O surf sempre esteve ligado à sua carreira, ou melhor à sua vida. Começou como atleta, foi competidor profissional, ganhou títulos, chegou a disputar o Circuito Mundial nos anos 80 e início da década de 90. Depois, ao se aposentar das disputas nas ondas, iniciou um novo caminho ligado ao esporte, mantendo-se no ramo.
Primeiro como representante de vendas e depois foi conquistando espaço, subiu cada degrau, cresceu, até chegar a um dos principais cargos no Brasil, o de CEO da gigante mundial Rip Curl.
Para alcançar o estágio máximo, se preparou, estudou (Administração pela Federal do Rio Grande do Sul), conheceu cada setor que envolve seu trabalho. Em abril, o gaúcho Felipe Silveira completou 20 anos de “casa” e a comemoração singela, com um post nas mídias sociais, não reflete a dimensão dessa trajetória.
Nessas duas décadas, ele foi responsável por muitas conquistas, que contribuíram intrinsicamente para o desenvolvimento do surf brasileiro. Talvez a maior delas, a contratação do fenômeno Gabriel Medina, antes de estourar para o Mundo, aos 15 anos de idade.
Numa conversa na sede da Rip Curl Brasil, na Praia da Enseada, em Guarujá, Felipe falou sobre a sua história, sobre a marca e também o mercado brasileiro.
Acompanhe os trechos da longa entrevista (afinal há muito o que contar), concedida ao jornalista Fábio Maradei.
O INÍCIO:
Comecei como surfista profissional por um tempo. Sempre tive muito envolvimento com o surf. Antes de realmente começar a trabalhar nos negócios do surf, viajava bastante para competir. Cheguei a morar nos Estados Unidos em 1986 para competir em campeonatos amadores na WSA. Também morei um tempo na Austrália. Tudo isso me deu uma bagagem diferente, adquiri uma nova cultura, aprendi inglês. Facilitou bastante na hora em que decidi pendurar a lycra. Resolvi me aposentar em 1993, quando conquistei o Campeonato Sul Brasileiro, o meu último título como profissional. Fiz um balanço sobre minha carreira e percebi que minhas possibilidades de crescimento como surfista profissional eram pequenas. Apesar de ter conquistado alguns títulos, ainda ficava distante em relação àquela geração talentosa de surfistas, caso do Fabio Gouveia, Teco Padaratz, Renan Rocha. Eles estavam começando a ingressar no WCT.
O ESTUDO:
A partir daí decidi seguir um novo rumo, ainda trabalhando com o surf. Na época, voltei a cursar Administração de Empresas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tinha trancado a matrícula por um tempo. Nos anos 80, eram poucos os surfistas profissionais no Rio Grande do Sul. Essa realidade, aliás, não era muito diferente do que acontecia no Brasil. O surf não tinha o crescimento que tem nos dias atuais, principalmente na questão de patrocínios. Eles aconteciam de maneira muito esporádica. Com algumas exceções, o destino de muitos surfistas gaúchos era seguir a carreira dos pais ou dar continuidade aos estudos. Portanto, concluir um ensino superior foi um caminho natural.
NA RIP CURL:
Ao mesmo tempo que estudava, passei a trabalhar com vendas, representando as marcas que já me patrocinavam na época. Quando entrei nesse setor, descobri um mundo de possibilidades de trabalho dentro do surf, que ainda não havia sido explorado, por conta da minha experiência como atleta, aliada à minha vida acadêmica. Em 1994, montei meu próprio escritório, atendendo a essas marcas, até que em 1996, a Rip Curl me convidou para ser o representante comercial no Rio Grande do Sul. Curiosamente, comecei a trabalhar na Rip Curl no dia 1º de abril daquele ano. Tive sucesso muito rápido. Quando ligava para um cliente, eles me reconheciam e ficavam contentes quando eu me apresentava. Sem dúvida, o surf me abriu muitas portas nessa área comercial. Nada melhor que um surfista para estar envolvido com o produto.
