Leitura de Onda

A Solução Grumari

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“A definição de Grumari como palco principal é uma belíssima – e digo belíssima com todas as letras – solução para reduzir o risco de um mico histórico, associado sobretudo à contaminação das águas do Postinho”, opina Tulio Brandão. Foto: Ivan Serpa / @altasproducoes.

 

As fortes ondulações que comprometeram o palanque construído no Postinho, na Barra da Tijuca, podem ter garantido o futuro da etapa carioca do CT. A lógica soa estranha, sobretudo numa semana recheada de críticas ao evento, especialmente em alguns já conhecidos sites estrangeiros.

Explico: a definição de Grumari como palco principal é uma belíssima – e digo belíssima com todas as letras – solução para reduzir o risco de um mico histórico, associado sobretudo à contaminação das águas do Postinho.

A onda do início da Barra volta e meia oferece momentos mágicos (como os que vêm sendo repetidos nas mídias sociais da WSL), mas sofre com a inconstância de qualidade e, principalmente, com as más condições de saneamento da praia.

Ano passado, surfistas passaram mal depois de competir nas águas do Postinho, não sem razão. Dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) revelam que, naquele ponto, em maio do ano passado, mês do campeonato, as oito análises de balneabilidade realizadas deram impróprias. E o problema não foi pontual: das 97 coletas realizadas em 2015, apenas 30 apresentaram padrões satisfatórios para o banho – em outras palavras, a coisa estava feia em 69% do ano.

Esse percentual é a uma espécie de confirmação do Risco Postinho.

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A onda do início da Barra volta e meia oferece momentos mágicos (como os que vêm sendo repetidos nas mídias sociais da WSL), mas sofre com a inconstância de qualidade e, principalmente, com as más condições de saneamento da praia. Foto: WSL / Alexandre Salem.

 
Então é para tirar o Postinho do mapa? Não. Se houver monitoramento das condições de balneabilidade (o pedido pode ser feito ao poder público), aquela onda pode, sim, receber o CT, sobretudo se estiver clássica. Em swells de Sul não muito grandes, as chances de contaminação do Postinho são bem menores, porque o esgoto golfado pelo Quebra-Mar não escorre na direção do pico.

Mas eis que, no meio da crise, os organizadores do evento apresentam a Solução Grumari. Uma praia límpida, totalmente balneável, natural, capaz de receber ondulações de quase todas as direções, muito consistente. Um cenário selvagem, cercado por um anfiteatro de Mata Atlântica, que foi preservado do progresso mesmo encravado no meio de uma metrópole gigante de 12 milhões de habitantes. Um potente patrimônio ambiental e turístico, que a cidade jamais usou corretamente como um ativo. Uma onda que quebra dentro de um parque natural municipal urbano.

Graças à excelente ideia da organização do evento, a Prefeitura do Rio ganhou uma oportunidade de ouro de requalificar o parque, de planejar um futuro com um controle de acesso seguro e real, nos moldes de outras unidades de conservação do mundo, para realmente incluir a praia no roteiro de turismo do Rio de Janeiro.

Caso se confirme o evento em Grumari, a WSL e toda mídia explorarão cada pedaço verde do parque natural e suas ondas límpidas, gerando um valor para a etapa carioca bem diferente do que nos acostumamos a ver no Postinho.

Há alguns desafios importantes pela frente. O primeiro, claro, é logístico: levar milhares de fãs (nem todos os que iriam à Barra estarão lá, mas uma boa parte) a uma praia com limite de acesso e estacionamento restrito. É preciso pensar num ponto de apoio, talvez num dos shoppings próximos ao evento, e uma considerável frota para transportar o público, especialmente nos dias mais cheios.

Outra questão importante é a segurança. Historicamente esquecida pelo poder público, Grumari nos últimos anos tem tido problemas de criminalidade. Enquanto o parque não tiver uma gestão contínua, não dá para imaginar levar uma multidão para lá sem uma operação especial, tanto da Guarda Municipal quanto da Polícia Militar.

Por último, e talvez o mais importante, é preciso reforçar a gestão ambiental do evento de modo a reduzir a níveis aceitáveis os impactos causados por milhares de fãs numa praia virgem localizada dentro de um parque municipal. A sugestão é que iniciem desde já campanhas de conscientização, criem ações diretas de limpeza da areia, invistam sem economizar um tostão. Tudo para evitar ter como resultado mais inesperado da etapa a degradação de um dos mais belos patrimônios naturais do Rio.

Não são poucos os obstáculos, mas, com boa gestão e muito trabalho, pode haver um reluzente pote de ouro no fim do caminho, a ser compartilhado pela organização, pelos surfistas e, claro, pelos cariocas. Sorte ao CT do Rio.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".