Lisergia Clássica

Caminhos de Barranca

Gabriel Nascimento, Pavones, Costa Rica

Depois de gravar cenas na Califórnia, Peru e ter adiantado bastante o conteúdo do Brasil, Paulo Camargo e eu decidimos fazer mais uma viagem para o filme Lisergia Clássica. Um motivo especial nos fez optar pela Costa Rica: a tradicional Boca Barranca.

Por depender de swell, todas as viagens do filme saem aos 48 minutos do segundo tempo, o que dificulta conseguir outros surfistas para nos acompanhar. Botei uma pilha ferrenha em alguns, mas só Gabriel Nascimento se coçou a tempo. Thiago Mariano foi o que mais sofreu com minhas pilhas, viu que não ia ter sossego e topou, mas chegou só na segunda semana, por conta da vacina de febre amarela.

 

Pavones nos traiu Cássio Carvalho, guia local e amigo, nos pegou no aeroporto e partimos para Pavones, onde apontava um bom swell. Um vento que teimava em soprar do golfo estragou um pouco a formação. Tanto eu como Gabriel já conhecíamos bem o local e isso ajudou bastante, mas justamente por conhecer sabíamos que não estava do jeito certo, apesar do bom tamanho. Pavones é uma onda bem marcada, com três seções que conectam quando está realmente bom. É uma onda veloz, o que me fez optar por uma prancha 7 pés monoquilha. Apesar do crowd que dominou o vilarejo nos últimos anos e da invasão de americanos que se estabeleceram por lá, ainda é um lugar que preserva o clima Pura Vida e oferece bom surf. Apesar de alguns bons momentos, dessa vez Pavones nos traiu.

 

De olho na vizinha O Cássio nos falou de uma onda lá perto que era ideal para o surf clássico. Carentes com a traição de Pavones, não pensamos duas vezes e fomos atrás dela. Pilón deixou de ser um secret, mas o crowd é bem menor do que em Pavones. O local Estebán controla o pico, mas dá para surfar tranquilo, ainda mais se conseguir ficar amigo dele. O line up é composto de muitas mulheres e crianças, o que deixa o clima ainda mais leve.

 

Diferente de Pavones, é uma onda definida por uma única seção, porém longa e mais uniforme. Surfamos com pranchas diferentes e nos livramos da ansiedade de ter que gerar um bom material. A ondulação encaixou com precisão em Pilon, com dias limpos e água cristalina, no melhor estilo América Central. Foi legal ver Gabriel Nascimento, com quase 2 metros de altura, voando em cima de uma biquilha 5’6. Cássio, que nem tínhamos plano de colocar no filme, nos surpreendeu com essa mesma prancha, fazendo uma linha limpa e divertida. Ganhou papel importante no elenco. No melhor dia, Paulo Camargo não aguentou e por alguns minutos trocou o equipamento de filmagem pela minha monoquilha 7’.

 

O paraíso do noseriding Voltamos a Jacó para resgatar Thiago Mariano. Planejamos que a estreia dele fosse em Boca Barranca, considerada pelos locais a segunda esquerda mais longa do mundo, ficando atrás apenas de Chicama, onde também já havíamos gravado. Qual é a onda mais longa do mundo eu não sei. Outras foram descobertas recentemente, como Skeleton Bay, na Namíbia, mas Boca é definitivamente melhor para um legítimo surf de longboard. O clima no line up também colabora para uma atmosfera perfeita. O localismo é tranquilo. Para uma linha mais clássica, funciona melhor com swell de 3 a 4 pés, exatamente o que precisávamos.

 

Thiago é um cara cool, detalhista e muito técnico. É um dos surfistas mais criativos que conheço e aquela era a onda na qual queríamos registrá-lo. O entendimento foi imediato. Vendo-o em ação, dava a sensação de alívio, dever cumprido. Gabriel usou seus longboards progressivos e conseguiu manobras verticais de backside, contrastando com Thiago, que levitava na linha horizontal, num incrível trabalho dos pés e noseridings infinitos.

Boca Barranca tem muita tradição na história do surf costa-riquenho e no cenário internacional do longboard. É o berço do surf na Costa Rica e onde aconteceu por mais de dez anos os festivais Rabbit Kekai, um dos mais tradicionais eventos de longboard, e mais recentemente os campeonatos World Noseriding Series, realizados por Guy Takayama, voltados apenas para as manobras de bico.

 

Barranca não trai Com swell minguando em Barranca, partimos para o norte, mesmo sabendo que o swell que estávamos monitorando teimava em se consolidar. Pegamos Avellanas, Marbella e Playa Negra com condições simpáticas, mas sem o swell desistimos de Roca Bruja e Ollies Point. Voltamos a Jacó, já preparando o retorno para o Brasil, quando um swell apontou para Boca Barranca novamente.

 

Paulo não poderia ficar para registrar esse swell e Gabriel já tinha até voltado para a Califórnia, onde está estudando cinema. Cássio nos largaria em Boca Barranca, porém ficaríamos sem câmeras. O lado bom é que não haveria trabalho e só nos restava aproveitar. Boca Barranca foi infalível todas as vezes em que estive na Costa Rica e dessa vez não foi diferente. Por ironia, foram talvez os melhores mares da trip com quase 1 km de paredes líquidas se esparramando pela bancada. Os finais de tarde psicodélicos deram o tom perfeito. O preço é a remada de volta, que dá tempo até para repensar a vida. Nessas horas bate a satisfação em ter certeza de que não poderíamos estar fazendo nada melhor das nossas vidas.

 

Mesmo com excelente material garantido, confesso que sofri um pouquinho por não termos registrado esses últimos dias, mas por outro lado já não fazia a menor diferença, afinal o surf é vadio por natureza.

 

A equipe do filme Lisergia Clássica viajou pela Widex Travel. Agradecimento: Surf Tours.

 

Lisergia Clássica é um filme em produção que retrata a importância do surf na vida dos personagens, aborda o pioneirismo e a retomada do longboard. A riqueza de informações e imagens clássicas transformam o filme num documentário poético, evidenciado por depoimentos e performances de lendas do surf. Participação de grandes nomes do longboard brasileiro e mundial. Idealizado pelo longboarder Jaime Viudes e com fotografia de Paulo Camargo. Indicado inclusive para quem não pega onda. Coprodução: Galeria Filmes e Toca Produções.

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