MUDANÇA PARA SÃO PAULO:
Em 1998, o Rio Grande do Sul já era considerado o segundo melhor mercado da marca. Esse trabalho chamou a atenção da Rip Curl do Brasil e fui convidado para trabalhar como gerente de produto e marketing, em São Paulo. Foi uma mudança radical. Lembro de ter ficado impressionado com o tamanho da cidade, apesar de já ter viajado algumas vezes à trabalho. Tudo era diferente, desde o trânsito até o relacionamento entre as pessoas. Mesmo assim, consegui me adaptar rápido. Era preciso acumular duas funções naquele momento e por algum tempo continuei com a reapresentação comercial no Rio Grande do Sul. Trabalhava em São Paulo, mas de 15 em 15 dias voltava para o Rio Grande do Sul para checar como estavam as vendas. Essa rotina durou por, pelo menos, dois anos.
O ENVOLVIMENTO:
Enquanto isso, o meu envolvimento com a Rip Curl ficava ainda maior. Participava de alguns meetings internacionais e foi quando tive a oportunidade de conhecer os fundadores Brian Singer e Doug Claw Warbrick. A marca estava crescendo muito no Brasil e eles passaram a se interessar em adquirir os negócios nacionais. Fui o representante deles nesse processo, fazendo toda essa ponte entre o empresário que tinha a licença da marca no País e a matriz. Em 2000, a Rip Curl Internacional fez uma sociedade e acabou adquirindo 50% dos negócios daqui. Após essa fusão, o crescimento da marca continuou se desenvolvendo até que em 2002 a marca sentiu confiança e adquiriu a totalidade da Rip Curl brasileira, pela confiança no meu trabalho e na fase em que o mercado se apresentava.
EM GUARUJÁ:
Em julho de 2002, nos mudamos para o Guarujá e começamos a fazer uma nova operação, com um caráter mais regional. Recebíamos o apoio da matriz internacional e, a partir daquele momento, a marca manteve um crescimento bastante saudável tanto em termos de venda quanto de rentabilidade. Foi quando assumi o cargo de Brand Manager. Em 2007 passei para a função executiva, como CEO, e sigo até hoje, participando inclusive do conselho da marca nas reuniões e representando também os interesses da América do Sul. Agora no começo de abril, completei 20 anos de envolvimento com a Rip Curl.
CEO:
Ser CEO da Rip Curl foi uma consequência do meu envolvimento com a marca. Nunca pensei em chegar à posição que conquistei, mas fui descobrindo que tinha potencial. O surf como um todo sempre me atraiu. Talvez por apresentar um estilo mais informal em relação a outras atividades. Era também uma forma de continuar viajando, conhecendo novos picos, além de poder conhecer melhor o mercado que ainda estava se desenvolvendo. Percebia, com o passar do tempo, que era possível trabalhar em diversas frentes da empresa. Meu desejo sempre foi participar ativamente das decisões da marca, aconselhar na hora da contratação de um surfista, sugerir uma estratégia ideal em termos de marketing, organizar eventos da modalidade e assim por diante. Essa trajetória me permitiu ajudar a contribuir no desenvolvimento do surf brasileiro, tendo participação até mesmo no título mundial do Gabriel Medina em 2014. E isso me deixou extremamente feliz e satisfeito. Esse pioneirismo na modalidade foi uma recompensa, pois na minha época de atleta competir em circuito mundial significava apenas passar pela triagem daquela época. Trabalhei muito tempo e sempre desejei ajudar a construir esse sonho. Até me fez voltar ao tempo em que tomei a decisão de fazer parte de tudo isso. Não há dinheiro no mundo, nem posição profissional que substitua isso que pude e ainda posso viver.
