Bali em estado de choque

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Vistos do mar, os dois locais das explosões em Jimbaram Bay. Foto: Darcy.
A Ilha de Bali sofre de novo com mais uma série de atentados terroristas. E desta vez foi bem perto de mim.
 
A bomba explodiu a menos de 100 metros da minha casa em Jimbaram Bay. Apenas dois muros separam minha casa da praia.
 
Felizmente estou bem e nada aconteceu com a minha casa. Acabei de chegar de Cingapura e hoje cedo fui até o local do atentado.

 

Todos os dias eu bebo e como um côco verde de café da manhã sentado ali na areia, jogando conversa fora com os blis (nativos) que estão chegando para mais um dia de trabalho.
 

Local exato da explosão indicado por bandeirinhas vermelhas. Foto: Darcy.
E a bomba explodiu EXATAMENTE no lugar que eu fico sentado TODOS os dias.
 
Esse mesmo local também é o caminho por onde levo meu barco para o mar, um corredor entre as casas em que ficam guardados os barcos locais e um dos restaurantes, local do atentado.
 
Na volta de minhas expedições pela costa balinesa, depois que coloco o barco na picape, sento ali mesmo e tomo meu côco verde.
 
Cheguei do aeroporto ontem e no caminho já vi todas as ruas desertas, um quadro totalmente diferente de quando saí daqui, na quarta-feira, com as ruas cheias e o turismo bombando.
 
Coroas de flores e a faixa de isolamento no local da explosão. Foto: Darcy.
Parecia outro lugar. Não sei o que vai acontecer com essa gente agora.
 
O litro da gasolina, que custava 2,4 mil rúpias, foi pra 4,5 mil e o querosene de cozinha, que é o mais utilizado aqui pelo povo para o preparo de suas refeições, subiu mais de 300%.
 
Por isso o povo fez tantos protestos contra o aumento súbito dos combustíveis e com um percentual tão alto. Bali estava começando a se recuperar do abalo dos atentados de 2002.
 
Os terroristas aproveitaram o clima de revolta geral e mais uma vez retaliaram com um ataque a pontos notoriamente freqüentados por turistas.
 
Botei agora de manhã o barquinho na água com o Beto Saboya na praia de Jimbaram, a mesma da explosão, e tive que usar outra entrada, pois a que eu costumava usar estava bloqueada pela polícia.
 
Também não parei a picape no lugar de costume, pois havia restos de corpos, vítimas da explosão, no estacionamento onde eu parava o carro anteriormente.
 
Conversei com um dos funcionários do restaurante e fiquei sabendo que ninguém do staff se feriu, o que me deixou contente, porque durante estes quatro meses de temporada convivi com eles todos os dias.
 
Agora de tarde uma equipe de especialistas garimpava a areia da praia em busca de pedaços de corpos das famílias que jantavam na hora da explosão no Nyoman Café.
 
Segundo investigadores que estavam no local das explosões, as bombas da praia de Jimbaram foram acionadas por controle remoto ligados à celulares.
 
Depois da segunda explosão, os celulares foram desligados numa central, impossibilitando a detonação dos outros três explosivos que estavam enterrados na areia – ao contrário da bomba que explodiu no Kuta Square, comprovadamente um ataque suicida, conforme foi mostrado pela televisão local.
 
A cena é muito triste em um dos lugares mais pitorescos daqui da ilha. Nem sei o que dizer…
 
Acabei de chegar de uma cerimônia que estava acontecendo aqui na beira da praia, em que muitos balineses se aglomeravam e buscavam com sua fé e orações a limpeza “kármica” do local.

 

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Minha solidariedade à comunidade local, com meus companheiros do surf diário. Foto: Darcy.
Os ataques aconteceram a apenas quatro dias dos balineses Hindus celebrarem a vitória do bem sobre o mal no importante dia religioso do Galungan.
 
Para muitos balineses as bombas são uma afronta direta ao Espírito Sagrado da Celebração do Galungan.
 
Há uma grande revolta no ar, agravada pelo fato de que alguns dos principais mentores das bombas anteriores ainda estão em liberdade e os que foram presos ainda estão ganhando tempo nos tribunais.
 
Entre os balineses circulam informações sobre planos dos muçulmanos para tomar a ilha.
 
Momento de solidariedade com freiras católicas junto aos pastores Hindus. Foto: Darcy.
Em vez de dar consolo ao povo balinês, a incessante cobertura da mídia indonesiana mostra sempre muito sangue e destruição, e não faz nada além de intensificar o sentimento humilhante de derrota dos balineses, elevando o perfil dos terroristas a vitoriosos conquistadores.
 
O misto de desespero, dor e ódio é agravado com o isolamento da comunidade balinesa perante o governo geral, e isso vem consumindo pouco a pouco a sociedade.
 
Alguns líderes religiosos e chefes das comunidades locais receiam que a situação possa tomar a forma de um conflito sócio-religioso.
 
Especialistas procuram na areia pedaços dos corpos das vítimas. Foto: Darcy.
Eles afirmam categoricamente que querem ver os responsáveis por estas tragédias executados, sem mais julgamentos e sem mais advogados que conseguem de um jeito e de outro postergar uma sentença final.
 
O número de vítimas desta vez foi bem menor do que o do atentado de 2002, mas as conseqüências desses novos atentados podem ser bem mais devastadoras social e economicamente.
 
Com isso, Bali perde o que vinha tentando fazer depois de muito trabalho, ou seja, recuperar a confiança dos turistas que vem aqui curtir e descansar na “Ilha dos Mil Templos”.
 
O sucesso da ilha em superar as conseqüências de mais um ataque covarde agora se resume em duas coisas:
 
– Primeiro: na habilidade do governo central e da comunidade não-balinesa em abraçar e compartilhar a angústia dos balineses, dando todo o suporte, social, psicológico, de segurança e inclusive financeiro (o que é mais difícil) para superar mais uma crise de falta de turistas que com certeza virá.
 
– Segundo: a habilidade dos balineses em continuar na sua jornada silenciosa sempre com seu sentimento de paz e amor em seus corações. Mas até quando?
 
Não havia nenhuma lua no céu na noite de sábado para domingo, os balineses observavam o “Tilem”, o ritual do lado escuro da lua. O céu estava mais escuro que o normal.
 
Em uma área sagrada a leste de Denpasar, num templo Hindu, um pastor (guru balinês) disse mansamente à sua congregação: “O verdadeiro problema está bem aí à nossa frente”.
 
Eu tenho mais um mês de permanência aqui na ilha que chora a dor de mais um ataque estúpido, que na minha opinião não tem nada de Al-Qaeda, nem de Osama Bin Laden.
 
Existe um jogo de interesse muito grande internacional em sempre vincular esses rótulos. O tempo, apenas o tempo, nos dirá o que está por vir.

 

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