Volta ao mundo

De Marquesas ao Tahiti

Diogo Guerreiro, Polinésia Francesa

 

Diogo Guerreiro esconde-se do forte sol na Polinésia Francesa. Foto: Arquivo Pessoal.

Este relato compreende uma etapa da volta ao mundo Destino Azul a bordo do Itusca, que partiu de Garopaba (SC) em agosto de 2008, percorreu o Brasil, Caribe, cruzou o canal do Panamá rumo ao Pacífico, visitou o singular arquipélago de Galápagos e partiu na maior travessia oceânica da viagem: 5 mil quilômetros sem ver terra até Marquesas, a porta de entrada para a Polinésia.

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Eu jamais pude esperar um presente melhor de aniversário, melhor até que minha primeira bicicleta aos três anos de idade. No dia 5 de maio de 2009, quando eu completava 28 anos – nossa!!! – finalmente alcançamos o marco mais significativo de nossa viagem: a tão sonhada e desejada Polinésia Francesa.

Itusca solitário na imensidão de Tuamotus. Foto: Arquivo Pessoal.

  

Para fazer esta chegada ainda mais especial, minha esposa Mailyn, a qual eu não via há três meses, estava lá. Quantas vezes já havíamos sonhado com esse momento, e agora percebo que fomos incompetentes ao sonhar, pois o que vimos e sentimos foi mais do que extraordinário.

Emergindo do profundo oceano Pacífico, Hiva’Oa cresce sinuosa e verticalmente furando competentemente as nuvens brancas mais altas, provocando-as a chorar. As chuvas ocasionais proporcionam uma vegetação variada, verde e volumosa que cresce sem barreiras na encosta íngreme e recortada. O fôlego realmente falta às vezes. Tudo é estranhamente intenso.

A população é pequena e quase não há turistas, tornando o local ainda mais interessante. Ficamos felizes pela oportunidade de conhecer a Polinésia ainda tão preservada. O povo possuí características típicas: pele morena amendoada, olhos levemente puxados, cabelos negros e lisos e estrutura corporal forte. As mulheres são frequentemente vistas com adornos de flores nos cabelos e atrás da orelha, enquanto os homens desfilam com suas tatuagens.

Há milhares de anos os polinésios tatuam o corpo para representar simbolicamente a sua forma de ver o mundo que os rodeia. O sol, por exemplo, tem sempre uma fisionomia forte nas tatuagens, afinal situada numa região tropical, ele é impiedoso por aqui.

A emoção que sentimos ao vivenciar Hiva’Oa fez com que quiséssemos registrar eternamente o momento. Assim sendo, nada pereceu fazer mais sentido do que uma tatuagem. Eu fiz uma enorme que envolveu meu peito, ombro e parte das costas. Flavio fez uma que ocupou toda panturrilha. Os desenhos seguem a simbologia polinésia e temos a esperança que sejam mais uma ferramenta para empalhar nossas lembranças daqui.

Deixamos Marquesas e seguimos para outro sub-grupo da polinésia as Tuamotus. Muito diferente das Marquesas as Tuamotus são formados por atóis, que são enormes anéis de corais e uma enorme laguna interna. A água é claríssima e abundam peixes e tubarões. Fizemos mergulhos incríveis, alguns com dezenas de tubarões.

Alguns atóis abrigam mais de mil pessoas, mas na maioria a população é muito menor. Vivem, especialmente nos atóis mais remotos, de subsistência e da produção e exportação de pérolas negras. A técnica centenária japonesa foi implantada com sucesso aqui, tanto pelas qualidades naturais, quanto pela dedicação do povo polinésio.

Estranhamente não existe praticamente nenhuma fruta nas Tuamotus e muito menos verduras. Às vezes nem o barco de suprimentos que visita os atóis menores uma vez por semana traz esses suprimentos vitais.

Estar nas Tuamotus é uma viagem no tempo da Polinésia. Muitos dos costumes que se perderam nas ilhas maiores como o Tahiti, aqui ainda são preservados. Em alguns vilarejos se come cachorro!

O povo é extremamente acolhedor e prestativo e o dinheiro quase não tem muita importância nos atóis mais isolados. Ganhamos muitos peixes e pérolas, sem que aceitassem dinheiro em troca, mas acima de tudo fizemos amizades intensas.

Localizando o Itusca (nome do nosso veleiro) nessas águas paradisíacas, nossos pais se organizaram para nos visitar. Os pais do Flavio vieram nas Tuamotus, os da Mailyn nas Tuamotus e no Tahiti e meus pais no Tahiti e Moorea. Foi muito bom tê-los por perto novamente e aposto que eles não acharam ruim visitar os filhos na Polinésia.

Ainda em Tuamotus, numa manhã sem vento, eu e o Flavio fomos surfar. As ondas não estavam grandes, mas quebravam sobre uma bancada ultra-rasa. Numa queda boba, Flavio mergulhou de costa nos recifes e pude ouvir seu grito sufocado por ajuda.

 

Com muita dificuldade ele saiu do mar. Tinha quebrado algumas costelas e mal conseguia respirar. Foi sorte que o Morongo, nosso patrocinador que além de empresário (fundador da Mormaii) é médico, estava abordo e junto com nosso outro amigo velejador e médico Hugues (este está velejando no seu veleiro Lo) puderam verificar o risco de uma possível hemorragia interna.

 

Como a pressão sanguínea de Flavio permaneceu constante pudemos relaxar. Surf para Flavio, só depois de alguns meses.

Seguimos para as Ilhas da Sociedade que é o principal grupo de ilhas da Polinésia Francesa, onde se encontra o Tahiti, Moorea, Huahine, Raiatea e Bora-Bora.

A primeira e maior ilha é o Tahiti. Dirigimo-nos diretamente para o lugar onde quebram uma das mais poderosas ondas do planeta: Teahupoo! A esquerda, que redefiniu a palavra pesada, faz as pernas amolecerem e os corações dispararem.

Completamente ansioso fui para Teahupoo sozinho num dia ventoso e mexido. Peguei quatro ondas com o coração na boca, mas fiquei completamente viciado. Surfei os melhores e mais intensos tubos da minha vida e olhei com admiração o Morongo, recém feito 60 anos, dropar umas ondas insanas.

Depois de duas semanas de disciplinada frequência em Teahupoo seguimos para Moorea. A ilha de Moorea fica a apenas 15 quilômetros do Tahiti. É uma ilha relativamente pequena (60 quilômetros de circunferência) e montanhosa. Diferente do Tahiti ela é pouco habitada.

Um anel de coral circunda a ilha e é dentro deste anel que ancoramos. A água é muito transparente e num dia saímos para um programa especial.

Começou já cedo na manhã quando uma enorme barracuda se aproximou do Itusca. Demos comida e nadamos com ela. No barco tínhamos a visita dos meus pais e também do Morongo e da Marisa.

Em seguida saímos de botinho para um local onde se encontram muitas arraias e tubarões. Levamos pedaços de peixes e quando o primeiro napo foi mergulhado, mais de uma dúzia de arraias e tubarões surgiram na água transparente.

Mergulhamos no mar e quase fomos engolidos pelas desaforadas arraias que mendigavam por mais comida forçando seu corpo contra o nosso. A sensação é um pouco aflitiva, mas emocionante. Os tubarões mantinham uma distância de mais ou menos dois metros e evitavam se aproximar mais do que isso.

No momento estamos de volta ao Tahiti com problemas em nosso motor. Depois que solucionarmos isso deveremos partir para a pérola do Pacífico: Bora-Bora.

 

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