotizantes.  Na seguinte, os tubos desapareciam, e os favoritos mudavam de lado. Na terceira, voltavam os tubos. 

 

Há quem atribua a mudança apenas à aguda variação de marés e aos ventos, que modificavam o mar com uma rapidez aterradora. Céticos. Os fenômenos existem, mas servem também para nos mostrar a beleza viva de Keramas, de Bali.

 

Parko foi o surfista eleito pela ilha um dia chamada de “morada dos Deuses”, que celebra a serenidade do hinduísmo e exala uma poderosa energia. 

 

O australiano se exibia na onda. Colocava-se em tubos profundos, desenhava seus conhecidos arcos como se quisesse agradar os deuses locais. O australiano parece ter um perfil pragmático, mas seu surfe, não. Parecia uma oferenda. 

 

Em diversas baterias, os tubos alargaram para ele, como se quisessem lhe dizer: vai, mostre a alegria de seu surfe para a gente. Não é preciso dar aéreos, apenas se expresse. Surfe a onda.

 

A partir das semifinais, os deuses resolveram testar a capacidade de adaptação do australiano. Usaram pitadas de vento e de variação de maré para modificar bastante o mar. Parkinson também teria que enfrentar os humores de Keramas para ser campeão. 

 

Enfrentou e venceu. 

 

Dois outros surfistas estavam sintonizados na mesma energia: Josh Kerr e Michel Bourez. Ambos perderam por pouco para Parkinson, em baterias que os deuses das notas estiveram do lado do atual campeão mundial.

 

O outro semifinalista, Nat Young, chegou lá graças a méritos mais mundanos: a já conhecida combinação de backside afiado com espírito competitivo raro.

 

Os brasileiros mais uma vez ficaram pelo caminho, longe das primeiras posições. É o segundo evento seguido, em ondas perfeitas, sem sequer um surfista de Pindorama nas quartas.

 

Adriano de Souza foi quem chegou mais longe. Perdeu no round 5, para Nat Young. As notas do brasileiro por vezes pareciam excessivamente achatadas, como se o painel de juízes quisesse dar um recado a ele: use mais as bordas, abuse das manobras de carving.

 

A poucos minutos do fim, ele fez a maior nota da bateria justamente com uma belíssima manobra de borda. Não foi o suficiente para virar, mas pareceu o bastante para pensar em investir mais no recurso, nos próximos eventos. E Adriano pode avançar, é um cara bom de borda: basta ver seus perfeitos bottom-turns. 

 

Tulio Brandão é jornalista.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".