O cara surfa muito. Esbagaçou as ondas sem dó e na hora de usar a cabeça para tentar a vitória não hesitou e trocou de tática, arriscando como poucos fariam numa decisão conjunta de campeonato e circuito brasileiro.
Leonardo Neves, 23 anos, bicampeão carioca (99 e 2000), é o novo campeão brasileiro de surf profissional, após sagrar-se campeão da sexta e última etapa do SuperSurf 2002, em ondas perfeitas de até 2 metros na Prainha (RJ).
A vitória de Léo já era esperada pelos admiradores do surf dele (inclusive este que vos escreve), mas o fato de enfrentar dois surfistas de ponta nas duas últimas baterias do campeonato – Mercelo Trekinho na semi e Peterson Rosa na final – poderia estragar a festa do carioca (e a nossa também).
Quero ressaltar que fiquei dividido entre ele e o paulista (meu conterrâneo) Eric Miyakawa, do Guarujá, o outro semi-finalista, que merecia muito o título. Isso porque qualquer um dos quatro finalistas que vencesse o evento seria também campeão brasileiro, um fato incrível e inédito na história do surf no Brasil.
Mas, já no dia anterior, poucos acreditavam que o Bronco deixaria escapar a chance de chegar ao menos na final. Contra Eric, na primeira semi, ele achou um tubo logo na primeira onda, e depois disso dominou a bateria até o final.
Eric ainda esboçou reação ao pegar uma direita, cavar com estilo e mandar um rasgadão com pressão, mas ela fechou e ficou nisso. Peterson foi somando com ondas menores e chegou a deixar o adversário precisando de uma combinação de notas para virar.
Ao sair da água, Peter foi cercado por crianças e fãs, que acompanharam o ídolo até o palanque, pedindo autógrafos e atenção do carismático surfista paranaense. Na outra semi, a água ferveu com dois dos maiores talentos do Brasil atualmente: Trekinho e Neves.
Léo abriu com uma boa esquerda, mandou dois batidões e começou a dominar a situação. Trekinho tentou responder com outra esquerda, mas não deu sorte na escolha de ondas e foi se distanciando cada vez mais do adversário. Logo estava selada uma final de peso no SuperSurf: Léo Neves contra Peterson Rosa.
A praia lotada e as ondas quebrando perfeitas davam o toque final para um desfecho memorável do melhor circuito nacional do mundo e, certamente, um dos melhores da história do Brasil.
Novamente Peterson abriu a bateria com um belo tubinho, mostrando que não desistiria tão fácil da vitória. Na terceira onda, uma direita de quase 2 metros, perfeita, dropou, cavou e estolou, pegando outro tubão. Nota: 8.5. Nesse momento, Léo entrou em combinação de notas e ficou precisando de 10.5 pontos para virar.
Muitos na praia achavam que ele estava liquidado, pois as séries já não eram tão constantes. Léo chegou a pegar uma esquerda e mandou um aéreo 360 na cara dos juizes, diminuindo a diferença. Mas, perdeu a prioridade e ficou numa situação delicada, já que Peterson não iria perder a prioridade em uma onda de baixa pontuação.
Para tentar uma reação, Léo mudou de tática e saiu remando para o outro lado do pico, longe inclusive das lentes da maioria dos fotógrafos e cinegrafistas. Logo veio uma esquerda com bom tamanho e ele mandou uma batida insana na junção, de backside, com muita pressão e velocidade. Tirou 7.5 e diminuiu a diferença.
De repente, uma série apontou no horizonte. Ele remou no direitão de 1,5 metros e apenas encaixou o corpo no interior da onda. Sumiu. Apareceu. O público delirou, ainda mais quando ele entocou de novo e finalizou com uma batida na junção. Nota: 10.
Porém, Peterson nunca deve ser subestimado, principalmente em situações como essa. Precisando de 9 pontos, ele achou uma direita buraco, dropou no vazio e instintivamente botou pra dentro, mas ninguém sequer cogitou a hipótese de ele sair. A praia quase veio abaixo quando, depois de alguns segundos, seu vulto surgiu na boca do tubo, já fechando.
