A tentativa de construir uma prancha de surf alaia me levou ao universo quase perdido das canoas tradicionais brasileiras.
Tudo começou em 2009, no litoral de São Paulo, quando um sujeito com uma tábua fina de madeira esperava a série de ondas ao meu lado.
Ele estava surfando com uma alaia, releitura das ancestrais pranchas havaianas. Parecia compenetrado e com alguma dificuldade, mas também se divertindo.
Foi quando me dei conta de que o perfil dos surfistas estava mudando, ou diversificando, cada um buscando um significado próprio àquele esporte.
Uma volta às origens pode ser um bom exercício para se repensar.
Pesquisando na internet, ”o oráculo” mostra uma comunidade vasta e diversa de pessoas construindo pranchas de madeira e reconstruindo a essência do esporte.
Enquanto a fabricação de pranchas de surf convencional tem se automatizado (nada contra!), existem pessoas espalhadas pelo mundo fazendo projetos e construindo manualmente suas pranchas de madeira.
Isto é uma experiência única, uma continuidade ao processo que começa desde criança, admirando as canoas da praia, explorando o mar com um pedaço de isopor, pegando jacaré e em seguida o surf.
Há certas horas que construir sua própria prancha parece como um ritual de passagem à fase adulta.
Mas com qual madeira se constrói prancha alaia?
Os havaianos possuíam uma madeira boa para estes fins, a koa. A mesma madeira de fazer pranchas era usada para o casco das canoas.
A canoa dos povos polinésios segue os mesmo princípios de construção das canoas indígenas brasileiras, com algumas diferenças no desenho.
A canoa polinésia é bem simples, mas uma grandíssima navegadora, responsável pela disseminação de um povo tribal em milhares de ilhas vulcânicas espalhadas por todo o Pacífico.
Assim, para construir uma prancha de surf autenticamente brasileira, qual seria a madeira digna ao papel da acácia koa?
O Brasil foi colonizado por causa de nossas arvores, o pau-brasil e muitas outras. E a prova disto são as ditas “madeiras de lei”.
Este é um termo muito antigo, começou quando algumas madeiras passaram a ser difíceis de encontrar na costa brasileira e a coroa portuguesa passou a protegê-las, para uso exclusivo da Ribeira das Naus, um enorme estaleiro que construiu os navios portugueses que exploraram todos os mares, inclusive aqueles em que viviam os povos do Pacifico.
O final da história nós já conhecemos, a madeira nobre passou a ser usada nas naus portuguesas, todo tipo de construção civil, além de virar produto de exportação, entrando em risco de extinção.
Os primeiros a fazer releituras das pranchas de surf de madeira maciça foram os australianos, que passaram a usar uma madeira asiática de reflorestamento chamada paulownia.
Levando em consideração as mesmas qualidades, encontrei uma versão nacional, uma madeira de lei, bem resistente à água e leve, e o melhor, possível de ser encontrada no mercado de madeiras certificadas: o cedro rosa, ou cedro vermelho.
O cedro pode ser considerado uma das madeiras mais importantes do país, unindo leveza, estabilidade, facilidade para trabalhar e resistência à água. Vale a pena reflorestar!
Esta é uma das madeiras que se costumava fazer pequenas canoas indígenas (canoa caiçara ou “canoa de um pau”), para uma ou duas pessoas.
Logo, madeiras boas para fazer determinados tipos de canoa, parecem funcionar para pranchas. O desenho (shape) da prancha alaia antiga remete as canoas tradicionais; um casco simples, movida por força humana.
A essência do surf e das canoas é a mesma, são modos simples de navegar. Basicamente, uma madeira talhada e a habilidade de fazer uso dos ventos, correntes e ondulações. A volta das pranchas de surf alaia é algo para se pensar muito além do mercado. É uma busca por identidade.
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