O big rider pernambucano Carlos Burle, um dos brasileiros mais respeitados nacional e internacionalmente quando o assunto é ondas grandes, está novamente na lista de convidados do Quiksilver In Memory of Eddie Aikau, um dos mais tradicionais eventos da história do surf no Hawaii e no mundo.
Porém, depois de ter figurado na lista principal do evento nos últimos três anos – ficando de fora de todos por motivos adversos – ele agora está na lista de alternates do Eddie.
Aos 35 anos, Burle, campeão mundial de ondas grandes em 98, vencedor do XXL Big Wave Awards em 2001 e terceiro colocado no Tow In World Cup em janeiro passado, se diz frustrado com o acontecido.
Em entrevista exclusiva ao site Waves realizada na Prainha (RJ), durante a última etapa do SuperSurf 2002, no início de novembro, Burle explica que considera sua saída da lista principal um “castigo” e acha que está na hora de o mercado nacional se fortalecer e ajudar os atletas brasileiros a conquistar seu próprio espaço no cenário mundial.
Como você recebeu a notícia que estava na lista de alternates do Eddie Aikau este ano, depois de ter sido convidado para a principal nas últimas três edições do evento?
Burle bota pra baixo sem medo em Mavericks. Foto: Frank Quirarte. |
Aí fica difícil mesmo de entrar…
Tá muito difícil. Eles podiam pelo menos ter me colocado lá em cima, pra ver se o cabra tá a fim mesmo, se vai ficar na praia esperando uma chance… Mas tem uma coisa que eu sempre pensei: as pessoas idolatram o Eddie Aikau, principalmente os brasileiros que moram no Hawaii, e realmente é o campeonato mais tradicional de ondas grandes do mundo, respeitado por toda a comunidade. Mas o bom surfista deve ser reconhecido não pela presença ou não no Eddie, mas sim pelo surf que apresenta durante a temporada, na carreira… Eu, e qualquer outro big rider, tenho uma história, um reconhecimento para estar ali, e a supervalorização de um atleta brasileiro que venha a correr o evento até é legal, o cara escreve o nome na história. Eu tenho este sonho sim, gostaria muito de levantar aquele caneco…
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A dupla Burle e Eraldo, campeã do XXL, durante a entrega do prêmio, na Califórnia. Foto: Tim Williams. |
Então foi frustrante para você essa situação?
Foi, claro, bastante. Imagine as situações que vivi nos últimos anos… Embarquei pro Eddie Aikau e não pude correr, me machuquei… Ano passado teve todo o lance com o Eraldo, não podia deixar meu parceiro na mão e tive que optar por não correr de novo. Foram situações desagradáveis pra caramba, mas que aconteceram, e eu procuro aproveitar ao máximo essas situações, tenho aprendido muito com elas e acho que evoluí, não me arrependo de nada que fiz. O nosso esporte é o extremo do surf, é perigoso e não dá pra arriscar. Eu não podia competir contundido, é o feeling do surfista de ondas grandes, ele respeita o mar, sei que o Eddie não faria isso. Por outro lado, também vivi situações muito gratificantes, tivemos uma performance memorável em Jaws, assisti o Rodrigo (Resende) levantar o caneco, peguei altas ondas, fiz parte da história também…
E teve alguma satisfação formal da sua parte ou da dos organizadores do Eddie nestes episódios? Você acha que ficou um “clima” ruim entre vocês?
A minha decisão foi escrever uma carta para o Clyde Aikau, irmão do Eddie, para o responsável pelo campeonato, para o George Downing e para a Quiksilver. Mandei a mesma carta para todos explicando o que tinha acontecido, que eu tinha me ausentado, que tive que optar e não podia deixar meu parceiro na mão, era uma competição em dupla e eu tinha essa responsabilidade. Pedi que fossem justos na avaliação e que não deixassem que a política falasse mais alto na hora da convocação. E realmente fiquei triste, porque ganhamos o XXL ano passado, fora todo nosso reconhecimento na mídia em geral e na comunidade do surf. Então acho que ficou uma mágoa sim, já ouvi pessoas dizendo isso, comentários sobre surfistas da Quiksilver que estariam magoados com Carlos Burle… Mas eu não tenho mágoa de ninguém, eles que façam lá a política deles, tiveram que cancelar o campeonato em Maverick’s, não sei o que vão fazer.
E quais são as expectativas para a Tow In World Cup este ano?
