Desabafo de um brazuca do North Shore

Vans Hawaiian Pro 2003

Neco Padaratz, campeão mundial do WQS. Foto: Carol Cunningham / Vans Triple Crown.
Muito orgulho. É o que sinto, não só  por ser brasileiro, mas por ver, apesar de tudo, o Brasil produzir seres humanos dignos de admiração.

 

Ontem, tive a sorte e o privilégio de ver as finais do WQS, não na arquibancada como torcedor, mas de dentro do campo, como parte de um time. Presenciei cenas que se uma parte de “torcedores surfistas” do Brasil tivesse a oportunidade de ver, talvez parassem com essa cobrança absurda por resultados e atitudes.

 

Pois bem, Neco Padaratz é campeão do mundo do WQS. Segundona para alguns! Pobres coitados.

 

A alegria dos brasileiros incomodou alguns em Haleiwa. Foto: Carol Cunningham / Vans Triple Crown.
Estrelas como Kelly Slater e Andy Irons disputando e querendo a vitória a todo custo, e uma pressão absurda em cima de Neco. Veja bem, não foi só o titulo que ele venceu. Ele amadureceu muito com este título, em um ano em que alguns o apedrejaram pela atitude de não ir ao Tahiti.

 

Houve alguns resultados ruins, perda de patrocínio, aí, o cara vai lá e vence! Sozinho!

 

Como sabemos, o surf é um esporte em que você não tem técnico – pelo menos os brasileiros. O cara viaja só, convive com discriminação o tempo todo, mas… peraí aí.

 

Isso era o que eu achava. Mas, o que vi foi uma união fora do normal. Foi uma oportunidade única ver o Peterson Rosa ao meu lado, nervoso por uma nota ou troca de nota do Neco.

 

O Herdy tava tenso também. Renan Rocha dava muito apoio a todos que entravam no mar. Parecia um verdadeiro time. Nunca achei que fosse assim o comportamento da galera brazuca.

 

Conversei muito com eles e vi o quanto é difícil viajar para eles, e muitas vezes não terem o reconhecimento da mídia e do público do Brasil.

 

Por exemplo, na semana passada um americano foi campeão mundial de pocker. Foi uma festa aqui! TV, revista, cacete de pocker.

 

Outro dia, li um comentário sobre o Gustavo Kuerten, e reclamavam que este ano ele só um campeonato. As pessoas às vezes falam e escrevem sem analisar, sem perceber quanto estão sendo injustas.

 

Somos um país de terceiro mundo? Financeiramente, sim. Mas temos talentos de primeiro mundo, disso não há dúvida. Não preciso entrar em detalhes para explicar toda estrutura que um atleta americano recebe desde a categoria de base. A diferença entre Brasil e USA e somente uma: grana.

 

Se tivéssemos metade do investimento, teríamos vitórias e mais vitórias.

 

Somos campeões do WQS, mas estamos fora da briga pelos títulos mais importantes do WCT. Tudo bem, mas tudo bem, temos campeões  mundias de bodyboard femino, brigamos diretamante pelo título do bodyboard masculino, tanto na primeira divisão (Super Tour), como da segunda (GQT).

 

Também estamos na disputa do mundial de tow-in. Quer dizer, pela estatística, entre sete títulos, considerando também a disputa feminina do WCT, estamos na briga de pelo menos cinco, e já vencemos um, quer mais?

 

Claro, o povo do Brasil sempre quer mais, mas esquece de pensar que para conseguir vitórias os atletas precisam receber investimento. O cara precisa entrar na água e não pensar no aluguel no fim do mês.

 

Não falo isso sem saber. Fui à fonte e perguntei. A vida dos caras não é fácil. Sei que as empresas fazem o que podem, afinal, dólar é dólar.

 

Não é pouca a pressão sofrida pelos brazucas no Tour. Ontem, em Haleiwa havia uma barraca montada por Marcio Paraíba, que ficou sendo o centro nervoso do esquadrão brazuca.

 

Um pouco antes da bateria final, “pediram” para que a barraca fosse desmontada. Pois a comunidade não estava muito feliz com a alegria brasileira. Inclusive, pediram gentilmente que fosse recolhida bandeira do Brasil, para evitar “problemas”. É  mole?

 

É isso, galera. Escrevo mais pelo desabafo, depois de acompanhar durante um ano, críticas a este espetacular atleta chamado Neco Padaratz, de quem tive a honra de acompanhar a tensão, adrenalina e a alegria de superar um ano como esse, e ter saído da praia de um país de primeiro mundo, com um campeonato bancado por empresas que desprezam nossos atletas, organizado por americanos e sair CAMPEÃO.

 

É muito bom ver que o talento não tem preço e é capaz de superar atletas de estrutura privilegiada e com dinheiro no bolso.

 

Parabéns não  só ao Neco, mas ao time todo que viaja, se ajuda, divide despesas, passa roubada, cai, levanta e continua, time de um povo guerreiro do qual temos orgulho de fazer parte. Viva o Brasil!

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