Victor Caldas

Aventura na pororoca

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Os antigos povos da Amazônia jamais poderiam imaginar que o fenômeno que eles tanto temiam se tornaria um sonho para muitos surfistas. 

 

No Brasil, as ondas de maré são chamadas de pororoca por uma derivação do tupi-guarani “pororoc pororoc”, que significa algo como “grande estrondo destruidor”. 

 

Apesar de esta onda ter ficado internacionalmente famosa, poucos sabem que ela é causada pelo violento transbordamento da maré na foz do rio, e que embora essa luta de águas salgadas contra as doces se repita todos os dias, quase nunca acontece na intensidade de amedrontar índios e satisfazer surfistas.

 

A pororoca é um acontecimento misterioso desde as origens, pois ela só se forma se houver uma enorme influência da lua sobre a Terra. Segundo a astronomia, a lua atrai parte das águas dos mares e as arrasta conforme se move ao redor da Terra. 

 

No equinócio, a órbita da lua se aproxima mais da Terra, aumentando a atração gravitacional entre as duas, e é aí que rolam as maiores marés do ano, e as lombadas surfáveis… No hemisfério sul, o equinócio de outono é a melhor época. 

 

Entre os meses de fevereiro e maio, principalmente março e abril, o surfe tem hora e data marcada para acontecer. Somente na lua cheia e na nova, mais precisamente um dia antes do ápice e nos quatro seguintes. Só nesse momento que as ondas intermináveis se formarão, e com força para inverter o fluxo do rio em direção ao mar. 

 

Quanto ao horário, duas vezes ao dia, sempre na preamar – o ápice da maré cheia – que se repete a cada 12 horas. 

 

Por todas essas complexas razões, assim que decidi surfar essa onda, criei uma relação inexplicável com a lua. Foi como se finalmente eu tivesse descoberto a existência dela. Semanas antes de embarcar para São Luís, ainda em São Paulo, eu acompanhava hipnotizado o crescimento do astro noturno, e à medida que ele enchia no céu, eu já sentia um pouco da adrenalina de surfar a pororoca. 

 

Sobre o surf em si, você pode ser experiente, pode já ter passado por inúmeras situações no mar, não interessa. A pororoca o fará se sentir um bebê arriscando os primeiros passos no esporte. Tudo é diferente. 

 

Alguns que nunca viveram a experiência tendem a desmerecê-la, pois só pelas fotos não se imagina a força que tem aquela parede de água tão pequena. Sobre o tamanho, realmente, nas partes mais estreitas do rio a onda não passou de meio metro. 

 

Agora, na foz, na porta de entrada da onda, a onda entrou com no mínimo um metro, e só vendo ao vivo para entender o que isso significa em termos de energia. Uma pena que nessa hora ninguém ficou no barco para registrar.

 

Agora, qualquer que seja o tamanho da onda, outros riscos sempre estarão presentes. Jacarés, piranhas e até tubarões se reproduzindo no estuário do rio costumam ser lembrados. Mas existe uma teoria de que esses bichos pressentem a bagunça, e antes de a onda entrar, eles já saem atrás de águas mais tranqüilas. 

 

Por outro lado, o peixe candiru parece preocupar bem mais os que nadam nos rios da Amazônia. O bicho é atraído pela urina, entra pelo canal da vagina ou da uretra, e aí passa a se alimentar do sangue do hospedeiro. Dizem que esse peixe-vampiro causa uma dor terrível, e só sai do corpo com cirurgia. 

 

Outro risco, talvez o maior, é o de surfar muito rente à margem, e ao cair ou sair da onda, o surfista é arrastado para a parte mais seca do rio, onde aumentam as chances de ele bater em galhos. Mesmo que isso não aconteça, no mínimo a pessoa ficará um bom tempo sentindo a lama entrar por todos os poros do corpo. 

 

Também não é raro ficar à deriva no meio do nado, quando os barcos atolam nas bancadas, ou são atropelados e virados pela onda, ou simplesmente entra lama no motor.

 

Agora, se serve de consolo a quem pensa em surfar ondas de rio, até hoje nunca houve nada além de sustos. E verdade seja dita: o preço que se paga para estar ali é bem baixo perto do prazer que a experiência te proporciona. 

 

Não há palavras para a sensação de surfar ondas perfeitas em um rio cercado de florestas. E é também muito bacana o exercício de solidariedade que a pororoca impõe ao esporte. Como a única onda que mantém força por vários minutos é a primeira, todos devem surfá-la juntos. 

 

Ou seja, o oposto da regra individualista do mar, onde só uma pessoa tem direito de surfar cada onda. No rio todos podem e devem surfar a mesma onda, o que não impede que o clima seja bem tranquilo. 

 

Quando a espuma acaba e as pernas já estão bambas, todos gritam juntos, num êxtase coletivo que só amplia o valor da experiência. Por essas e outras, depois de a pororoca passar no último dia da lua, a galera se reúne num boteco à beira do rio, e só se pensa na cerveja gelada e no calendário. 

 

Neste último caso para confirmar o dia exato da próxima lua.