Por mais que tenha saudade de casa, partir do Hawaii é difícil. Principalmente quando a temporada está ótima e os dias no North Shore voam.
Em 25 dias, foram três ondulações sólidas. Se brincar, a prancha que mais usei foi a minha 9’6” em Sunset Beach. É claro que em alguns momentos não precisava tanto, mas com o “barco” você fica confortável, mais confiante e pega bem mais ondas. Sem contar que as oportunidades precisam ser aproveitadas, pois de prancha pequena surfo é no Brasil, e todo dia. Salve-se vez ou outra, ou quando forçamos a barra pra pegar com uma prancha maior.
Bom, a notícia triste, como muitos já sabem, foi o falecimento de Brock Little, o eterno big rider e um dos precursores do ataque aos tubos em ondas gigantes que vemos nos dias de hoje. Em uma expression session em dia marcado para o Eddie Aikau no início da década de 90, Brock botou pra dentro de um tubo que cabia um caminhão e o momento foi eternizado na baía de Waimea.
Durante anos admirei a prancha usada por Brock nessa session, pois ela ficava exposta no teto da loja Surf & Sea, em Haleiwa. O preço da relíquia para colecionadores era de US$ 10 mil. Isso, dez mil dólares.
Por acaso, no dia anterior à minha partida e ao passar pela loja, onde também deixo algumas pranchas em consignação para venda, lá estava a prancha de Brock em cima de um cavalete. Naquele momento fiquei sabendo com tristeza de seu falecimento e registrei a foto da prancha. Mais tarde, soube que ela fora doada à sua família, e seu irmão Clark Little recebeu com emoção.
Depois de quatro dias de molho – devido à session em que me machuquei em Waimea -, o swell do começo da última semana também foi ótimo. Altas ondas em mais um belo Pipe. Destaque ali para o eterno Pipe Master Derek Ho e seu sobrinho Mason Ho, que, desta vez, havia trocado a sua 7’6” das baterias por uma 5’6”. Enigmático o cara, ou não? Pegou um tubão que foi sair quase em Ehukai.
Vi uma boa esquerda de Gordo Cesarano e também de Hizunomê Bettero.
Os havaianos pegaram altas! O difícil é lembrar dos nomes, mas Kalani Chapman pegou as boas.
Peguei uma fechadeira para o Backdoor, mas valeu o visual do tubo esverdeado. Em outra, despenquei no “late take off” pra Pipe e, quando achava que rolaria aquele tubão, veio o back wash e tomei foi uma lapada. Valeu o caldo e a série na cabeça pra poder perder mais um pouco o medo. Na saideira, tive que gritar pra um body boarder não entrar, mas o bicho fez uma espuminha e a onda fechou em minha frente. Resultado: duas horas de surfe e uma saideira retoside. Mas valeu a tentativa, pois são nesses momentos que às vezes sobra uma boa.
Depois da chuveirada, a contemplação do pôr do sol foi mágica. Um dia de Pipe e um dia de Sunset, é assim que vou mesclando o trabalho e diversão. Altas durante o feriado de “Valentines Day” em meio à turma que treinava para o evento de Stand Up Paddle. Confirmou-se o que eu vinha vendo: Caio Vaz arrebentando e sagrando-se campeão.
Em um dia de vento muito forte depois da competição, surfar em Sunset mostrou-se exótico, pois as rajadas faziam a prancha flutuar na hora do drop, levando o surfista a uma sensação de estar surfando de foil board. Nunca surfei nessa modalidade, mas me bateu este sentimento e foi muitíssimo divertido. Estava perigoso, mas foi prazeroso.
Em fevereiro, apesar de ainda rolar eventos de surfe, SUP e bodyboard, tem menos gente, o crowd é menor em muitos picos. Mas brasileiro gosta do Hawaii e sempre tem uma turma boa, tanto de residentes como os que vêm apenas pra temporada. Jantares nas casas de uns e outros nos fazem botar os papos em dia e as risadas são muitas.
Já havia relatado na coluna anterior sobre as pranchas de Biro, mas outros shapers brasileiros estão chamando atenção nas ilhas. Paulo Mendonça, o Paulão, é um deles. Suas gunzeiras estão no naipe certo, cada foguete da bexiga. O encontrei na Fiber Glass Hawaii de Wahiwa, loja onde compramos equipamentos e acessórios para a fabricação das pranchas. Não perdi a oportunidade de elogiá-lo.
Como disse, alguns são residentes, outros vêm atrás do trabalho e aprendizado. Isso é válido para os shapers Ary “Feijão” Ciampolini e Havenga (ambos também ótimos laminadores). Havenga tem feito pranchas lindas no Brasil, e depois dos cinco meses que irá passar na ilha, com certeza vai voltar ainda mais calejado.
Em alguns pontos do North Shore ainda respiramos o astral de fazendas, mas, apesar das construções surgirem em banho maria em comparação a outros lugares, o trânsito vem aumentando na única rodovia de ligação. Em horário de pico, perde-se muito tempo trafegando na Kamehameha Highway.
Nos últimos dias, o forte vento nordeste apertou, meu parceiro de quarto Diego Silva havia zarpado pra Califa, dando lugar a dois moleques de Balneário Camboriú, Eduardo e Luccas. Um já havia visitado a ilha, outro tinha em seus olhos a ansiedade e o brilho da primeira vez. Nessa casa em que havia me hospedado, a turma muito alto astral havia colocado o apelido de BBB Hawaii. Todos respeitando os espaços dos outros. Vivemos o mês como uma grande família, foi bem divertido.
Em minha última onda nesta temporada, em Rocky Rights, não planejava sair do mar. Aliás, passei mais a onda do que manobrei, mas, ao chegar ao inside, um pequeno tubo longo armou-se em minha frente e saí já no fundo de areia, que estava esverdeado devido à claridade da água. Ao terminar, pensei: “Sã e salvo, simbora meu fio”.
Arrumando as malas e dando uma “bisóiada” em uns posts nos “Instas”, vi um cara comentar em relação a duas grandes ondulações que estão por vir: “O próximo swell vai ser denominado de Brock Little”. Que Deus o tenha. Aloha!