EXPERIÊNCIA:
Passar por todas as fases e áreas dentro da empresa é fundamental em qualquer empresa que você trabalhe. É importante ter vivência, saber o que está acontecendo. E eu passei por, praticamente, todos os setores. Minha experiência mais longa, claro, foi na área de vendas. Depois, me firmei bem na área de produtos. A última função que eu exerci dentro da Rip Curl foi de gerente geral de marketing. Lá, foi preciso trabalhar com todas essas frentes de serviço de forma a vender bem os produtos e a imagem da marca. Sem dúvida essas experiências me deram muita qualificação para que eu pudesse chegar ao cargo que ocupo hoje. As coisas mudaram bastante de uns anos para cá, mas a metodologia de trabalho continua praticamente a mesma. Sou eu que apresenta e propaga esses valores da empresa em meetings. A Rip Curl tem essa crença nos valores muito forte, porque os fundadores da marca fazem questão de mantê-los. Senão a maior, a Rip Curl é uma das maiores empresas privadas de surf no mundo. Foi a única empresa que optou por manter o capital privado. Isso deu uma possibilidade da empresa ficar mais próxima dos seus valores, aumentando assim o seu crescimento orgânico, de uma maneira mais sustentável também do que as empresas que acabaram optando por abrir seu capital. Questões como visão, missão são vistas constantemente em cartazes espalhados pela empresa. Divulgamos sempre e damos muita importância para isso.
MERCADO BRASILEIRO:
A Rip Curl vê o mercado brasileiro com ótimos olhos. Foi a primeira empresa internacional a investir no Brasil. Em 2000, quando a Rip Curl Internacional comprou 50% do negócio no País, ela foi a primeira empresa internacional a investir por aqui. Em 2002, quando compramos 100% dos negócios, foi também a empresa internacional a investir e a estabelecer uma subsidiária aqui no Brasil. Foi pioneira. Depois vieram outras marcas, como a Billabong, a Oakley, muito depois a Quiksilver. A Rip Curl foi pioneira. E essa visão de investir aqui se justifica pelo fato do François, um dos fundadores, ter sido da ASP Europa. Então ele conhecia bem os surfistas brasileiros, conhecia Teco e Fabinho. Sabia que existia surf de qualidade no Brasil. O próprio Claw e Bryan sabiam da enorme costa e cultura de praia estabelecidas aqui. Eu os trouxe aqui ao Guarujá, conheceram o litoral e na época ficaram bastante impressionados com a cultura de praia, que é o que tem bastante na Austrália. E eles eram visionários, apostaram que o Brasil nesse setor seria uma grande potência. Assim como tem sido até hoje com atletas em Bells, a Rip Curl sempre mostrou essa característica de vanguarda. Sempre oferecendo produtos pioneiros, como relógio com GPS, tecnologia de ponta em roupas de borracha para os surfistas. Essa preocupação com a inovação e criatividade sempre existiu na empresa. A Rip Curl realmente é uma empresa internacional, e isso é mérito total dos fundadores da marca. E eles não param. Estão sempre viajando, conhecendo novas pessoas, pegando a estrada, buscando as melhores ondas. Isso tudo fez com eles tivessem uma visão global dentro dos negócios. Por isso que acredito que as viagens que fiz durante o Circuito Mundial, mesmo na época em que surfava e competia, seja para a Indonésia ou para os Estados Unidos, trouxeram bagagens importantes, porque abre sempre um leque de possibilidades.
CRESCIMENTO DO SURF:
Na minha opinião, hoje é difícil você avaliar o mercado brasileiro individualmente. É claro que cada mercado regional tem as suas características, mas hoje é difícil você definir o mercado no Brasil, na Europa. O mercado do surf é global atualmente. Todas as marcas têm operações nos principais mercados do mundo. Existem algumas diferenças pontuais, como por exemplo, nos EUA o mercado do surf é mais antigo, pois começou antes do Brasil. já o surf na Austrália tem uma penetração maior na população, enquanto que na Europa o surf se mistura muito com os esportes de ação, como o snowboard, ski e outras modalidades de prancha por exemplo. Porém esse mercado global do surf está em grande ascensão como esporte. Tanto é que esse foi um dos assuntos que o CEO da Rip Curl mundial abordou na última reunião que tivemos na Austrália. O surf nunca esteve tanto em evidência, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Em qualquer lugar do mundo em que você vá, tem mais surfista na água. É inegável, você pode perguntar para qualquer surfista desde o Canadá até a Argentina, passando pela Europa, Estados Unidos, é unânime: o crowd aumentou.
