Poucos percebem do que temos em nossas mãos. Os dias se tornam cúpulas de diversão e prazer em um mundo de puro caos.
O dia começa cedo, mais ou menos umas 5:15 horas da manhã. Os barulhos que normalmente incomodam nossa mente, não existem.
O silêncio se torna o melhor amigo naquelas manhãs escuras de fevereiro. O calor que incomoda durante a noite, se torna companheiro ao se caminhar calmamente pelas ruas em direção à praia.
A prancha que coloca embaixo do braço espanta alguns e maravilha outros, tirando a viseira com que fomos criados e com o objetivo máximo de abrir os horizontes e planar em ondas mais reais do que nossa imaginação pode trazer.
Não importa quantas quilhas usemos. Passando por alguns notívagos, ou trabalhadores madrugadores, tenho a impressão de que me olham com uma certa inveja e admiração. Só de bermuda e prancha. Sem cordinha, sem roupa borracha.
Ao passar pelas ruas vazias, me pego pensando em milhões de coisas ao mesmo tempo e tento me acalmar, pois toda aquelas preocupações não me agradam. Cada passo se torna ansiedade, pois, segundo as previsões, tem onda.
Passo pelas últimas quadras de prédios e me apercebo com a mente tranqüila, e todos os problemas vão ser resolvidos depois.
O céu dá o primeiro sinal de que irá acender de vez, e me apresso mais um pouco para chegar antes que a luz tome conta dos meus olhos.
Corro pelo jardim, e não me suporta a vontade de pisar na grama. Perdoem-me, mas toda vez que piso na grama me sinto criança novamente. Sinto-me um garoto correndo pelos gramados em que sonhamos que antecedem as maravilhosas ondas que a vida nos traz.
Toco meus pés na areia e já corro ao invés de andar, pois a ansiedade toma conta novamente da minha mente e não consigo controlar os pensamentos que agora duplicam ao ver as ondas quebrarem.
Só paro de correr quando chego na água. Ando calmamente até quando começo a remar e os músculos do rosto já endurecem na posição de sorriso. Muito sorriso, pois novamente os pensamentos se filtram e ficam só os movimentos imaginários que pretendo fazer sobre as ondas. Passo as ondas tranqüilamente e chego ao fundo.
Olho à minha volta e não vejo ninguém, nem mesmo um ser humano. Apenas eu. Espero com calma, pois Duke Kahanamoku tem uma frase que diz que devemos esperá-las. Elas sempre vêm, é só esperarmos.
A luz já se torna uma realidade inevitável e remo em minha primeira onda. O resto é história. As ondas que pegamos, todos os dias, no trabalho, na escola, em casa. Todas estas ondas ficam gravadas em nossas mentes para sempre.
Essas manhãs eternas, que às vezes compartilho com amigos, se fundem em minha memória.
Como que marco com ferro de ferreiro em meu coração. Sorrisos solitários. Frases de solitude ao vento.
Os dias parecem infinitos e, ao voltarmos à realidade da vida, vemos o quão importante são. Nos alimentam até a próxima.
Gerry Lopez certa vez disse que sua última sessão de surf o alimenta até a próxima. Então, qual o alimento que levamos até a próxima? Raiva e estresse, ou amor e deslize.
O surf que fazemos nos traz o quê? Raiva ou amor. Nos libera o quê? Estresse ou paz. O que sinto naqueles dias de solitude me alimenta até o próximo dia de solitude, onde tudo que vivemos se resume àqueles momentos.
Surf é amor, não raiva. É paz, não estresse. Surf é amor.