Muito já se falou sobre a Indonésia. No mundo do surf, ela não é novidade para ninguém, mas, uma jornada de seis meses, de ponta a ponta, passando por dezenas de ilhas em um veleiro, é uma nova história.
E ela começou graças ao patrocínio da Mormaii, uma empresa que tem sua origem nas ondas e na natureza.
Bom, já desconfio que todo tesouro fica muito bem guardado. Quando partimos da Papua Nova Guiné, tínhamos 3 mil quilômetros até o Timor, nosso primeiro porto na Indonésia.
Esperávamos uma travessia longa, mas fácil. Não aconteceu como previsto. A correnteza foi contra e forte o tempo inteiro. O vento – quando tinha – era contra também. A partir do sexto dia, velejando econômicos 120 quilômetros a cada 24 horas, o surf perfeito da Indonésia já havia abandonado nossa imaginação, tostado pelo calor e enxotado pela lenta navegação murrinha. Levamos 16 dias.
Ainda bem que águas passadas, são águas passadas e, como o rastro deixado pelo barco, acabam desaparecendo com o tempo. O que ajuda muito a esquecer uma lembrança sofrida é uma ilha pequena e redonda e ondas perfeitas lambendo uma bancada rasa e longa. E tanto a areia da ilha quanto as ondas completamente sem pegadas. Assim foi nosso “debu” na Indo.
O swell estava consistente e dava medo. A rara direita, perto de Roti, estava funcionando a pleno vapor com só eu e o Flavio Jardim na água. Honestamente, a maior parte dos tubos era percorrida em direção a uma porta que estava sempre um pouco à frente e acabávamos sendo alcançados pela bola de espuma dentro do tubo. Mas isso talvez seja o que valoriza ainda mais cada tubo completado (dois no total).
Apesar de não sabermos, ainda teríamos uma condição muito semelhante numa outra ilha em Java.
Na Indonésia, o maior medo dos surfistas são as infecções causadas pelas bactérias presentes nos corais. Por isso, é ainda mais surpreendente que um dos animais mais representativos deste país, mate suas vítimas por infecções causadas por bactérias. Caminhamos no mato em busca do famoso dragão de Komodo, solto ali no seu ambiente natural, querendo, mas não muito, encontrá-lo. E encontramos!
Um lagarto gigante pesando mais de 90 quilos. Come um porco, um veado, ou um turista por dia. Fizemos nossas fotos e zarpamos, completamente decididos, optando pelas bactérias dos corais, já conhecidas nossas.
Em Sumbawa, ancoramos em frente a duas ondas perfeitas, uma esquerda e uma direita. Não preciso dizer que os braços quase caíram do corpo. À noite, recebíamos visitas que subiam abordo sem serem convidadas.
Cobras ultra-venenosas, brancas listradas de preto, ou pretas listradas de branco, não sei. Diziam que, como têm a boca pequena, essas cobras só conseguem morder nas juntas dos dedos, na orelha. Esqueceram de avisar isso pra uma dessas cobras, pois ela tinha quase 2 metros e grossa como um antebraço. Essa seria capaz de morder na junta entre o tronco e a cabeça, o pescoço! As mais abusadas ainda trocavam a pele no porão do barco.
Passei meu aniversário de 29 anos ali, com o Flavio e sua namorada Alizé, com as cobras, mas com um presente especial: minha esposa Mailyn que eu não via há um bom tempo.
À medida que fomos nos aproximando de Bali, o crowd foi aumentando. Em Bali especificamente, chegou ao ápice. Bali é uma cidade grande como há muito tempo não parávamos. Tem até cinema. E freezer nos supermercados!
Aproveitamos para dar uma geral no barco, incluindo vela nova, realinhando o motor, bateria nova, refizemos o piso na sala e, já pensando nas Mentawai, compramos um ventilador grande. No mais, o roteiro ali foi menos surf e mais atrações da cultura local, como danças, templos e massagens! Além de ser uma ilha linda, a receptividade do povo, sua religião Hindu-Budista e as ondas, atraem todos os anos cerca de 9 milhões de turistas. Isso apenas nesta ilha. É muito mais turistas que o Brasil inteiro recebe por ano.
Depois partimos para Java, mas apesar deste ser um dos locais mais densamente povoados do mundo, a costa Sul, começando por Grajagan é bem deserta. Surfamos altas ondas sem ninguém mais. Na costa Oeste surfamos uma que recebe muito swell. Grande volume de água, drop gunzeira. Outra é uma esquerda rápida e muito tubular. Ela emite um certificado de garantia: cada onda, um tubo.
Deixamos a costa Oeste de Java com quatro pessoas a bordo: Flavio, Marco Aurélio Raymundo (Morongo), eu e nosso amigo Guto Queiroz, que mora em Bali, domina a língua local e também é louco por surf perfeito, embora defenda que louco é o que não gosta de onda perfeita. Faz sentido.
O primeiro destino foi uma pérola. Algo que raramente pode ser encontrado e digo isso depois de navegar quase 40 mil quilômetros pelo mundo. A ilha de Ombak Lima, ou “ilha das cinco ondas”. E não são cinco ondas comuns.
Uma direita que percorre 200 metros esperando e não se ofendendo com as pauladas. Três esquerdas rasas, muito rasas, e tubulares. Uma delas com quase meio quilômetro de extensão no dia certo. A última e mais especial é aquela, que lembra nossa primeira onda na Indonésia. Só que esta direita é ainda mais intensa! O tubo é espetacular, completamente amplo. Mas a porta está sempre na frente e a contagem é uma vaca animal por onda. Mesmo assim vale a pena. Vai entender.
A vantagem de viajar pela Indonésia em nosso próprio barco é que temos a liberdade para ir aonde quisermos. De uma ilha a outra, analisamos nas cartas as quinas com potencial para surfar e lugares remotos que conseguissem manter o crowd afastado. Posso dizer que fomos bem sucedidos. Surfamos muitas ondas em muitos dias só os quatro na água. Já dá pra contar os tubos em quilômetros percorridos.
Chegamos às Mentawai pelo Sul. E de início já demos sorte com um surf clássico numa esquerda de tubo intenso, tipo Teahupoo mesmo. Apelidamos a onda de Gruta Azul. Alguns dos tubos mais incríveis de nossas vidas.
Quando o vento mudou, nós também. “Aqui deve ser bom com esse vento” – disse alguém apontando o mapa. Nas Mentawai é assim, qualquer que seja o vento tem alguma onda épica rolando.
Fomos para uma direita tão boa quanto rasa e era muito boa! Por isso demos de cara no coral, ralamos as costas, perdemos quilhas, quebramos prancha. Tudo isso não tirou o sorriso estampado no rosto.
Foram alguns dos finais de tarde mais lindos que já vimos. O pôr-do-sol com tantas cores quanto conheço tingindo o Oeste e lançando uma luz estranha no nosso convés branco.
No dia de mais tubos, comemoramos comendo lagosta e tomando vinho. Só não foi mais sofisticado, pois ao invés de perfume, estávamos todos borrifados de Rifamicina – pra matar aquelas nossas velhas conhecidas, as bactérias dos corais.