OS 2 TÍTULOS MUNDIAIS DE BRASILEIROS:
Influenciaram muito no número de praticantes no Brasil, cresceu bastante. Teve muita gente que não tinha muito interesse pelo surf e viram as vitórias do Gabriel (Medina) e do Adriano (de Souza, o Mineirinho). Esses atletas deixaram o esporte muito mais exposto. Estima-se, nos dias de hoje, um milhão e meio de praticantes de surf no Brasil. É só ver o cenário aqui do Guarujá. Desde quando viemos para cá, em 2002, pudemos também observar essas mudanças. Você surfava no meio da semana, com dois, três, no máximo cinco pessoas no mar. Quatorze anos depois, vemos de segunda a segunda muitos praticantes, são, no mínimo, 50 surfistas em cada praia, independente da condição de surf.
VENDAS:
E se aumentou a quantidade de praticantes, por consequência aumentou também a venda no número de produtos vendidos. Acho que, por isso, temos tido tanto sucesso no mercado, porque somos uma empresa de surfistas para surfistas. A gente faz produtos para o surfista, que são desenvolvidos para a prática do esporte. Você não compra uma roupa de borracha para sair de noite, por exemplo. Ele serve exclusivamente para a prática do surf. Todos os produtos que são para a prática do surf acredito que aumentaram, seja de parafina, cordinha, prancha, enfim. O que existe, enfim, um movimento que é sempre de vai e volta, não é um movimento crescente, é em relação à moda. Elas são simpatizantes, como a gente comenta. E também é a maior parte do faturamento. Hoje se estima que, em nível global, que as vendas de produtos para surf, para a prática do surf são mais ou menos 20%, 25% do mercado. É que os outros 35% do mercado são produtos de confecção e acessórios que não necessariamente são consumidos pelos sufistas e, sim, pelos simpatizantes das marcas e desse estilo de vida. E como qualquer tendência, elas vêm, vão, muitas vezes ficam mais fortes, outras vezes ficam mais fracas.
CENÁRIO:
Enfim, o mercado tem se colocado em uma posição bastante complicada nos últimos anos. Por outro lado, muitas empresas tinham expectativa de que esses negócios iriam crescer em uma velocidade e em uma proporção muito maior. Até porque como essas empresas internacionais foram adquiridas por outras de investimento, as empresas querem crescimento. Só que esse crescimento tem um limite, uma velocidade. Por muito tempo, esse crescimento foi rápido demais e também em um montante muito acima que realmente estava acontecendo em termos de número de praticantes. De uma certa forma, acabou dando uma saturação no mercado globalmente nos últimos quatro anos. O mercado não suportou o crescimento que as empresas queriam ou precisavam. Quando você tem muito produto no mercado, distribuído de uma forma não muito adequada, é normal que existam algumas reações. Aqui no Brasil, o mercado continua crescente. Na verdade, a população brasileira comparada à Austrália é muito maior. É claro que a diferença de poder aquisitivo entre os dois países também difere muito, com vantagem para eles, mas o número de habitantes aqui é um diferencial.
CRISE ECONÔMICA:
Ao mesmo tempo, o surf tem muito para crescer ainda. O que não está favorecendo a parte deste crescimento global do mercado do surf é a situação econômica do País. Esse é o grande freio, porque se nós não tivéssemos nesta situação econômica em desequilíbrio, com certeza o surf iria estar em disparada. Aumentaria ainda mais o número de lojas, número de marcas. Teríamos mais surfistas sendo patrocinados, com o maior investimento, mas a crise econômica freia de uma certa forma a velocidade e o potencial de mercado do surf que o País apresenta. Quando falamos de regiões maduras, caso dos EUA e Europa, são exemplos de locais que há muito tempo já trabalham com o surf, que vivem o esporte. Portanto, se tratam de mercados muito estáveis, com economia igualmente estável e um crescimento de 5%, é um crescimento gigante. Mas os varejistas daqui estão tentando se adequar a essa nova realidade para passar por essa fase conturbada da melhor forma possível.
