Torcedor Fanático

Delírio em Pipeline

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Em sonho de colunista, Adriano de Souza conquista título mundial de forma emocionante, nos últimos segundos, em Banzai Pipeline. Foto: Rildo Iaponã.

 

É final do ano de 2011. Estamos em Pipeline, Hawaii, a meca do surf mundial, em uma das bancadas mais temidas do planeta, onde a consagração e o risco andam lado a lado, drop a drop, remada a remada, tubo a tubo.

Quatro surfistas chegaram à última etapa com chances de ser campeões do WT.

 

O decacampeão mundial Kelly Slater tem uma pequena vantagem no ranking, seguido na cola pelos australianos Joel Parkinson e Taj Burrow e o brasileiro Adriano de Souza.

Parko já havia esmerilhado em Haleiwa e Sunset por mais um ano, e estava com a mão mais uma vez na taça da Tríplice Coroa Havaiana.

 

Por mais que Slater estivesse na frente do ranking do WT, Parko e KS estavam empatados nas listas de apostas, depois de um ano fantástico.

Kelly Slater é o adversário final do brazuca. Foto: Rildo Iaponã.

Adriano veio muito bem durante o ano e, se o desfecho do tour fosse no Brasil, na Califórnia ou na Europa, ele seria o favorito. O mesmo se aplica a Taj Burrow. Ambos são especialistas em ondas menores e mais manobráveis.

Porém, bastava qualquer um deles terminar em primeiro no campeonato para tornar-se campeão do circuito. Independente da colocação dos outros, tão pouca a diferença que os separavam.

Com essa perspectiva inédita, o consulado americano bateu recorde de aplicações de vistos de torcedores brasileiros querendo ver de perto a única chance real na história até então, de um brasileiro sagrar-se campeão mundial de surf.

A comunidade brasileira que reside nos EUA lotou os voos para o Hawaii e as areias do North Shore nunca viram tamanha invasão brazuca.

Para evitar as brigas, a família Gracie, muito bem vista e respeitada pelos locais havaianos, foi chamada para amenizar os ânimos. A galera brasileira das antigas também estava toda a postos para acompanhar o evento, já que só a possibilidade de Adriano ser campeão mundial, em plena Pipeline, era algo histórico.

Somente os brasileiros realmente acreditavam nesse feito, ainda mais que, nas quartas-de-final, os quatro concorrentes ao título ainda estavam em pé nas chaves, mas ainda sem nenhum cruzar com o outro.

Eis que na primeira bateria das quartas, Adriano de Souza encara o local truculento e convidado Sunny Garcia. Backdoor estava com 2,5 metros alucinantes e o havaiano insistia em tomar o pico, mesmo com o brasileiro tendo a prioridade.

A transmissão ao vivo do canal Woohoo para todo o Brasil, com a locução do legend Ricardo Bocão, ainda conseguia decifrar a leitura labial de Sunny, dizendo ao brasileiro que se ele remasse em qualquer onda da série, nunca mais pisaria no North Shore.

Adriano não se intimidou e começou a botar pra baixo e pra dentro em canudos impossíveis, saindo depois da baforada e levantando as areias de Pipe. Vitória do brasileiro.

Ao sair da água, Sunny vai pra cima de Mineiro, só que Neco Padaratz, que assistia tudo bem de perto, comprou a briga e botou o havaiano para dormir na frente de milhões de espectadores. Sunny levou uma multa da ASP de US$ 120 mil e foi banido das competições da entidade. Neco teve que dormir uma noite no xadrez e pagar fiança de US$ 2 mil (alguém acha que ele se importou?).

Nas outras baterias das quartas, só quem perdeu e tinha chance de título foi Taj Burrow. O aussie encarou o outro convidado Bruce Irons, que, com uma nota 10 e um 9.03, mandou Taj de volta para os animados pubs de Western Australia.

Parko passou por Alejo, que vinha muito bem durante todo o evento, mas quebrou sua prancha ao tentar um Kerrupt Flip saindo do tubo, logo na primeira onda da bateria.

Slater não teve vida fácil contra Jadson André, pois na hora da bateria as esquerdas predominavam e Jadson pegou três canudaços pra esquerda, literalmente em pé, dentro do salão. Mas, como o “Rei Careca sem Juba” só desiste quando a sirene toca, quando faltavam três minutos, Slater, já sem muita perspectiva na bateria, força a remada em uma onda e obriga Jadson a precipitar-se e cometer interferência. O público nas areias não entendeu nada, mas os juízes deram a vitória para o malandro careca.

