Espêice Fia

Desafio no Farol

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O “Desafio Mormaii de Ondas Grandes Na Remada” usou o prazo na janela de espera (3 de julho a 31 de outubro) e foi promovido na quarta-feira da última semana (1/9). Foi o segundo swell com bom tamanho em um mês e, ao contrário da semana retrasada, quando os organizadores haviam sinalizado amarelo seguido do vermelho, dessa vez veio o sinal verde. Correria intensa dos 35 atletas convidados para que todos chegassem ao Farol de Santa Marta em dois dias.

Muitos da lista conseguiram chegar a tempo, outros tantos não e as vagas foram preenchidas por alguns alternates. Das correrias, destaque para Lapo Coutinho, que chegou às duas da manhã e, depois de não encontrar o local em que iria se hospedar aberto, arranjou-se com uma rede e, entre um balanço e outro, o baiano dormiu poucas horas. Já Alemão de Maresias saiu de um evento cultural em São Paulo dirigindo ininterruptamente e chegou ao amanhecer.

O swell marcando 3,3 metros com 13 segundos já era o suficiente para concretizar o evento. O forte movimento de gunzeiras na noite anterior, depois do meenting de abertura no Cardoso Surf Camping, já denunciava a vibração da prova que teria o ápice do swell no meio do dia.
 
Dois capítulos à parte: lista de convidados e tamanho das pranchas usadas.

Não conheço uma lista justa e que deixem todos satisfeitos. Coitados dos que são encarregados de fazê-las. Com número reduzido, tendo em vista o formato do evento (um dia para realização), muitos big riders ficaram de fora.  Desconheço (nunca vi, mas isto não quer dizer que não role ou possa rolar) ondas maiores que 15 pés no Brasil, embora algumas praias tenham potencial para tal, como também maiores. A própria praia do Cardoso é exemplo disso.

O fato é que todo tipo de gunzeira apareceu para o “Cardosão”. Aliás, algumas gunzeiras sobravam em tamanho, o que gerou um certo corre-corre e preocupação daqueles que previam que no máximo uma 8 pés daria conta do recado. E dava, mas o fato é que a turma na região sul do estado de Santa Catarina vem cada vez mais incorporando esse lance do big surf na remada e muitas gunzeiras de porte havaiano são vistas constantementes no local. Mas não são apenas gunzeiras simples, são gunzeiras baseadas nas pranchas que a turma surfa em Jaws, Mavericks ou em qualquer outro local de ondas “abissais”. São “barcos” na casa das 23 polegadas de meio com 3 a 4 polegadas de flutuação e laminações que deixam a prancha mais parecida com a mais sólida madeira disponível no mercado, de tão dura que são. E o tamanho, sim, entre 9 e 11 pés de comprimento.

E falou em campeonato de onda grande, talvez alguns da turma não tenham levando tanto a sério o tamanho das pranchas. Quando a primeira bateria foi ao mar, já vinha nego dropando suave, mas em sequência tendo bastante trabalho pra virar as “geringonças”. Tamanho de onda, parte crítica e comprometimentos eram a chave para os atletas conseguirem boas notas. Lá pelas tantas, o primeiro dez, um tubo espaçoso de Lucas Chianca, o recém-famoso da última temporada havaiana ”Chumbinho”. Até então era pouco esperado um momento como aquele, pois a onda do Cardoso é mais uma onda volumosa do que tubular. Muitos drops atrasados foram completados e outros mal sucedidos. No geral, a turma com as pranchas maiores estava posicionada mais ao outside e quase sempre vinha nas maiores. Arrisco a dizer que a ondulação presente era de 6 a 10 pés com séries maiores.

Com esta variação, o posicionamento no line up ficava mais difícil, pois ficando mais ao inside, com uma prancha menor, por exemplo, a turma podia ser surpreendida com uma “varredoura” a qualquer momento. Inclusive vi isso algumas vezes, tanto em minhas baterias como em outras. Com transmissão pela internet, o público pôde acompanhar de casa, mas muita gente apareceu no Cardoso pra prestigiar o evento. Parecia fim de semana – trânsito e poeira subindo na estrada de chão batido entre o mar e as dunas.

Do outside, tínhamos uma ampla visão da movimentação na beira da praia e estava bonito de ver, inclusive jovens alunos foram liberados de algumas aulas para assistir ao evento, como também pra pedir autógrafos, tirar fotos ou até mesmo pra bater uns papos. Havia bastante gente, incluindo muitos pescadores que, em geral, segundo um surfista local, não costumavam acompanhar eventos de surfe. Mas o espetáculo estava bonito e aqueles que ficavam na parte alta da praia tinham uma visão bem ampla, tipo arquibancada de estádio de futebol.

Aliás, para fotógrafos e videomakers a praia do Cardoso é um prato cheio para diferentes ângulos de captação. Quem usou a criatividade colheu um ótimo material e vimos muitas fotos bonitas. Inclusive fotos de drops e bottom turns que lembraram algumas ondas em Sunset Beach, no Hawaii. Voltando um pouco à questão das imagens na internet, convém dizer que tira-se o impacto talvez uns 10 a 20% do que realmente rolava no outside. O fato das pranchas enormes era indiscutível, pois, se por exemplo, fosse aquele um evento do QS, com certeza a turma estaria usando pranchas na casa de 6’8”, no máximo, estourando, uma 7’0”.  Claro que as muitas daquelas maiores ondas que vimos não seriam dropadas, mas com certeza veríamos um surf totalmente diferente e de alta performance. Mas é só uma comparação, pois o “Desafio” no Cardoso tratou-se de um evento com formato diferente, onde as ondas estiveram grandes, mas poderiam estar bem maiores, pois, segundo os locais e outros surfistas frequentadores da praia, no Cardoso bombam ondas com quase o dobro do que vimos.