DIVERSIFICAÇÃO DE PRODUTOS:
A diversificação de produtos ajuda muito. A gente brinca que, na Rip Curl, é do dedão ao nariz. Temos produtos completos. E essa diversificação é muito positiva, enquanto outras empresas decidiram comprar outras marcas de produtos, fazendo seu portfólio com outras marcas, a gente decidiu colocar todos os produtos em um guarda-chuva, só que é a nossa própria marca. Isso tem as suas vantagens, suas desvantagens, mas no final a gente tem uma linha de produtos bastante completa e, principalmente, uma linha dedicada ao surfista que têm sido um grande diferencial hoje no mercado. A Rip Curl é uma marca que fala mais com o surfista. E esse drive de sempre fazer produtos buscando a satisfação do surfista nos deu uma posição mais estável. Com crise ou sem crise, o surfista vai continuar surfando. Talvez ele não troque a prancha dele todo ano, talvez até diminua a troca de roupa de borracha que veste, mas ele não vai parar a prática do esporte. Quando a crise acontece, quem dá mais uma desacelerada no consumo é o próprio simpatizante, que é aquele que consome o surf pelo modismo. Ou seja, as marcas que dependem muito desse segmento são as que estão sendo mais afetadas pela crise. Estamos aí em mais um ano positivo, com um significativo crescimento. Estamos muito contentes e satisfeitos com o resultado, como as coisas estão se desenvolvendo na Rip Curl. De uma certa forma, olhando alguns anos atrás, estamos colhendo o que plantamos. As pessoas e as marcas colhem o que plantam. Viemos desde 2000, 2002, sempre envolvido com o surf, patrocinando os grandes surfistas. Agora nos EUA, ganhamos cinco prêmios da SIMA (Surf Industry Manufacturers Association). Melhor Roupa de Borracha, melhor bermuda água para o surf, melhor biquíni, melhor campanha de marketing, enfim, ganhamos praticamente todos os principais prêmios da indústria mais competitiva de surf americana, que tem no mundo. A gente conseguiu casar, apresentar o que tem de melhor em uma marca para trazer aos surfistas e os eventos do esporte, sempre também reforçando a qualidade dos produtos com tecnologia, inovação. Quando acontece essa combinação que é implementada com consistência, esse é o resultado do sucesso. E esse sucesso vem desse equilíbrio entre marca, produto e distribuição. É o que estamos fazendo globalmente e regionalmente também.
PATROCÍNIO DE ATLETAS:
Quando entrei na Rip Curl, a marca patrocinava o Neco Padaratz até ele entrar no WT. Ele foi o primeiro surfista brasileiro que a Rip Curl aqui, tendo o apoio internacional, patrocinou em uma competição lá fora. Depois, a Jacqueline Silva foi vice-campeã mundial, com o patrocínio da Rip Curl do Brasil. Depois, veio o Yuri Sodré, entrou no WT. O Rodrigo Dornelles, também. Ele estava há anos batendo na porta do WT e aí fechamos o patrocínio com ele, dois anos depois ele entrou no circuito. O Raoni Monteiro também foi a grande aposta da Rip Curl e a grande aposta do surf brasileiro, também esteve com a gente. E o Gabriel Medina, é claro. Não sei se esqueci alguns, mas nós temos uma tradição, desde 1996, de patrocinar os principais surfistas do País. Enfim, patrocinamos o Circuito Carioca de Surf durante quatro, cinco anos. Fazemos o Circuito Grom Search, há 15 anos, o principal circuito sub-16 do mundo. Fora os patrocínios dos circuitos regionais, como do Guarujá. Fazemos também outros patrocínios, com a Associação de Surf de Maresias, através do Gabriel Medina e seu instituto. Há muitos anos, viemos construindo essa estrada, pavimentando esse caminho. Então eu vejo com naturalidade a posição que a Rip Curl tem hoje no mercado. A gente sempre fez isso. Sempre teve consistência do que fizemos, sempre próxima ao surf e ao surfista de uma maneira bem autêntica. Junto com todo esse investimento, também produzindo e distribuindo produtos de extrema qualidade.
