Do Ceará para o Guarujá

Felipe quase atropela o fotógrafo em Punta Rocas

Felipe Martins é um dos talentos nordestinos que encaram roubadas no Sudeste do País. Foto: Nancy Geringer.
Muitas pessoas sabem que os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo estão repletos de surfistas nordestinos que migram para o Sudeste em busca de um lugar ao sol no concorrido mundo do surf.

 

Porém, nem todos estão por dentro das diversas roubadas que esses atletas encaram a cada dia longe de suas famílias.

 

O cearense Felipe Martins, 19 anos, também conhecido como “North Shore”, 

é um destes nordestinos que batalham arduamente para atingir a glória e o sucesso na difícil carreira de surfista profissional. 

 

 

O atleta está entre os destaques da nova geração do surf brasileiro. Foto: Daniel Smorigo / Freesurfer.com.br.
Felipe obteve diversos resultados expressivos no Nordeste quando era amador, como os títulos nordestinos nas categorias Grommets e Iniciantes, além de ser várias vezes vice-campeão cearense nas categorias Grommets e Mirim.

 

Saiu de Fortaleza aos 15 anos para tentar a sorte no Guarujá. “As condições são muito precárias no Ceará, tanto para conseguir um patrocínio, como para disputar grandes campeonatos”, alega Felipe.

 

Em 2003, o atleta disputou o Circuito Brasileiro Amador pela equipe de São Paulo e fez uma belíssima campanha, terminando em quarto lugar no ranking da categoria Open.

 

Na última etapa, realizada em Olivença, Ilhéus (BA), “North Shore” quebrou tudo e conquistou o título Open com direito até a uma nota 10 unânime, fruto de uma direita dilacerada com fortes pauladas de backside.

 

Ainda como amador, o atleta obteve o vice-campeonato guarujaense na categoria Mirim e ficou em quarto lugar no Circuito Hang Loose Paulista Mirim e Júnior.


A seqüência de bons resultados rendeu duas viagens internacionais ao cearense. No início de 2003, curtiu sua primeira temporada havaiana, e no final do ano passou o ano novo no Peru, onde participou de uma matéria para a revista Venice.

 

Com o objetivo de entrar no SuperSurf, “North Shore” tornou-se profissional em 2004 para participar das etapas do Brasil Tour e da Seletiva Petrobras.  

 

Para bancar as inúmeras despesas com as viagens, o cearense contava com o co-patrocínio da Reef e a ajuda dos amigos. As pranchas do atleta são feitas por Joca Secco.

 

No primeiro ano como profissional, Felipe não conseguiu entrar no SuperSurf, finalizando a temporada em 66o lugar na divisão de acesso do circuito brasileiro.

 

Porém, o atleta deu importantes passos rumo à elite nacional. Em vez de estrear logo nas duas primeiras rodadas, como aconteceu em 2004, Felipe terá o privilégio de entrar em ação mais à frente no circuito deste ano.

 

 

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Felipe afia o backside em Punta Rocas, Peru. Foto: Aleko / Revista Venice.
Não bastassem as inúmeras dificuldades que enfrentava para descolar grana e disputar as competições, Felipe recebeu mais uma triste notícia ao final do ano. 

 

A Reef não manifestou interesse em renovar seu contrato, o que deixou o atleta numa situação ainda mais delicada.

 

Amizades – A ajuda dos amigos sempre foi uma fonte de motivação na carreira de Felipe Martins. “Eles que não me deixaram desistir do surf”, revela o atleta.

 

Logo no começo de 2004, Felipe estava sem grana para ir aos campeonatos.

 

 

O cearense em ação no Oakley Junior Challenger 2004. Foto: Ricardo Macario.

Para disputar o Hang Loose Pro Contest, etapa do WQS realizada em Fernando de Noronha, o atleta contou com a força dos amigos Dennis Tihara e Adilton Mariano, que participaram de uma trip com ele ao Peru, e do cearense Júnior, que sempre lhe deu muita força.

 

Em seguida, Felipe recebeu uma grana emprestada de Adilton Mariano para viajar a Torres, onde rolou o Reef Brazil Classic, outra etapa do WQS.

 

“Fui meio desanimado, pois havia quebrado todas as minhas pranchas em Noronha. Peguei uma emprestada do Dennis Tihara e outra do Adilton, para ver com qual eu me adaptava melhor. Porém, acabei me dando melhor com uma do Heitor Alves e corri o campeonato com ela”, conta Felipe.

