A confirmação da volta dos artistas do espetáculo ao Rio em 2011 é simbólica de vários pontos de vista. Como notícia, revela a força das mídias sociais: quem primeiro deu a informação em sites de surfe foi o amigo Maurio Borges, no blog Alohapaziada. Para o Rio, a volta do WT é a chance de se recuperar como surf city, já que na última década perdeu quase tudo o que tinha – eventos, surfistas e fama – para Florianópolis.
Sou carioca do Pontão, e defendo o Rio até amarrado a uma mesa de bar na Mooca, sob tortura. Mas, fosse eu manda-chuva na ASP, minha escolha seria Fernando de Noronha. Acho que não há mortal que respire maresia e pense diferente. As ondas da ilha são, de longe, o melhor campo de provas do Brasil parad os tops do mundo.
Não sei o motivo de Noronha ter sido descartada mais uma vez. Já ouvi que ali haveria obstáculos de logística, de preço e de visibilidade para um evento desse porte. Agora não importa. Não é hora de criticar a escolha do Rio, e sim de comemorá-la.
A cidade vai voltar a respirar o melhor surfe depois de 10 anos – em 2002, o evento foi parar em Saquarema e, desde 2003, acontece no Sul do Brasil.
A notícia serve também como chave para abrir uma gasta caixa de memórias. Lembro, como se fosse hoje, do Teco Padaratz vencendo na Barra diante de um público de mais de 10 mil pessoas enlouquecidas com a febre do surfe.
Era o auge do esporte na grande imprensa, e a repercussão do evento levou à praia farofeiros e curiosos. Enquanto dirigentes e organizadores comemoravam o sucesso, eu congelava de pavor de ver o surfe transformado num ridículo esporte de massa, com espectadores mais interessados em fazer guerra de areia que nas ondas.
Mas o baú tem imagens menos aterradoras, como a vitória de Peterson Rosa em 1998, com direito a aéreo na final, numa época em que a manobra era pouco executada e valorizada.
Kelly Slater também escreveu uma bela história na Barra: ganhou seu primeiro título mundial lá, há distantes 16 anos, e teve algumas performances históricas. Uma onda, em especial, grudou na minha retina: num dia de swell um pouco mais pesado, ele entubou e, em seguida, jogou a prancha num enorme floater. Hoje, ninguém daria um vintém pela onda, mas na época, se não me engano, valeu uma nota 10.
A volta para o Rio acontece num momento especialmente propício, por conta da valorização recente das manobras extremas – as ondas cariocas são propícias a manobras aéreas e outras acrobacias de circo. Não veremos mais vitórias incompreensíveis como a do surfista mais competitivo e irritante da história, Dave Macaulay, sobre o avant-garde e inventivo Martin Potter.
Mas o melhor mesmo são as histórias que acontecem no entorno, como a do dia que um amigo passou a tarde dentro d´água afiando seu inglês com Glen Winton. Ele queria entender a razão do apelido Mr. X. Não conseguiu, e talvez por isso tenha conseguido. Ou quando Tom Curren resolveu escapar do assédio dos fãs na Barra para surfar, sozinho, no Pontão do Leblon. Alguém registrou o momento histórico em foto.
Falando em registro, tenho amigos que filmaram todas as etapas realizadas no Rio em VHS caseiro. Passaram a adolescência vendo os vídeos. Agora, na casa dos 40 e com câmeras digitais na mão, vão levar a nova era da etapa carioca à posteridade.
Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.