CONTRATAÇAO DE GABRIEL MEDINA:
No Rip Curl Grom Search, que é um dos eventos mais importantes do calendário brasileiro, foi quando percebemos a importância do Gabriel. Quando entrei na Rip Curl, em 2000, estive na Austrália e acompanhei esse evento e pensei comigo mesmo: Vou trazer esse evento para o Brasil. É o tipo de evento que precisamos ter no País. Precisamos desenvolver a base, essa nova geração do surf. E eu estava à frente, porque na época eu era responsável pelo marketing, que acaba organizando esses eventos. Até hoje organizo, mas antes conseguia comparecer, acompanhar todas as etapas. Vi vários atletas se desenvolvendo no evento, desde o Adriano de Souza carregando a prancha na cabeça ainda, Miguel Pupo, Jihad (Kohdr), Jean da Silva, Filipinho (Filipe Toledo). E foi assim que chegou o Gabriel. Vinha já acompanhando a trajetória dele, enfim, em 2006 ele ainda não se destacava tanto. Competia, participava de finais, mas não tinha uma posição de destaque ainda. Mas depois, começou a apresentar um desenvolvimento no surf de uma forma muito rápida. Aqui no Guarujá mesmo, em frente à minha casa no Morro do Maluf, vi muitos surfistas se destacando, mas que depois de um tempo não se desenvolveram. Então a gente aprendeu muito com esses exemplos, ver como poderiam dar continuidade ao esporte. E como o Gabriel conquistou o título ali no Maluf, na última etapa do Rip Curl Grom Search na época, foi uma coisa que chamou mesmo a atenção, não só minha, mas de quem estava na praia naquele momento. Todo mundo que acompanhava aquela final ficou de queixo caído. Ele surfou de uma forma incontestável, em um nível muito acima dos outros garotos. E era um cenário muito interessante, porque ele surfou junto de três surfistas locais, com torcida contra. O Gabriel não tomou conhecimento disso, foi impecável até a última bateria. Pelos outros desempenhos em outras provas que tinha acompanhado do Gabriel, que aquela final ele poderia ter um grande talento. Estaria mentindo se eu falasse que via nele um campeão mundial, mesmo porque vi vários surfistas que também tiveram excelentes desempenhos assim, caso do Raoni, começou a aparecer, todo mundo acreditou que ele seria um grande campeão mundial. O talento que o Raoni tinha na época era comparável ao talento que o Gabriel apresentava na final daquele campeonato do Grom Search. Enfim, naquele dia a gente queria recrutar um companheiro de equipe para o Jessé (Mendes) na época. Ter um atleta de mesma idade, procurando se desenvolver e alçar o Circuito Mundial. Foi quando entramos em acordo entre a Família Medina e a Rip Curl, traçamos um plano em como poderíamos chegar e eles com muito mais crença do que a gente, apostaram no nosso trabalho com o Gabriel. Ele, para mim, foi o que eu digo ter sido uma das maiores surpresas que presenciei. Nunca tinha visto um conjunto de talento, com apoio, com crença, confiança. Um plano tão claro do que ele tinha que fazer para chegar aonde queriam. O Gabriel foi o décimo atleta que patrocinamos. O que ele conquistou não foi uma coisa do nada. Foi construída desde 2006 até 2014. E tivemos a sorte de encontrar essa estrela, esse garoto iluminado no nosso evento.