Ele realmente não completou, mas se tivesse certamente teria virado a bateria. Pra selar a vitória, Léo Neves pegou outra boa direita e massacrou a onda com três batidas. Na primeira cavou reto e chutou a rabeta com raiva. Depois veio e mandou mais um batidão, jogando muita água pro alto, e finalizou com outra batida na junção, tirando 8.83 e liquidando a fatura contra o competitivo Peterson.
A final do SuperSurf, que em 2002 foi abençoado por Netuno e teve altas ondas em todas as seis etapas, marcou o início de uma mudança no surf brasileiro, em que realmente os melhores lideram o ranking e chegaram ao final da temporada com chances de se tornar campeões brasileiros.
A vitória de Leonardo Neves foi a vitória do power surf, da modernidade, da agressividade combinada com estilo e talento.
Confira entrevista exclusiva feita com o novo campeão brasileiro logo após a entrega de prêmios, na Prainha. Sem papas na língua, Léo conta como foi disputar uma final em ondas grandes e perfeitas contra Peterson Rosa, melhor surfista brasileiro do WCT 2002.
Léo, como foi decidir o título em ondas tão boas na Prainha?
Cara, eu dificilmente imaginaria um mar tão bom como estava nessa etapa. Deu ondas grandes, de até 2,5 metros, e não abaixou. Quando todos diziam que ia abaixar, continuou bom e com tamanho. Hoje ainda entrou o leste, com sol e praia lotada…
Você imaginava que iria conseguir o título brasileiro este ano?
Eu imaginava sim. Não perdi esse foco, pensei muito nisso durante todo o ano, me concentrei, mas procurei não me preocupar. E consegui atingir o objetivo.
Em algum momento você achou que ia ser difícil superar o high score do Peterson (após tirar um tubo nota 8.5)?
Não, acho que na verdade eu venci por causa daquela nota do Peterson. Foi isso que me obrigou a trocar de tática e ir para o meio da praia, longe dele. Não pensei duas e fui para o outro lado do pico, eu sabia que não ia adiantar surfar do lado dele, pois ele só ia perder a prioridade quando viesse uma onda muito boa. E foi o que aconteceu, peguei três ondas muito boas, melhores que as dele, e era o que eu precisava para vencer.
E o tubo da virada, como foi? (quando Léo tirou a nota máxima e levou a praia ao delírio).
Acho que foi bom, cara, foi irado (rs). A outra onda que peguei logo depois também foi animal, dei três manobras e tirei 8 e pouco (8.83), foi muito importante. Na minha opinião foram manobras bem mais difíceis de fazer do que o tubo. Nele eu só encaixei e deixei rodar, e fui abençoado.
Você já sabe que no ano que vem o campeão brasileiro correrá com uma camisa dourada, a “camisa de ouro”? (clique aqui para saber mais).
Não, eu não sabia disso, mas acho que ninguém deve ser valorizado mais do que o necessário. Na minha opinião, a camisa dourada não vai mudar em nada, é só uma camisa. Espero que não mude nada na minha cabeça e acho que nem precisava disso (rs), mas se é melhor pro marketing, vamos lá… Se Deus quiser no próximo ano uso de novo (rs).
E como vai ser a comemoração do título?
Hoje eu vou descansar, curtir a minha vida tranqüila, com meus filhos – Leonardo e Valentim. Vou comemorar com eles, e vamos comemorar por bastante tempo (rs).
Quais são seus planos para o próximo ano?
Quero me dedicar inteiramente ao WQS, correr o circuito inteiro, coisa que nunca consegui fazer, e tentar a vaga para o WCT, com o objetivo de ser campeão mundial. Acho que o Brasil está cada vez mais perto de conquistar esse título. E também vou dar um gás no SuperSurf, tentar ganhar essas Saveiros, que agora serão por etapa. Isso dá um incentivo legal.
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