Rio de Janeiro, 26 de fevereiro, terça-feira. Para ser mais específico, foi em Saquarema, na Região dos Lagos, que começou a minha viagem.
Naquele dia, recebi o telefonema do meu ?manager? perguntando o que eu achava de ir ao Chile em uma surf trip com a equipe da Billabong, já que nos dias 1 e 2 de março eu teria uma competição em Campos, no Norte do estado do Rio de Janeiro, e seria a segunda etapa do circuito carioca de surf, importante para mim porque eu tinha acabado de fazer um segundo lugar na etapa de abertura, disputada em Quissamã.
Mesmo assim, não pensei muito para aceitar a trip. Coincidência ou não, semanas antes eu conversava com Patrick Reis, big rider de Saquarema, sobre como eram boas as ondas chilenas e que valeria muito a pena fazer uma viagem para lá.
Além de todas as vantagens – como ser perto e barato – seria um treino incrível, a nível de Indonésia, só que com água congelada.
Saquarema fica a uma hora e meia do Rio, e muitas vezes começo minha viagem pegando o ônibus para a rodoviária do Rio e de lá um táxi para o aeroporto. Tudo planejado e cronometrado para não perder o horário do vôo, despedida da esposa e filha, coisa que já nos acostumamos, apesar da saudade, início de trip normal. Seria, se eu não perdesse o ônibus por alguns minutos e começasse a complicar minha viagem. O que fazer agora?
Os horários contados, inclusive da Ariel, minha filha, que tinha de ir para a escola, e minha única solução de chegar ao aeroporto a tempo e não perder o vôo era ir de carro com minha esposa Carol. Foi o que fizemos. Deixamos Ariel correndo na escola e pegamos a estrada em direção ao Rio.
Corria tudo bem, estrada tranqüila, estava no tempo certo de chegar. Foi quando na entrada da ponte Rio – Niterói, em baixo de uma chuva forte, cruzou um carro a toda velocidade batendo na frente do meu carro e também no carro à minha direita. Graças a Deus tive o reflexo de segurar o carro enquanto derrapava e retomar o controle sem nenhum problema grave.
Bom, acidente de carro é um problema. Tive de parar e ver se alguma coisa havia acontecido. Os outros envolvidos no acidente pararam também e, enquanto todos tentavam descobrir quem era o culpado, o tempo ia passando e cada vez mais me atrasava para o vôo.
Estresse à parte, nada de grave aconteceu, um amassado e uma lanterna foi meu prejuízo. Perder o vôo era a única coisa que eu não queria, pois chegar a um lugar desconhecido e ter que me virar sozinho para encontrar a equipe ia ser muito perrengue, e sinceramente, depois de tantos pelo mundo, mais um não!
Correrias à parte, acabou dando tudo certo. Peguei o vôo com Pablo Paulino para São Paulo e, chegando lá, encontramos a equipe que iria conosco pra trip.
A viagem até o Chile é muito rápida. Em apenas quatro horas a gente já estava pousando em Santiago. Para a nossa surpresa, o time de skate da equipe também foi. Eles fariam uma apresentação por lá e foi muito legal irmos juntos, pois a galera se identifica bastante e eu sempre fico imaginando como adaptar algumas manobras que eles fazem no chão dentro d?água com minha prancha.
Chegamos bem, em um vôo tranqüilo, e fomos recepcionados até o hotel em que dormiríamos. Nossa agenda para o dia seguinte estava cheia…
No dia seguinte, fomos para uma coletiva de imprensa na qual falaríamos sobre a etapa classificatória do Mundial Pro Junior que aconteceria em Punta de Lobos, Pichilemu, e da importância do título mundial, já que eu fui o primeiro brasileiro campeão mundial pro junior e o Pablo conquistou o bicampeonato.
Minha vontade de surfar já estava me matando, não via a hora de chegar à praia, ficava o tempo todo imaginando como seriam as ondas e como surfaria nelas, mas ainda teria que esperar mais um dia.
Pegamos uma van e passamos a noite na estrada rumo a Pichilemu, que foi nossa primeira parada. Levou de três a quatro horas.
Chegamos na manhã seguinte, bem cedo, e assim que acordei, do carro, já vi uma esquerda muito longa e lisinha. Era La Puntilla, perfeito. Fiquei doido pra arrumar as pranchas novas, botar a roupa de borracha 4/3, botinha, luva e tudo o que tem direito pra cair naquela água gelada e finalmente surfar aquelas ondas animais!
Punta de Lobos é uma esquerda incrível, muito longa, com três seções. Em algumas seções ela roda um tubo longo. Depois da final do Pro Junior, fomos surfar e, conforme a maré foi mudando, o mar foi acertando e ficando cada vez mais tubular. O Sol se pondo, as ondas contra a luz, foi incrível! Fiz uns tubos insanos completamente de pé e muito longos, tanto que dava tempo de ficar admirando o visual dentro do tubo!
Não só peguei vários, como também vi a galera brazuca que estava no pico arrepiando: Thiago Camarão, Jerônimo Vargas e Marco Giorgi foram uns que, enquanto eu voltava remando para o pico, assistia-os passeando por dentro de tubos perfeitos contra a luz, muito visual!
