Ele voa como as águias e brinca como os golfinhos

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#O brasileiro Gui Gama, morador de Bali há 15 anos, é aquele cara que se encanta em todos os momentos com as coisas mais simples da vida.

Ele é casado com Meidy, indonesiana empresária do ramo de confecções, e tem três filhos. Gama é dono de um estilo muito bonito de surfar e considera o outside Corner de Uluwatu como um templo, onde tira muita energia para lidar com o cotidiano da vida em Kuta.

Bati um papo com este amigo de infância, que voa de asa delta como as águias na parte mais selvagem de Bali, os cliffs da parte Sul, e brinca como os golfinhos nas águas da península da ilha de Bali.

#Quantas vezes você já viajou a Bali?
Moro em Bali há 15 anos, mas passo os meses de dezembro e janeiro no Rio de Janeiro, aproveitando as festas de fim de ano para matar as saudades da família, dos amigos e das muitas coisas boas que a cidade do Rio ainda tem para oferecer – apesar dos muitos problemas que pioram a cada ano que passa. Além disso, fujo um pouco da estação de chuvas aqui nessa época do ano.

O que te fez ir a Bali pela primeira vez e quando isso aconteceu?
Nos meses de junho e julho de 87, consegui fazer bons trabalhos de publicidade que renderam uma boa grana. Com esse dinheiro no bolso, resolvi aceitar a sugestão de alguns amigos mais chegados para conhecer a ilha de Bali, apostando que iria gostar das ondas e de tudo mais que a ilha tinha a oferecer para uma pessoa com meu estilo de vida. Nessa época, raramente saia de São Conrado (RJ), onde voava diariamente de asa delta, com patrocínio de uma multinacional. Depois de vencer dois campeonatos de vôo-livre em dois meses, resolvi tirar férias do esporte e do trabalho para voltar ao surf, que eu havia deixado um pouco de lado por causa do vôo.

#Qual o seu pico de surf favorito na ilha?
Meus picos preferidos são vários! Mas acho que Uluwatu pode ser citado como o favorito, pela freqüência quase diária de ondas boas e também pelo fato de a bancada aceitar bem todas às condições de tamanho e marés. Em Uluwatu existem vários tipos de ondas diferentes, sendo que o Corner é a melhor delas. Mas, para quem quer
surfar sem crowd, o Bommie e Temples são duas boas opções por lá, sobretudo nos dias maiores. A beleza do lugar também é única, já que o acesso as ondas é feito através de uma caverna, que nas marés médias e baixas permite o acesso a uma pequena praia localizada no pé do cliff. Padang, Kuta Reef e Medewi são ondas que eu também gosto muito, apesar de os dois primeiros estarem sempre crowd nos dias melhores.

Qual é seu pico favorito na Indonésia?
É difícil escolher um. Acredito que G-Land seja o lugar onde se consegue pegar mais ondas numa temporada de uma semana. Mas, se eu tiver que escolher um lugar na
Indonésia, esse lugar é Uluwatu, na ilha de Bali, onde posso pegar muitas ondas pela manhã antes do crowd chegar, posso voltar para trabalhar, e ao fim do dia, ir ao Corner e dormir no conforto de casa. No ano passado, fui às ilhas Mentawaii pela primeira vez em companhia de alguns amigos de infância, com quem vivi os tempos maravilhosos de aprendizado de surf no Leblon e os meus primórdios tempos no esporte em meados dos anos 70. Viajar para o arquipélago das Mentawaii com esses amigos num barco com todo conforto foi sem dúvida uma das melhores coisas que já curti na minha vida de surfista. Acredito que a melhor área de surf do planeta possa ser o arquipélago das Mentawaii, sobretudo quando se passa dois ou três dias num pico perfeito, só você e seus melhores amigos, surfando até à noite. Mas, como o pico de surf preferido na Indonésia cito Uluwatu!

Qual foi sua sessão de surf mais memorável e com quem você estava no mar?
Depois de 15 anos surfando em Bali, com muitos amigos em tempos e situações maravilhosamente distintas, fica muito difícil ou mesmo impossível responder a essa pergunta. Acredito que as melhores sessões de surf sejam aquelas que combinam ondas perfeitas e só amigos na água, o que permite ver e pegar a onda sem disputá-la. Apesar de raro, isso ainda é possível por aqui, sobretudo para quem conhece bem as condições do mar e marés e consegue madrugar. Para mim, todas as sessões de surf com os amigos nessas condições são igualmente memoráveis, seja de manhã cedo ou durante o pôr-do-sol. A ida de barco a Uluwatu nos dias de swell para o surf no outside Corner é uma das melhores coisas no surf em Bali, já que depois de altas ondas, a volta pra Kuta acontece no quase sempre lindo pôr-do-sol balinês.

O que você vê para o futuro da ilha daqui em alguns anos?
Não sou otimista em relação a Bali de um modo geral. Talvez pelo fato de estar vivenciando diariamente o crescimento absurdo e desordenado que acontece aqui, principalmente, nesses últimos anos, após a grande crise seguida à queda do presidente Suharto. Levando-se em conta que Bali é hoje um oásis de paz e prosperidade no arquipélago indonesiano cheio de conflitos étnicos e religiosos, a perspectiva de aumento populacional aqui tende a continuar nesse ritmo e possivelmente até mesmo aumentar, e isso, de um modo geral, não pode ser bom, se comparado a Bali anteriormente. A população de Java, ilha vizinha a Bali, é de 200 milhões de habitantes, sendo que 60% da população se encontra abaixo da linha de pobreza e isso faz com que grande parte dessa população se mude para cá em busca de trabalho e melhores condições de vida. Isso a médio e longo prazo pode causar uma série de problemas inerentes a qualquer lugar superpopuloso em que o conflito de interesse aconteça, sobretudo entre povos de tão diferentes costumes e credos. Um exemplo disso é o fato de que nos últimos dois meses, duas agências diferentes de um mesmo banco foram assaltadas à mão armada aqui em Kuta e Denpasar, lugares turísticos de grande movimento. Isso é comum, sobretudo nas grandes cidades do Brasil como São Paulo e Rio de Janeiro, mas é um fato inédito por aqui, que mostra bem as conseqüências do crescimento populacional e os problemas que isso traz. Mas apesar de qualquer coisa, adoro essa ilha e vou ficando por aqui torcendo que continue bom do jeito que está.

Dê uma dica para o pessoal que chega em Bali pela primeira vez.
São muitas dicas, mas talvez a mais importante para os surfistas, que são na grande maioria brasileiros, talvez seja saber se comportar na hora de pegar a onda. Caso contrário, ele pode sentir a péssima sensação de estar em Bali de férias e ficar proibido de pegar ondas em Uluwatu ou em outro pico qualquer. Também é importante não alugar moto, caso não tenha muita prática, e mesmo tendo, é preciso tomar muito cuidado. Não troque dinheiro em qualquer lugar para não ser enganado e ande sempre com dinheiro trocado para não perder tempo na hora de pagar. Não pague hotel nem carro adiantado, já que as opções são muitas. Evite fazer compras nos primeiros dias, pois o mesmo produto será visto novamente com melhor acabamento e melhor preço. Visite o interior da ilha em vez de ficar só na beira do mar. Isso vale para os surfistas também nos dias em que o swell abaixa. Bali tem muito mais a oferecer além das ondas e vale a pena conferir, já que a viagem custa caro.