O TÍTULO MUNDIAL:
Foi uma realização, um prazer de trabalho realizado. Não de dever cumprido, mas sabe aquela coisa que você faz bem e você sente que conquistou algo legal? Foi esse o sentimento. Na verdade, quando ele ia para o Havaí, estava antes com ele em Portugal. E foi por aí que chegou o momento em que sabíamos. Sabíamos que ele entrou no WT, que ganhou aquelas duas primeiras etapas, já sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, ele seria campeão mundial. Só surpreendeu dele ter conquistado tão rápido esse título. A maneira como ele entrou no WT, aquele sentimento foi sendo administrado aos poucos, sabe? Para muitas pessoas que não estavam muito próximas do Gabriel, que não o acompanhavam há muito tempo, talvez tenham se surpreendido muito. Mas como estávamos desde 2008 com ele, a gente chegou em 2011 já sabendo que ele iria conquistar o título em algum momento. Estava eu e o Charles (Medina, pai do Gabriel) sentados, nos entreolhamos e dissemos: Vai ser quando? Fizemos então um planejamento de trabalho e, na verdade, aconteceu exatamente como planejamos.
O ESTÍMULO:
No primeiro ano de WT, comentamos com o Gabriel que a meta era se adaptar ao circuito, já que ele entrou na metade, coisa que ele fez muito bem, ganhando duas etapas seguidas. Terminou em 11º, 12º do circuito. No outro ano, foi também de adaptação, com muitos aprendizados, ele perdeu bastante porque também foi um ano das contusões. Até que chegou ao terceiro ano. Teve uma passagem interessante que aconteceu aqui (na Rip Curl), onde nos reunimos antes de começar com o trabalho nas etapas. Estávamos eu, o Gabriel e o Charles conversando sobre o que deu certo, o que não deu certo. Em 2014, no ano em que o Gabriel foi campeão do mundo, ele estava voltando de uma lesão no Havaí, tinha ido à Snapper Rocks, ainda não 100%. O Gabriel pouco participa dessas reuniões no showroom, ele fica mais quieto, só fala quando o Charles pergunta algo a ele. E aí estávamos projetando o que poderia acontecer naquele 2014, o que aprendemos nos anos anteriores, e falávamos que o Gabriel estava mais preparado para ser campeão neste ano. E que, agora, o jogo era pra valer. O Gabriel estava sentado, meio que olhando para o teto, e eu passei a pensar em uma forma em que ele pudesse se sentir desafiado. Foi quando falei para o Charles, inclusive: Esse ano de 2014 é o último ano se o Gabriel quiser ser o campeão mais novo de um circuito mundial. Na hora em que eu falei isso, vi a reação do Gabriel. Olhei para o rosto dele. Ele saiu de onde estava sentado, foi para uma outra mesa e percebi que ele ficou bem pensativo, que ele não havia se tocado desse ponto. Como o Gabriel é supercompetitivo, e caiu por si que ele poderia bater esse número histórico do Kelly Slater, vi que mexeu com os brios dele. Essa conversa, com certeza, influenciou muito na dedicação dele ao longo do ano. Ele batalhou muito para chegar a esse título, superar o Kelly. Muitas vezes para o Gabriel não bastava ganhar, era preciso ser o melhor, diferenciado, bater recorde. Acho também que o Charles encontrou essa forma de desafiar ele, motivar mais. Isso que ele conquistou e que vem conquistando não é nenhuma surpresa para nós. Ficamos agora só na torcida, vibrando muito, todos alegres. E tudo isso é uma satisfação para todos da empresa, essa sala aqui que estamos é em homenagem ao Gabriel Medina. Você pode ver que tem as pranchas, os troféus, as conquistas dele. Tem também a bandeira do Brasil, que virou a marca dele, quando saiu na final do Mundial daquele ano na mídia. As conquistas do Gabriel, inclusive, servem de inspiração para os funcionários da Rip Curl. Eu brinco que aqui é a sala da motivação e inspiração. Quando estamos com dúvidas sobre qual caminho devemos tomar, que decisões precisam ser feitas, vamos para essa sala. Porque é lá que veremos os troféus, todas as conquistas juntas. Tem também os vídeos dele aqui, para acompanhar. É um lugar para ter certeza de que tudo pode acontecer, superar.
