Poucas semanas depois do encontro assustador entre Mick Fanning e o tubarão-branco em Jeffreys Bay, África do Sul, o site Waves entrevistou o brasileiro Renato Hickel, tour manager da World Surf League (WSL).
Nesta entrevista, Hickel fala sobre algumas medidas que a entidade já estudava tomar e que podem ser aceleradas depois do episódio chocante na final da sexta etapa do Championship Tour 2015.
Vocês temeram pelo futuro do esporte depois disso, pensando no que poderia ter acontecido caso Mick morresse ou perdesse um membro?
Na Fórmula-1, não tomávamos conhecimento de um acidente fatal desde 1991, ou seja, desde a morte de Ayrton Senna. A FIA (Federação Internacional de Automobilismo) se mostrou eficaz com o aumento das medidas de segurança depois do falecimento de Senna. Porém, recentemente um francês perdeu a vida, vítima de colisão. Essas mudanças significam que não vai haver fatalidade na Fórmula-1? Não existe 100% de segurança. O rúgbi australiano teve duas mortes este ano e um atleta tetraplégico. Alguém pode garantir no próximo jogo de rúgbi não vai ter uma fatalidade? Os caras estão revendo regras, discutindo a questão do contato, etc. E no nosso esporte é a mesma coisa. A gente gosta de afirmar que já temos procedimentos para a segurança dos atletas na água, tanto é que pouca gente sabia que aqueles dois jet-skis e o barco grande estavam na água exclusivamente para a segurança dos atletas. Em Jeffreys Bay, que é uma reserva marinha, é proibida a utilização de jets, e a gente consegue uma autorização para esses dois e também para o barco, somente para garantir a segurança dos atletas nas baterias.
Além do resgate que a nossa equipe fez, tínhamos até um helicóptero à disposição caso fosse necessário levar Mick para Porto Elisabeth para ser tratado caso a clínica em J-Bay não fosse suficiente.
Sempre tivemos essa preocupação. Podemos melhorar? Claro. Eu, por exemplo, já sugeri que tivéssemos mais dois jet-skis em J-Bay. Um no outside e outro em Boneyards. Sabemos que a maior parte da vida marinha que chega à baía de Jeffreys vem de Boneyards em direção ao point. Se tivéssemos mais um jet patrulhando por ali e outro no outside, provavelmente o barulho do motor e o cheiro teriam espantado o animal.
Também cogitamos a utilização de drones para patrulhar a área. Já usamos esse equipamento para capturar imagens aéreas das baterias e agora a gente discute a sua utilização para monitorar os limites da área de competição.
E sobre o Shark Shield? A WSL já pensou nesse tipo de proteção?
Nós já tentamos utilizar o Shark Shield em Gold Coast, não nos atletas, mas nas boias. Só que era um procedimento muito caro e com pouca comprovação científica, então não utilizamos mais.
O sensor que é colocado no atleta, que dizem ser mais eficaz, ele até este ano tinha meio que um chicote muito grosso e pesado, com uns 2 metros de comprimento, então seria impossível um cara competir com aquilo. É pesado, enrola, arrasta, compromete o desempenho. Só que recebi informação agora mesmo em J-Bay de um amigo basco que estavam utilizando um novo Shark Shield e que a anteninha fica na batata da perna, então não atrapalha.
Além da utilização do Shark Shield no atleta, existe a possibilidade de colocá-lo em boias, formando assim um campo magnético impenetrável, só que novamente essa tecnologia não está 100% comprovada. Oficialmente estamos sempre dizendo que a WSL está sempre a aberta a novas tecnologias que não sejam nocivas ao meio ambiente e à vida marinha. Ninguém vai querer colocar um equipamento que vá prejudicar ou até matar os tubarões. Já recebemos uma avalanche de informações e vamos filtrar o que pode ser utilizado não só em Jeffreys Bay, como em outras provas realizadas pelo mundo.
A etapa em Jeffreys Bay pode sair do calendário?
Ainda é prematuro para especular o futuro da prova de J-Bay ou de qualquer outra etapa do tour. As emoções ainda estavam à flor da pele e esse tipo de decisão deve ter tomada com a cabeça fria.
Temos uma reunião grande agora, depois que acabou o US Open na Califórnia, e obviamente também discutiremos isso. Estamos compilando incrementos do nível de segurança dos atletas para podermos utilizar nas nossas provas.
Conversamos com um biólogo marinho logo depois do episódio em Jeffreys e ele opinou que não foi um ataque. E você, o que acha?
Os entendidos em biologia marinha dizem que não foi um ataque. Falaram que o tubarão ataca de baixo para cima e que o animal estava só checando. Na minha opinião parece isso. Quem vai saber se o tubarão queria mesmo atacar ou não? É impossível de ele dizer, né? (risos). Uma vez preso à cordinha, virou uma batalha entre os dois para ver quem iria se soltar. E obviamente, no desenrolar dessa batalha, ele poderia ter atacado o Mick Fanning. O que é certo é que houve contato, tanto que o Mick disse ter acertado o tubarão. Ele podia ter perdido a vida ou algum membro.
Como foi reação dos atletas depois disso? Alguns se manifestaram a favor da saída de J-Bay do calendário?
Na praia, não conversei com nenhum atleta, mas por mensagem de texto alguns tiveram essa reação logo no início. Na hora, os atletas que se reuniram em minha sala foram Mick Fanning, Julian Wilson, Kai Otton, Ace Buchan e Parkinson. Também estiveram conosco Ronie Blake (assessor de imprensa do Mick) e Jarrad Howse, que está treinando Mick. Foi um encontro bastante emocionante, mas a última coisa que tínhamos em mente ali era o futuro da prova. Só queríamos resolver se a final seria mais tarde ou se cancelaríamos o evento.
O choque realmente foi grande e eles descartaram na hora. Julian foi bem cavalheiro e disse que deixaria a decisão para Mick. Falou que estava muito emocionando e tremendo com o que aconteceu, mas que a decisão era mais de Mick do que sua.
Na hora, cheguei a falar que só colocaríamos os atletas na água se tivéssemos 100% de certeza de que eles estavam seguros. Um amigo chegou a brincar comigo na hora dizendo que não tem como existir 100% de segurança, aí depois até respondi ‘tanto é que não colocamos’ (risos).
Você fez comparações com outros esportes, mas acha que a repercussão seria a mesma caso Mick Fanning fosse atacado?
Acho que no surf é mais impactante porque no rúgbi o cara faleceu porque se chocou com outro ou porque caiu no chão. Na Fórmula-1 é um carro batendo num muro de proteção. No surf seria mais complicado porque é um animal atacando uma pessoa, então tem aquela coisa do ataque, da dentada, do sangue. Muito mais chocante emocionalmente, não tenho a menor a dúvida. Sem querer nos vangloriar, os recordes do surf profissional naquele dia foram todos quebrados, o que mostra que o ser humano está propenso a querer assistir a uma notícia quando envolve esse tipo de acontecimento. E o tubarão, tanto em canais como o Discover, o National Geographic e até mesmo em TV’s abertas, passou a ser um tema com muita audiência. Quando acontece isso numa final de um campeonato mundial de surf, ao vivo, a audiência vai lá pra cima.