Rosa dos Ventos

Conexão Mosul – Mentawaii

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Vou falar aqui de um cara chamado Eduardo Martins, ou @edu_martinsp, como é bastante conhecido pelos mais de 120 mil seguidores no Instagram e veículos internacionais que têm publicado as suas fotografias. É surfista e fotógrafo. 

 

Esta é uma história que me faz lembrar da minha própria pela paixão que Edu tem por dois temas que, desde a adolescência, sempre nortearam a minha vida: o surfe e a Guerra. Ou o mar e a necessidade de publicar textos e fotos de situações nefastas produzidas por políticos com as mãos sujas de sangue que acreditam que massacrar pessoas para defender uma ideia não se trata de crime ou genocídio. Ou algo dessa magnitude que infelizmente temos testemunhado com muita frequência.

 

A história de Edu, 32, começa ainda moleque com uma leucemia, câncer no sangue, doença terrível que o fez despertar e perceber que ele não queria ser mais um peixinho no aquário urbano de São Paulo. Ele passou sete anos abatido numa cama, sob tratamento intensivo que o limitou em muitos aspectos. Era a quimio ou a faculdade, por exemplo. 

 

Mas, passados esses sete anos, e assim que se viu libertado, decidiu pular da cama e buscar o tempo perdido. Eu poderia tornar esse relato introdutório mais interessante ou colocar adjetivos extraordinários neste texto, mas os 11.381 quilômetros que, segundo o Google, separam o Brasil do Iraque, e a conexão remota em Mosul devido a meses de combates, reduzem um pouco a comunicação. Me perdoem por isso.

 

Vamos lá. De lá, de Mosul, do olho do furação onde está baseado há alguns meses, conversei com Edu Martins.  A seguir, alguns trechos da nossa conversa.

 
À distância, tenho acompanhado o seu trabalho pelo Instagram. Você me disse que um câncer fez você refletir bastante sobre a sua vida e as suas escolhas. Fale um pouco a respeito.

Sim, eu tive Leucemia aguda aos 18 anos, um tratamento que durou 7 anos. O câncer mudou meus valores e visão do mundo. Foi a partir da doença que surgiu a vontade de fazer trabalho humanitário e ajudar o próximo. Tive a ajuda de muitas pessoas que mal conhecia. Hoje, digo que tudo que sou foi graças ao câncer. Foi algo muito difícil e sofrido, ao mesmo tempo um presente que mudou e moldou meu caráter e fez eu me tornar o homem que sou hoje. Quase ao mesmo tempo perdi o meu pai. A fotografia sempre foi um hobby. Eu me tornei fotógrafo quando comecei a trabalhar como humanitário em lugares com problemas enormes sociais. Aí, foi unir as duas coisas que mais amo. No meu ponto de vista, deu certo.
 
Você nasceu em São Paulo, certo? Conte pra gente um pouco de onde você veio, onde estudou…

Sou paulista, morei a vida toda em São Paulo, me mudei para Paris em 2014. Em 2015, fui para New York, onde moro hoje. Nasci em 11 de setembro de 1984. Estudei no Mackenzie quase a vida toda e não fiz faculdade, pois fiquei doente e não tinha condições de frequentar as aulas por causa dos tratamentos que me deixavam extremamente debilitado. Meu pai faleceu em 2014, de insuficiência hepática, ele era meu grande amigo e tudo na minha vida.
 
O surfe entrou quando na sua vida?

Tenho casa em Paúba, onde aprendi a surfar. Procuro, sempre que posso, ir ao Brasil visitar meu amigos, sinto bastante falta disso. Comecei a surfar moleque. Já viajei quase o mundo todo para pegar onda; Indonésia, Fiji, México, Nicarágua, Hawaii, Tahiti, Europa, Marrocos, Sri Lanka, Califa, África… Meus spots favoritos são em Mentawai, Cloudbreak (Fiji) Teahupoo, Paúba e Hossegor.
 
Já vi fotos suas de surf na Faixa da Gaza.