Durante os dias de competição em Punta de Lobos, fomos para um pico que me lembrou daqueles filmes ?The Search?, no qual os caras iam atrás de ondas nunca surfadas e tal. Para chegar ao pico, tínhamos que entrar em uma propriedade particular, uma fazenda.
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Não é um lugar fácil de chegar, na verdade precisa de um guia, alguém que já conheça o pico e saiba chegar lá porque são muitos caminhos iguais e dentro da fazenda. Além do mais, precisa de um carro 4×4 pra passar as grandes partes de areia fofa e chegar até a praia. Secret ou não, o pico é animal!
Lembrou-me muito de G-Land, principalmente quando o Sol estava forte, refletindo na água verde e nos tubos quilométricos durante toda a extensão da onda.
Ficamos apenas um dia lá, mas foi o suficiente pra gravar na memória uma das melhores ondas que já surfei, com certeza! Quando se tem que ir embora antes da hora, fica sempre aquela vontade de voltar, não só em mim, mas em todos.
Depois que voltamos para a nossa base em Punta de Lobos, Pichilemu, fomos surfar uma onda que assisti em várias imagens na internet, antes de vir ao Chile: La Puntilla. Essa onda fica no centro da cidade, uma esquerda muito longa que na verdade não conseguimos pegar do jeito, porque, pelo que parecia, estava grande demais pra bancada.
Mesmo assim, fizemos um surf muito divertido, ondas um pouco cheias, mas com uma parede incrível, um verdadeiro ladeirão Foi bem legal, usamos umas pranchas maiores e fizemos um surf bem tranqüilo, aproveitando bem as bordas e a linha das ondas.
Fim de campeonato e de competição pra molecada também. Era a hora que eu mais esperava. ?E agora, aonde nós vamos??, era a pergunta que eu fazia para Zé Paulo, ?team manager? da Billabong e chefe da nossa trip. Tínhamos duas opções: ir para o Sul do Chile e surfar ondas que nenhum de nós conhecia ou ir para o Norte e surfar os tubos de Iquique e Arica.
Pela falta de tempo, optamos pelo Sul. Tínhamos um amigo chileno, local, que conhecia bem a área e estava a fim de nos levar para mostrar os picos. Foi uma viagem bem tranqüila, fomos em um comboio de três carros, chegamos todos bem, levou aproximadamente oito horas e minha curiosidade era tanta que nem me importei com o tempo de estrada, só pensava em ver as ondas que viriam pela frente.
Fiquei realmente impressionado com as ondas do Sul, a quantidade de picos é enorme, basicamente um ?point? de esquerda a cada curva da praia, umas mais longas, outras mais curtas, umas mais tubulares, outras mais cheias. Não falta opção para surfar.
Pegamos muitas ondas incríveis, mas um pico em especial me fascinou, pois era como uma piscina de ondas. A esquerda vinha correndo bem perto da praia, dava pra fazer umas seis manobras bem feitas. Era uma onda rápida, mas com sessões pra fazer qualquer manobra, desde tentar os aéreos mais animais até forçar rasgadas bem longas de borda. Depois de acabar a onda, era só correr pela praia até o início do pico e pular atrás da arrebentação, sem nenhum esforço. O paraíso dos goofys (risos).
Nenhuma surf trip é completa sem um belo perrengue pelo caminho, e a nossa, como toda boa viagem, não poderia ficar de fora. Depois de um dia animal de surf, com todos mortos de fome e exaustos de tantas ondas e manobras, juntamos nossas coisas no carro e saímos pra casa.
Porém, no meio do caminho nosso carro começou a fazer um barulho estranho, mas que não parecia nada grave, nada que nos impedisse de chegar à pousada, que ficava a mais ou menos 45 minutos desse pico.
Foi quando no meio do caminho – que era totalmente escuro, pois não tinha nenhuma casa por perto, somente fazendas – nosso carro parou. Nós fomos os últimos a ir embora da praia, com isso não havia ninguém por perto e onde o carro quebrou não pegava sinal de celular pra avisarmos aos outros o que havia acontecido.
Estávamos no meio do nada, na escuridão total, não dava pra ver um palmo na frente, a uns 30 minutos de carro da pousada, num lugar desconhecido com terreno totalmente irregular, ou seja, não nos restou nada a fazer a não ser esperar alguém passar e nos resgatar.
Nossa espera durou cinco horas!! Durante todo esse tempo, ninguém passou e nada pudemos fazer. No final, fomos resgatados pelo Zé Paulo, que passou mais de três horas, também perdido, procurando nosso carro até nos encontrar. Estava completa nossa trip.
Lembro quando eu era moleque na escola e passava minhas aulas desenhando onda no caderno e imaginando surf trips em ondas perfeitas. Essa mesma empolgação pude sentir de novo dessa vez no Chile; querer surfar o tempo todo, aprender novas manobras e aperfeiçoar o que já se sabe.
A melhor coisa do surf é você poder entrar na onda e se sentir livre pra fazer o que quiser. A sensação indescritível só quem surfa pode sentir, uma felicidade sincera como uma criança. Viva Chile!!