Quem sabe no ano que vem a turma espera por um mar ainda maior? Uma coisa que poderia rolar também é um tamanho mínimo para as pranchas, de 8 ou 9 pés de comprimento pra cima, dessa forma a turma ficaria mais conectada com o tamanho das gunzeiras. Mas isso é só um pensamento proveniente da indecisão que vi alguns competidores passar, entre os quais também me incluo, pois levei um quiver recheado. A maior prancha era a 10’4” que competi e a menor uma 6’8” com bastante área e que também permitia uma remada. Sim, mais uma observação. Da mesma forma que muitos praticantes de tow in precisam treinar mesmo em condições não propícias, em condições pífias, para poderem manter a sintonia entre duplas e os músculos que são trabalhados em ação, os surfistas de ondas grandes também precisam estar praticando com “seus barcos”, pois, quando seguem pra uma competição de ondas grandes ou uma trip para ondas de consequência, precisam estar com as gunzeiras no pé.

Passada a primeira fase de 5 surfistas por bateria, passando dois, a segunda fase de 6 surfistas passando 3 era mais justa. Vi ondas lindas serem surfadas e mesmo algumas manobras parecerem lentas, sabemos que o grau de dificuldade ali era tremendo, pois não é fácil movimentar uma gunzeira acima de 9 pés. Não lembro que tamanho de prancha usou Raphael Becker, mas foi destaque imprimindo uma batida em uma junção de consequências. O surfista mais assediado, o renomado Carlos Burle, mesmo não passando pra final, fez uma onda grande bem trabalhada. Depois de uma rasgada suave, subiu e desceu antes da junção fazendo uma bela curva. Aliás, tive dificuldades para acompanhar as baterias, pois estava tentando filmar e fazer algumas fotos, mas a todo momento chegava algum amigo ou espectador pra bater papo, tirar foto. Enfim, todos estavam amarradões com aquele dia inusitado e queriam aproveitar a presença da turma ali presente.

Caio Vaz também foi bastante assediado, mas, no geral, bastava aparecer com um pranchão e a lycra de competição que a turma chegava junto. E por falar em lycras, elas eram passadas aos competidores por “Portátil”, nosso beach marshall. Figura ilustre de Floripa e que desde sempre esteve presente nos eventos. A vibe da competição era bem diferente dos eventos de pranchinha, o que achei muito legal. Rola ali uma camaradagem paralela às disputas. Era nego usando prancha de outro, vibrando com onda do adversário e também batendo vários papos no outside. Foi assim nos minutos finais da grande decisão, quando a turma esperava pela última série, mas, com o resultado quase que definido. Lapo Coutinho liderava com duas notas altas e Alemão de Maresias era o segundo. Aliás, como havia comentado, dois dos caras que tinham ralado pra atender ao chamado do evento.

Não deu pra perceber muito o desenrolar da bateria, só sabia que Lapinho estava liderando e inclusive havia visto um belo drop dele em uma direita. Chumbinho havia voltado umas duas vezes ao outside reclamando que estava se dando mal, tendo inclusive quebrado sua prancha. E ele, que havia tirado um dez anteriormente, finalizava ali com a sexta posição. Raphael Becker, depois de passar por uma fase difícil de saúde, terminou em quinto e estava muito agradecido e ressaltando aquele momento de alegria de voltar a uma competição, principalmente daquele gênero.

Caio Vaz surfou bonito durante todo o evento com uma prancha menor, não sei se era uma 9 pés ou abaixo disto, mas manobrava com muita facilidade que lhe era peculiar pelo fato de ser uma atleta de Stand Up Paddle. Inclusive Caio pegou também um belo tubo que rendeu muitos comentários. O carioca finalizou em terceiro e eu, com minha gunzeira, arrumei a quarta colocação com um drop muito intenso e divertido. Aliás, talvez nunca tenha me divertido tanto em uma competição. Surfei com meu “barco”, uma coisa que adoro e que acaba ficando restrito às temporadas havaianas de fim de ano. Pra mim foi tudo lucro. Ter ficado em quarto foi como se tivesse vencido, e principalmente por ter visto meu drop estampado na capa do Diário Catarinense no dia seguinte, me dando um belo retorno. E retorno tiveram os patrocinadores, apoiadores e organizadores do evento, pois foi um sucesso.

Thiago Jacaré, João Baiuka, Reinaldo Jaeger e Anjinho, entre outros, estavam muito cansados evidentemente, porém muito amarradões e com a sensação de dever cumprido. Aliás, como não poderia deixar de mencionar, os dois primeiros citados organizaram, participaram do evento e também fizeram a assessoria de água com o resgate e o translado de volta ao outside para os surfistas. Foi o caso também de Luis Casa Grande, o “Sapão”, entre outros. 

Ao fim daquele dia frenético, um pôr do sol épico visualizado por todos no deck da Pousada Baiuka. Entre muitas conversas, sonzinho rolando e várias geladas foi a vez de apresentarem os finalistas. De quebra, além de vencer o evento, o promissor Lapinho venceu o prêmio também de maior onda surfada, recebendo como premiação uma passagem para o Peru, além de ser presenteado posteriormente por Pepêu, um dos competidores, com a rede que embalou sua soneca na madrugada daquele dia. Que evento maneiro! Parabenizo aqui o empenho dos citados e das muitas outras pessoas que contribuíram para a sua realização. Eu, como todos os outros competidores, tive a honra e o prazer de participar deste evento que vai ficar na história e renderá muitos frutos ao big surf brasileiro.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.