GABRIEL INFLUENTE:
O Gabriel hoje é, enfim, um ícone mundial. Ainda acredito que um surfista brasileiro não tem a mesma influência que um surfista americano, ou um australiano, por exemplo. O surf está começando a criar esse estereótipo do brasileiro no esporte agora, assim como o Brasil ainda tem o estereótipo do jogador de futebol. Mesmo assim, a forma como o Gabriel surfa e como ele conquistou o título mundial, fez com que conseguisse alcançar milhares de fãs no mundo inteiro. Inclusive, ele é o surfista da atualidade com o maior número de fãs nas mídias sociais, mais até mesmo que o Kelly Slater. Seja pelos Estados Unidos, Havaí, você vai encontrar a imagem do Gabriel Medina nas lojas Rip Curl. Nos Estados Unidos e na Austrália, se utiliza frequentemente as imagens dele em campanhas e tudo mais. Como eu falei no início, o surf está cada vez mais globalizado. É claro que tem a regionalização e um surfista americano vai influenciar ainda mais no seu próprio mercado que um surfista brasileiro, e vice-versa. Mas o perfil do Gabriel tem poder de influência no mercado e também para os demais surfistas da nova geração.
NOVO GABRIEL:
Vamos continuar nessa nossa missão de recrutar, desenvolver e promover os futuros campeões mundiais. Estamos aí com um projeto já na sequência com o Samuel Pupo, que é o irmão mais novo do Miguel. Ele é a nossa nova aposta, já está demonstrando que vai seguir um caminho brilhante. Com 15 anos, foi eleito um dos melhores cinco surfistas da idade dele, busca agora seu espaço na elite mundial do surf. E a gente vai continuar buscando os futuros campeões mundiais onde quer que eles estejam. Além disso, também queremos continuar promovendo o surf, os eventos em desenvolvimento dessa nova geração, do surf pelo Brasil, garantir que os consumidores brasileiros vão ter sempre os melhores produtos, ao mesmo tempo em que tem a nível mundial. Sempre com qualidade e boa prestação de serviço. Também queremos dar sequência a filosofia da marca, que é como chamamos de surfista para surfista.
SAMUEL PUPO:
O Samuel, para mim, já é o grande nome do surf. Por muito pouco, ele não venceu a triagem em Bells (Rip Curl Bell Beach), acabou ficando em segundo lugar. Mas o pessoal da Rip Curl internacional já sabe quem ele é, procura saber mais sobre ele. Dentro do Circuito Mundial também já se comenta sobre ele. É um atleta muito determinado, com muita vontade de vencer, mesmo porque ele viu onde o irmão dele conseguiu conquistar, até mesmo o Gabriel Medina, já que os dois são muito amigos. O Samuel com certeza vai entrar na elite e terá boas chances de conquistar o título mundial, principalmente se ele mantiver essa trajetória que ele tem de comprometimento e desenvolvimento, de estar junto aos melhores surfistas do mundo. Não só eu, mas a própria mídia especializada vê que o Samuel Pupo é o próximo dessa geração Brazilian Storm, que está com grandes condições de dar continuidade a esse movimento de surfistas brasileiros.
PROFISSIONAL REALIZADO:
Me considero um profissional extremamente realizado. Estou feliz com tudo o que conquistei até agora. Vê que uma empresa segue a mesma linha de valores que eu sigo, que me dá condições de continuar desenvolvendo minhas capacidades e também de poder surfar, trabalhando com pessoas do mesmo meio ao qual estou. Mas acredito que ainda tenho muitas coisas para fazer. A Rip Curl, através da minha gestão, ainda poderá dar uma contribuição ainda maior para o mercado e o surf brasileiro. Temos essa responsabilidade não só com o mercado, mas também com os consumidores. Queremos continuar surpreendendo os clientes e os surfistas. Para isso, temos nosso slogan, que é “The search is endless”. Ou seja, a busca pelo melhor nunca termina.