Surfei muitas vezes em Gaza Beach, muitos palestinos pegam onda. Fiz um programa nos dois abrigos que apoio para ensinar o pessoal a surfar. Todos os domingos íamos para a água, uma experiência única. Gaza é um lugar muito bonito à beira do Mediterrâneo, mas enormemente castigado por anos de Guerra com Israel.
 
Fora Gaza, alguma história inusitada para contar?

Já passei alguns perrengues no surfe. Em Teahupoo, num mar de 4 pés, tomei um caldo e fiquei preso no coral com a série batendo na minha cabeça. Nesse dia eu quase morri. Em Puerto, estourei o tímpano… Meus amigos falam que sou meio kamikaze. Não tenho medo de mar grande, ao contrário, gosto muito. Poucas coisas me colocam medo na vida, até mesmo com meu trabalho. Sem querer ser prepotente, mas depois do que eu passei com o câncer, a única coisa que me assusta, o único medo real, é ficar doente novamente. Curto um mar pequeno, dar uns aéreos, uma das minhas manobras favoritas. Ultimamente tento surfar quando posso e estou de férias, sinto muita falta. Às vezes, faço uma viagem a trabalho para um lugar que tem onda e tento achar um jeito de surfar, como na África. Sempre vou para Moçambique e aproveito para pegar onda. Mesmo doente e deblitado pela quimioterapia, quando dava um tempo nas sessões, eu tentava ir para o mar. O surf é minha paixão e tá dentro de mim, não vivo sem o mar.
 
Qual foi a sua primeira experiência fotografando conflito?

Minha primeira experiência fotografando conflito foi nada menos que na Síria. Eu acompanhei a FSA (Free Syrian Army) por semanas na luta contra as forças do governo do Bashar Al Assad. Isso foi em 2015, uma experiência muito forte, e ali eu me tornei um fotógrafo de zona de conflito, ali eu achei o que realmente queria como fotógrafo. Passei alguns momentos difíceis, tomei um tiro de raspão em Aleppo, aprendi muita coisa nesse meu primeiro trabalho. Foi algo essencial para o meu crescimento e amadurecimento na profissão. Logo depois fui para Faixa de Gaza, onde fiquei por meses e acabei criando um laço muito forte com o lugar e o povo palestino. Eu procuro ir todo ano pra lá, tenho muito carinho pela gente, faço parte de um grupo que administra dois abrigos no bairro de Beit Hanoun com mais de 600 pessoas cada um deles. Gaza é um lugar que tenho uma grande identificação e que fiz muito amigos, um povo extremamente receptivo e carente, um povo que vive sob bloqueio imposto por Israel por terra, ar e mar.

Nota da Redação: Entenda o bloqueio à Faixa de Gaza acessando este link.
 
Como você paga as suas contas?

Quase todos meus trabalhos e viagens que faço são através da Agência de Refugiados da ONU, onde eu trabalho como humanitário e acabo aproveitando para fotografar também. No começo da minha profissão como fotógrafo, eu trabalhei na Children’s Safe Drinking Water (CSDW), uma ONG que leva água limpa para áreas afetadas por problemas sociais. Quando eu queria fazer outro tipo de cobertura, bancava do meu próprio bolso. Eu tenho contato com muitos editores e mando meus trabalhos direto sem intermédio de agência. Fico um pouco chateado porque no Brasil eles não dão muito valor aos fotógrafos brasileiros e apenas publicam material de fotógafos gringos. Quem tem dado bastante apoio ao meu trabalho no Brasil é a Vice Brasil. Atualmente sou fotógrafo independente, já trabalhei com a Nurphoto e Zuma, mas não gosto de trabalhar com agências.

Fernando Costa Netto
Jornalista e fotógrafo, Fernando é idealizador da Mostra SP de Fotografia, maior evento expositivo de fotografia de São Paulo, um dos fundadores da revista Trip e iniciou projetos editoriais como os das revistas Venice (1993), Boom (1994) e 2005 (2005). Foi editor-chefe do extinto jornal Notícias Populares, do Grupo Folha, entre 1997 e 2000, e integrante do coletivo Polaroid SX70.