Na primeira semi, Adriano, que vinha desacreditado pela imprensa internacional e pelas bolsas de apostas, arrepiou diante de Parko, que entrou de salto tão alto na bateria, que duvidava que Adriano pudesse levar a bateria em Pipe 3 a 3,5 metros. Ficou pianinho, saiu da água e foi direto pro Twitter exclamar para seus baba-ovos: “Fuck brazilians!”.

Bruce Irons chegou atrasado na semi contra Slater, pois tinha ficado na Volcom House tomando uma cerveja e degustando um barbecue com o pessoal do Kauai. Resultado: só tentou dar aéreo, enquanto Slater repetiu o que fez em Padang e trocou de base entre a cavada e o tubo, tornando-se assim o mais do que favorito ao caneco do evento e também do tour desse ano.

Praia lotadaça! Sol e calor! A polícia tinha trabalho pra tirar os brasileiros de cima dos coqueiros, a batucada liderada por Jihad Khodr e Renato Galvão ensurdecia os gringos, que não acreditavam no que estava acontecendo.

Aos gritinhos de “U-S-A, U-S-A, U-S-A!”, uma legião de loirinhas ainda tentou alguma coisa, mas no ritmo do surdão empunhado por Willian Cardoso, que acabara de garantir sua vaga no WT 2012. As bombas de Oeste (que a essa altura já tinham 4 metros vindos de Banzai), eram abafadas pelo coro de “Bra-sil, tum tum tum, Bra-sil, tum tum tum!”.

A bateria começa e mais uma vez a alta tecnologia do Woohoo deixa Bocão ler os lábios de Slater dizendo para Adriano: “Você já aprontou comigo algumas vezes, mas aqui em Pipe quem manda sou eu. USA rules”.

Logo Slater dropa uma pirambeira do terceiro reef e, no meio da onda, onde todos achavam que ele iria para Pipe, ele vira a prancha e vai para Backdoor. Insano, impossível, bizarro. Mas Slater tira um 10 logo de cara, deixando as esperanças da torcida brasileira bem pequena.

Meio perdido e atônito, Mineiro lembra de algumas frases de seu técnico Pinga e começa a reagir mentalmente e se atira numa canhota quadrada, cava, estola, sem mão na borda e em pé tira um canudo grotesco, sendo cuspido como uma bala no canal para receber 9,83 e ser ovacionado pela galera.

Slater, que não é bobo nem nada, começa a marcar insistentemente o brasileiro, enquanto espera pela boa e cravar sua segunda grande média.

Dito e feito: Slater dropa como uma aranha, agarrado na parede do cilindro verde de Pipe, atrasando com seu traseiro bem em cima da bolha, desaparece por três segundos e, quando todos apostavam que ele já era, lá sai o careca como um homem bala sem capacete: 9,75. E agora, Mineiro? Como reverter um somatório de 19.75?

Eis que, já na base do desespero, sem esperanças, com um minuto e meio para o término da bateria, Adriano tem um flashback de uma história real de Fábio Gouveia, que começou a remar em volta de Martin Potter como um maluco em Biarritz (França) e o inglês ficou tão confuso, que Fabinho conseguiu pegar uma ótima onda e virar o resultado nos instantes finais.

E Mineiro pensou: “Vou dar uma de locão também, é só o que me resta. Se o mestre fez, farei o mesmo”. E Mineiro começa a remar pra cima do Careca e a fazer círculos ao seu redor. Nas areias de Pipe, assistiam à bateria lado a lado Pottz e Gouveia.

 

 

Um olhou pra cara do outro e caiu na risada. No mesmo instante, vem uma onda apontando para Backdoor. Adriano dropa por trás do pico, só que para a esquerda que estava na cara que iria fechar, e bum! A onda se fecha rapidamente num tubo oco e rápido.

 

Duas placas guilhotinam a bancada impiedosamente, vem a baforada e um, dois, três, quatro segundos depois, sai Adriano de braços erguidos, esmurrando o ar com seu gesto característico, e a praia vai à loucura! Nota 10!

Pode não ser assim, mas o Torcedor Fanático está em pé, na arquibancada, acreditando que essa maré está a nosso favor. Alguém duvida?