Escrevo da poltrona de um avião, saí minutos atrás dos 4 graus de Paris na direção dos 40 graus do Rio. Passar dias longe do hábitat ajuda a desfazer os nós de nossa alma: a distância nos faz refletir, enxergar modificações, precipitar conclusões.
De longe, acompanhei um pouco as novas do surfe.
De longe, percebi que as coisas, sim, mudam com o tempo.
Gabriel Medina, por exemplo, estampa, numa sequência de backflip, a capa de março da Surfing.
O memorável Paulo Tendas estampou o calendário de 1983 e, desde então, outros já apareceram. Caio Ibelli vendeu a imagem do futuro brasileiro em 2010. Nesse intervalo, outros apareceram. Em outubro do ano passado, o Brasil não foi capa, mas sim tema da edição.
Mas não se enganem, a capa de Medina representa um símbolo novo, para o bem do Brasil.
Antes de tudo, é um sinal de mudança de olhar. Na história, a Surfing já apresentou o surfista brasileiro como surfista não identificado, brazilian nut, mestre em beach breaks, giant killer e, mais recentemente, como o talento do futuro.
Somos exóticos, corajosos. Nunca fomos tão talentosos.
Medina foi escolhido pelo inevitável: ele é o novo gigante, um assombro, o cara que incomoda da mesma forma que um americano surgido nos anos 90. O presente.
Ponto para os corajosos editores da mais ianque das revistas de surfe.
Medina é o futuro que o mundo quer ver, não importa a nacionalidade. E não se enganem: o backflip é um detalhe. Tem o peso do auxílio luxuoso de um pandeiro num samba imortal.
Aproveito que eu acabei de jantar uma daquelas marmitinhas de alumínio, acompanhada de um tinto, para mudar o rumo da prosa.
A viagem à França teve um sabor especial. Com a família – mulher e filhas – fui visitar a minha mãe, que, aos 60 e muitos, ganhou uma bolsa para finalizar seu doutorado em urbanismo na Escola de Outros Estudos e de Ciências Sociais de Edgar Morin, um cara que nos ajuda a entender o mundo de uma perspectiva mais sistêmica e sustentável.
Peço licença para contar em poucas linhas a história da mãe do colunista que vos fala.
Ela perdeu a mãe ao nascer, o pai aos 16 anos, e logo aprendeu que só venceria se insistisse muito. Lutou para se formar numa das primeiras turmas de design do país, na Esdi (UERJ). Manteve-se como profissional durante toda a carreira, assim, sem muita grana, mas com muita qualidade e dedicação.
Aos 60, cansou de ter cliente. Decidiu subverter seu destino e se tornar professora. Os filhos se assustaram. Como? Quem vai admitir a senhora? Pois, sexagenária, ela voltou a estudar, concluiu o mestrado e, para surpresa geral, passou no concurso público da UFRJ – a mais idosa a ser admitida.
Deu uma banda no patético limite da aposentadoria compulsória.
Não satisfeita, continuou a estudar e ganhou uma bolsa para concluir o doutorado em Paris.
Ela entra na coluna não por ser mãe, claro, mas por me ajudar a rever os paradigmas dos limites da idade, de velhice e de até onde alguém pode seguir verdadeiramente ativo.
Chegamos lá. Os desafios vencidos por ela me fazem entender melhor a cabeça de Kelly Slater.
O americano perdeu em 2012, aos 40 anos, mas parece estar longe do fim. Muitos – eu inclusive – volta e meia pensam que chegou a hora de ele largar o osso. Deixar espaço para o outro é um sinal de generosidade que ele nunca teve. Mas competição é assim.
Slater está prestes a completar 41 anos, mas, física e tecnicamente, é como se tivesse a metade. Não sente de modo algum o peso da idade, e tem a seu favor a maturidade de quem já viveu o céu e o inferno, várias vezes. Pode vencer em 2013. Quem aqui, entre nós, em seu lugar, se aposentaria?
Vida longa e ativa a todos. E muitas mudanças, sempre.
Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.