Espêice Fia

Cruzada potiguar

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Felipe Dantas mata sede de surfar no Dique de Cabedelo (PB) em 1985. Foto: Arquivo pessoal Fábio Gouveia.

Sergio Testinha bota para baixo em Fernando de Noronha na década de 90. Foto: André Berlink.

Testinha em foto recente no Peru: surfista é dono de tradicional bar em Natal. Foto: Arquivo Pessoal.

Felipe Dantas e Fábio Gouveia ao lado do ‘eterno vice-campeão mundial’ Cheyne Horan (fileira do meio). À frente: Rodolfo Lima e o técnico Truta. Foto: Arquivo Fábio Gouveia.

Sergio Testinha e Felipe Dantas, dois ídolos do surf nordestino, fizeram escola em seu estado e região. Quando era moleque escutava muito falar dos dois.

A curiosidade era imensa, até encontrá-los na Baía Formosa, Rio Grande do Norte, pico onde costumava frequentar para aprimorar meu surf. Foi na onda do Pontal que vi pela primeira vez um floater ser executado. Mas não era um floater simples.

Felipe não só usava o lip para passar seções, mas também brincava de segurar sua prancha o máximo que conseguia até muitas vezes depois da “Rosa”, pedra que fica bem no caminho da onda e que muitas vezes, dependendo do horário da maré, só passa pelo lip, caso contrário as quilhas ficam.

 

Conhecido por sua fissura surfística e competitividade, Felipe dava aula ao entrar no mar. Sempre muito elétrico nas batidas, tubos precisos e cutbacks mais que redondos, muitas vezes voltando já entubado quando a onda proporcionava tal momento.

 

Testinha era mestre nos giros e velocidade em uma época na qual o número de manobras e extensão percorrida contava pontos. O bicho ia longe. Em “seus” anos dourados, surfei ao lado de Felipe em um evento nacional na praia de Cabedelo, vizinha de João Pessoa, Paraíba. O Dique foi palco da primeira Copa Arapuã de Surf.

Por não concordar com o tamanho do mar na época, Felipe abandonou a competição para minha decepção, pois queria ver muito meu ídolo surfar mais vezes.

 

Isso foi em setembro de 1985 e logo no começo do ano seguinte, foi a vez de Testinha aparecer na Copa IV Centenário da Paraíba na praia da Baia da Traição, onde muitos outros ídolos da região Nordeste estavam presentes. O potiguar Herts Medeiros e o pernambucano Hilton do Valle também engrandeciam o evento.

Não diferente dos dias de hoje. Na época, grandes eventos e disputas aqueciam o surf na região. Certa vez na praia dos Artistas, no coração aquático salgado da cidade de Natal, presenciei uma final mais do que eletrizante entre Felipe e Testinha.

Na época era comum finais em melhor de três baterias. Torcidas para cada lado e aula e show de surf e competição foram presenciados. Felipe na época estava mais competitivo do que nunca, pois constantemente era visto em viagens e nos diversos eventos espalhados pelo Brasil e alguns no mundo.

Primeira bateria vitória do Testinha, que voava nas marolas e esticava ao máximo toda extensão das ondas. Era impressionante como sua prancha fluía mesmo quando apenas havia espuma. Felipe, sempre radical, usava também todo seu conhecimento competitivo quando, de posse da prioridade, surfou a onda que Testinha havia pegado.

Sendo assim, totalizou-se uma interferência para seu oponente e venceu a segunda disputa. Muitos na praia não gostaram do ato de Felipe, porém este usou a regra mostrando sua competitividade. O terceiro e último tempo foi eletrizante e Testinha parecia indomável.

Ambos surfaram muito, porém Sérgio deve ter ficado entalado com a interferência do segundo confronto e surfou até o talo para sagrar-se campeão. Cresci vendo os dois surfistas, aprendi muito e mais tarde tive oportunidade de conviver com os dois em algumas ocasiões.

 

Fiz uma viagem para o Lightning Bolt de Surf no Guarujá em 87 com Testinha pilotando a maior parte do tempo a Belina 4×4 de Rogério C. Bastos, proprietário da Custom Surfboards e nossa patrocinadora na época. Outro integrante da barca era o alagoano Carlos Pereira, também fera da época e que hoje fabrica pranchas.

Sempre inovador, certa vez Felipe me apresentou a Project, prancha de isopor e resina epóxi de fabricação francesa, mais precisamente da praia de Biarritz, onde em agosto de 89 nos encontramos para etapa do circuito mundial da ASP.

Os anos passam rápido. Vivendo no Sul, há alguns anos encontrei apenas o Testa em Noronha, junto com seu amigo e surfista Sergio Coxinha. E-mails trocados e descobri que seu tino para negócios acaba de converter-se em um bar no bairro da Ribeira, em Natal. O Consulado Bar fica em um casarão da década de 10 e Testinha comanda também um cardápio de petiscos.

Mas, nada como estar nos negócios fora e dentro da água. Entre seus trampos, está uma pousada próxima a São Miguel do Gostoso, onde segundo ele está localizada uma das melhores praias para prática do kitesurf no Brasil.

Mas seu kite recentemente foi trocado por duas pranchas novas do shaper Rogério Bastos e seus planos, claro, de estar dentro d’água mais constantemente. Esse também é um fato que ocorre com Felipe Dantas ao pé da letra, pois independente do que esteja fazendo, está sempre em algum pico de surf.

Hora rodando atrás de ondas no nosso (quero dizer no dele) Brasil Secreto, hora na Indonésia e hora desfrutando da temporada em Noronha, das ondas do seu estado “Natal”.  Para mim, fã dos dois, resta desejar-lhes sucesso e que continuem surfando por muitos anos mais.

“Acunha, macho véio!”

 

Recentemente foi publicado na Rádio Waves um bate-papo com Felipe Dantas. Clique aqui para ouvir. Clique aqui para saber sobre o Consulado Bar, de Sergio Testinha.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.