Graças a Deus os Estúdios Mega, empresa brasileira que patrocina o evento, tem essa visão, aposta e investe no campeonato que mais brilha atualmente no cenário do surf em ondas grandes, o Tow In World Cup. Na minha opinião é o futuro do nosso esporte, e é uma marca brasileira que está apoiando os atletas daqui, porque nunca teremos esse reconhecimento lá fora, muito pelo contrário. Nós ganhamos o XXL, o Tow In World Cup, surfamos sempre os maiores swells da temporada e eles não convidam a gente para os eventos, não escrevem sobre a gente, não nos convidam para participar de um projeto como o Odyssey, entendeu..? Então vêm as marcas lá de fora, sugam nosso mercado, anunciam os atletas deles e não reconhecem a gente no exterior… Por quê isso? Porque não somos ídolos lá? Eles devem realmente sentir que, se um brasileiro, um sul-americano vence um evento como o XXL, o brilho é bem menor, e isso vale para todos os eventos que falamos antes, o Tow In, o Eddie, o evento em Mav’s… Pra eles não é legal, pra mídia deles não interessa isso. Mas é uma realidade.
Como foi saber do cancelamento do Men Who Ride Mountains, em Maverick’s?
O inverno começou com altas bombas. Na pré-temporada soubemos que não teria o Big Trip nem o Men Who Ride Mountains. Depois soubemos que éramos alternates no Eddie, não teria o Tow In World Cup nem o XXL… Não estamos convidados para o Odyssey, ou seja, parece que estavam fazendo de tudo para que não acontecessem os eventos que nós brilhamos nos últimos anos. Se você prestar atenção, eles tentam acabar com os eventos que a gente se dá bem, porque isso é uma característica do norte-americano, eles querem ser os primeiros, os melhores… E acho que por um lado eles estão certos, é o mercado, eles criam os ídolos e querem vender, porque o mercado é rico. Mas quando eles abrem estão sujeitos a perder, e é isso que vem acontecendo. Posso estar falando besteira, mas acho que nosso desempenho está mesmo incomodando. Pegamos a maior onda da temporada ano passado, vencemos o primeiro mundial de tow in num mar épico em Jaws e mesmo assim nenhum brasileiro foi convidado para o Odyssey, por exemplo… Pôxa, eles têm uma marca grande aqui e só anunciam os gringos. Até quando iremos abaixar a cabeça? O público tem que tomar consciência de que se uma marca não anuncia um surfista brasileiro, ele não devia nem consumir os produtos dela, isso é patriotismo, isso é vestir a camisa… É o que eles fazem lá fora.
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Como você acha que essa situação pode ser revertida? Performances à longo prazo, continuar correndo atrás?
Eu acho que a tendência é realmente desestimular o atleta. Mas, por outro lado, você fica instigado em mostrar pra eles que somos capazes, porque quanto mais obstáculos, mais saborosa é a vitória. E é isso que mais me estimula, fico até emocionado com isso… A gente vai lá também e pega as ondas, acredito muito no talento dos brasileiros. Com relação a ser um exemplo para novas gerações de big riders, a coisa é um pouco mais delicada. Acho que a solução seria uma grande união do mercado nacional para fortalecer o esporte e direcionar mais verba aos atletas. Mas, para termos um brasileiro convidado para todos esses eventos, teríamos que ter um brazuca “haole”, um cara aceito pela comunidade e pela mídia internacional, uma pessoa que de repente tivesse um passaporte duplo, brasileiro e americano, como é o Bob Burnquist no skate. Isso quebraria as barreiras do patrocínio, da língua, da cultura… Tenho falado isso nas palestras que faço. Talento a gente tem, só não temos as ondas que eles têm no quintal de casa, então não podemos treinar como eles. O cara tem que morar lá, ser aceito por eles, ter um patrocinador internacional… Esse é o caminho para quem quiser aparecer pro mundo.
Como você se preparou para a próxima temporada?
Basicamente surfando, treinando tow in com o Eraldo, aqui no Rio de Janeiro. Fiz uma preparação física bastante intensa nos últimos dois meses, com meu preparador, o Wanderlei, e foi muito puxado, chegou uma hora que não agüentei. Aí ele falou: “vai pra água agora, relaxa”. Fora isso to com a cabeça boa, equilibrado…
Onde vocês costumam treinar tow in?
Geralmente no meio da Barra (da Tijuca), Macumba, Grumari… Ontem mesmo a gente fez, temos que treinar direto. Mas hoje em dia o foco é não perder o ritmo, porque o meu preparo vem da vida toda, de tudo que tenho feito até hoje. Claro que hoje temos a ajuda da tecnologia, faço um trabalho especifico de alongamento com força, trabalho muito em cima do cardiovascular e principalmente o contato intenso com o mar.
E qual é o seu foco nas competições?
Com certeza é o Tow In World Cup. Como já falei, é o evento que mais brilha atualmente no cenário das ondas grandes na minha opinião, e estou convidado na lista principal. Este evento é o futuro do marketing em esportes radicais no mundo, modalidade que cresce muito a cada dia, tem muito dinheiro envolvido. O tow in é o futuro, cara, e tem tudo a ver com a minha carreira no momento.
Quando você começou a pegar ondas grandes, imaginava que um dia estaria neste patamar, que o tow in chegaria tão longe?
Quando comecei eu nem imaginava que poderia ser um dos melhores surfistas do mundo, e jamais passou pela minha cabeça que a gente iria usar jet-ski para pegar essas ondas.