Leitura de Onda

Deu no New York Times

Heitor Alves, Quiksilver Pro 2011, Long Beach, New York (EUA)

 

Heitor Alves numa bela onda de Long Beach. Swell surpreende quem esperava um fiasco. Foto: © ASP / Rowland.

Nova York fazia os ajustes finais ao maior tributo às vítimas do terror da história quando Owen Wright e Kelly Slater entraram na água para decidir quem ficaria com os inéditos US$ 300 mil do vencedor. Uma grana legal, embora ainda passe longe do US Open de Tênis, que pagará seis vezes mais a Nadal ou Djokovic, nesta segunda-feira, num estádio ali perto de Long Beach.

 

Bobby Martinez não acredita, mas o surf realmente não tem qualquer relação com o tênis.

 

As finais de NY foram uma mostra clara disso. A começar pelo público: ninguém pagou ingressos que no Estádio Arthur Ashe chegam a exatos US$ 1.015. Ainda, assim, todos em Long Beach assistiram a um genuíno espetáculo, cheio de variantes, com atletas decididos a buscar novos limites técnicos para o mais belo dos esportes.

 

Owen Wright supera Kelly Slater com um surf avassalador. Foto: © ASP / Kirstin.

E, a despeito das desconfianças em torno das ondas nova-iorquinas, o swell encaixou direito no fundo de areia e as ondas se transformaram numa rampa de lançamento para os surfistas mais inventivos e modernos do mundo. Avançou quem teve coragem para arriscar.

 

Kelly fez uma das apresentações mais surpreendentes do ano. A disputa contra Taj Burrow desde já entra para a seleta lista de baterias históricas. O americano precisava de uma nota superior a 9 a instantes do fim. Teria que provocar, surpreender, convencer os juízes a eliminar o australiano, dono do surf mais limpo da prova até ali.

 

A onda era uma direita de uma manobra só. Kelly subiu a rampa e saltou alto para executar o maior aéreo de sua carreira em baterias do WT já visto até hoje. A plateia vibrou

Kelly Slater sobrevoa a área de competição. Foto: © ASP / Rowland.

não como se estivesse numa partida de tênis, mas sim numa peleja de futebol.

 

Gol de placa, nota 10. Taj amargou mais uma vez o destino de ser eliminado por um surfista que, a despeito de seus 39 anos, ainda insiste em elevar o limite do esporte.

 

Mas Owen tem o tempo a seu lado. Chegou às finais de Teahupoo e Nova York com um repertório natural para um jovem de 21 anos, contra um surfista que estica o elástico de sua longevidade. Na onda, a sensação é a de que ele está confortável no papel de surfista de alta performance, de desafiante do melhor surfista de sua era.

 

O australiano tem uma compleição física diferente. Parece um faquir, com seus 1,90 metro e 78 quilos. Transforma suas pernas longas em molas de lançamento para aéreos, consegue distribuir o equilíbrio e o peso em cima de uma 6´2´´ fina. A prancha é grande para o padrão do surfista brasileiro, mas menor que Owen.

 

Depois de perder para o americano no Tahiti, Owen decidiu fazer valer seu potencial de gigante. Isolou-se do oba-oba antes da final, não deu margem ao conhecido jogo psicológico do americano e abriu a bateria de forma avassaladora, como tantas vezes fez seu adversário. Cravou, em sequência, um 7, um 9,23 e um 8, antes que Kelly esboçasse qualquer movimento.

 

Ganhou com a estratégia que o americano sempre usou para oprimir os outros: atropelar, não dar chance a pensar em reação. Kelly ainda esboçou uma virada e saiu da combinação, mas não conseguiu, como tantas vezes, surpreender nos instantes finais.

 

A batalha de Nova York, encerrada no dia 9 de setembro, é carregada de significados. Ajuda a consolidar um novo cenário no esporte, do qual deve se beneficiar a nova geração de brasileiros. A ASP reposicionou o WT de modo a tentar viabilizar a combinação de eventos em ondas perfeitas com eventos de público em que a atração será a manobra futurista, o surfista sem medo de cair da prancha. A medida é controversa, mas, em NY, deu certo.

 

O evento foi parar no jornal mais importante do mundo, o New York Times: a matéria foi publicada na edição impressa do dia 10, assinada pelo repórter Max Klinger, sob o título “Pegando onda e algum dinheiro em Long Island”.

 

Entre os surfistas, há outros símbolos. Nova York marcou a transição dos goofies. Na etapa em que dois dos maiores surfistas com base no pé esquerdo da história – os americanos Bobby Martinez e o bom Clifton James Hobgood, o CJ – deixaram o WT, o garoto Owen toma para si o posto de líder dos gauches e vence o chefe supremo dos regulares.

 

Dez anos atrás, no ano em que o terror paralisou o mundo a poucos quilômetros de Long Beach, o mesmo CJ levantava o troféu de campeão mundial. Não venceu qualquer etapa em 2001, mas provou, na última década, com excelentes performances em picos como Teahupoo, que o título da temporada interrompida pelo medo ficou em boas mãos. 

 

A competição agora também ganha um novo desenho. Com o corte do meio do ano definido, o WT segue para Trestles (onda dominada por Kelly, mas que também favorece a nova geração) com o campeonato totalmente aberto e algumas novas pimentas para temperar o caldo das disputas – em outras palavras, os brasileiros Gabriel Medina e Miguel Pupo.

 

O Brasil, aliás, mostrou em NY por que está na elite. Quando restavam apenas oito surfistas no evento, três eram brasileiros. Dois deles, Jadson André e Heitor Alves, ficaram nas quartas-de-final.

 

Alejo Muniz mais uma vez mostrou bela combinação de técnica e competitividade para alcançar seu primeiro pódio do ano. Parou apenas diante do faquir australiano. Com os resultados de NY, o bom ano foi consolidado: nenhum brasileiro saiu do tour no corte de NY.

 

Nem a ASP esperava por essa.

 

A disputa pelo título, embora ainda esteja ao alcance de outros, parece estar polarizada entre a dupla finalista de NY e Tahiti. Owen está emocionalmente forte. Kelly quer, mais uma vez, provar que pode manter a coroa diante dos ataques cada vez mais agressivos da nova geração.

 

E, no meio do caminho deles, há uma pá de moleques franco-atiradores, dispostos a tudo para escalar ao topo através das costas pesadas das atuais estrelas do tour.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

 

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