 

“Consegui passar várias baterias com essa prancha shapeada pelo Simon, e graças a Deus cheguei até a fase do dinheiro. Pude pagar tudo o que devia ao Adilton e ao Dennis, que vinham me bancando”, lembra o atleta.

 

Foi assim até o resto do ano, sempre contando com a ajuda dos parceiros. Em Florianópolis, Felipe conheceu alguns evangélicos e recebeu uma “guarita” para ficar hospedado durante as competições que disputou na capital catarinense. 

 

“Eles foram fantásticos. Não posso deixar de citar o Paulinho, da igreja, que foi um irmão de verdade e deu o maior apoio lá em Floripa”, comenta.

 

Outra pessoa que sempre dá uma força ao cearense é o atleta Heitor Pereira, que pagou US$ 180 pela inscrição de Felipe no Onbongo Pro Surfing, etapa de nível 6 estrelas do WQS realizada em Floripa.

 

“Estava sem dinheiro e falei que não correria a etapa. Ele estava nas Ilhas Canárias e disse que era pra eu ir e que ele pagava a minha inscrição”, conta. “O incentivo dos amigos me dá um levante e faz com que eu queira me esforçar cada vez mais”, fala Felipe.

 

 

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Felipe mora numa casa alugada por uma igreja paulista para promover reuniões dos Surfistas de Cristo. Foto: Maurício de Souza/FMA.
Na segunda e última etapa do Billabong Pro Junior, seletiva sul-americana do mundial Pro Junior, Felipe Martins foi ajudado por Dennis Tihara para participar do evento na praia de Camburi, em São Sebastião.

 

“Meus parceiros me dão muita força e nunca me deixaram na mão quando precisei. Um dia, com fé em Deus, poderei retribuir tudo em dobro”, diz o atleta. 

 

Preconceito – Apesar de estar há três anos no Guarujá e de já ter representado a equipe paulista no circuito brasileiro amador, Felipe Martins ainda encontra algumas barreiras pela frente.


O atleta luta bastante para conseguir um patrocínio. Foto: Ricardo Macario.

“Algumas pessoas dizem que por eu não ser paulista não tenho direito de ser top no circuito profissional. Porém, esquecem que estou filiado à Federação Paulista e inclusive já defendi a bandeira de São Paulo no brasileiro amador”, conta o atleta.

 

O atleta conseguiu, pelo segundo ano consecutivo, terminar o circuito paulista profissional entre os 16 melhores do ranking.

 

Na segunda etapa do paulista 2004, Felipe tinha direito de correr entre os principais cabeças-de-chave, mas não deixaram. O problema só foi resolvido na competição seguinte.

 

Roubadas – O cearense divide uma casa no Guarujá com mais dois amigos – o também surfista profissional Ernesto Nunes e o missionário Cisso. O “arrego” foi dado por uma igreja uma igreja de São Paulo, que alugou a casa para promover reuniões dos Surfistas de Cristo.

 

“Morar longe de casa é sempre uma imensa dificuldade, porque você tem que se
virar. E sem patrocinio é ainda pior. Mas, fazer o quê se eu escolhi essa
profissão e nasci em um Estado que não me proporcionou os itens adequados que um surfista precisa?”, reflete Felipe. 

 

“Vim para São Paulo, que é o centro, mas venho passando roubadas atrás de roubadas. Tenho que batalhar o alimento de todos os dias. Tem dias que é meio punk pra fazer o racha do almoço, mas a gente vai levando com o fornecer de Deus”, revela. 

 

A cada dia o atleta enfrenta algumas roubadas em relação à alimentação e falta de dinheiro para bancar as despesas em casa e nos campeonatos. “Com a falta de patrô, vira aquela correria arranjar dinheiro aqui e ali”, diz o atleta.

“Uma das piores roubadas que eu venho passando no momento é a de não ter ido viajar e nem mesmo ter ido pra minha casa no Ceará rever minha familia. Agora em janeiro já faz um ano que eu não vou em casa e isso pra mim é uma dificuldade. Mas, beleza, a gente vai levando”, conta Felipe. 

 

Confira galeria de fotos de Felipe Martins

 

 

 

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