Leitura de Onda

Enfim, o ouro

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O Japão marcará a estreia do surfe nos Jogos Olímpicos. Foto: Tato Bonfim.

 

O Brasil beliscava, domingo, seu último ouro na Rio 2016, com a heroica campanha do vôlei masculino, enquanto o líder Matt Wilkinson se esfolava para passar da repescagem em ondas estranhamente minúsculas de Teahupoo, na prova que talvez seja a mais aguardada da elite do surfe mundial.

Daqui a quatro anos, em Tóquio, o surfe sairá da lista dos esportes cujos circuitos mundiais ignoram a fantástica agenda olímpica. Na próxima edição, estamos dentro da festa, para alegria de muitos e desespero de outros tantos.

A despeito de a inclusão soar artificial a alguns amigos puristas, é óbvio que o surfe na maior festa do esporte mundial é um inesquecível presente.

Quem é contra, teme a excessiva popularização do esporte e, sobretudo, a perda de identidade de um esporte que nasceu rebelde.

O universo overcrowded do esporte já é uma realidade. No enorme balaio de modalidades dos Jogos Olímpicos, o espaço dedicado ao surfe não me parece suficientemente grande para redimensionar a este ponto o esporte. Na festa do Rio de Janeiro, 306 provas valeram medalhas, distribuídas por 42 modalidades olímpicas.

Esgrima, Badminton, Tiro e outras modalidades estão lá desde sempre e nunca se transformaram. O tênis, esporte com enorme força fora dos jogos, vive feliz com a chancela olímpica – mas não sentiria se não estivesse dentro.   

O surfe não está num extremo nem noutro. Tem um nicho de público fiel, que sobreviverá em qualquer circunstância, mas a inclusão ajudará, sim, a modificar a percepção das pessoas sobre um esporte originalmente rebelde.

O pedagogo Pierre de Coubertin, símbolo do espírito olímpico, sonhava educar os jovens pelo desporto. O surfe, pelo menos na sua expressão natural, não tem, pelo menos historicamente, pretensão pedagógica. Ao contrário, por muitas décadas, foi arma da molecada contestadora, que sonhava demolir os castelos de disciplina erguidos nos esportes olímpicos. Era o caminho das ovelhas negras.

Mas o mundo gira, não para. Os novos ídolos do esporte no Brasil – e no mundo – não querem subverter valores. Seus pais não são repressores – pelo contrário, muitas vezes são (ou foram) também surfistas. A molecada que domina o esporte ainda gosta do que os outros jovens gostam, mas isso não os faz diferentes de outros. São atletas tão disciplinados quanto nossos medalhistas mais esforçados.

Façamos justiça: a vitória do surfe olímpico deve ser creditada à ISA (International Surfing Association) e ao incansável Fernando Aguerre, presidente da entidade, que entrou nessa luta quando quase ninguém acreditava.

Tenho lido sobre as possíveis consequências da inclusão do surfe como esporte olímpico na formação de atletas de base. Confesso que tenho algum ceticismo diante dessa possibilidade. Sim, provavelmente entraremos em bolsas, programas e fundos de desenvolvimento restritos a essas modalidades – de onde sempre fomos excluídos – mas não sei se a verba (partilhada por dezenas de confederações) seria suficiente para transformar o esporte. Mais fácil retomar o caminho original.

A geração da Tempestade Brasileira, que certamente terá representantes em Tóquio 2020, foi formada em competições amadoras oficiais, em circuitos de base bancados pela indústria do surfe e nas equipes de empresas que ainda apostam no esporte. É perfeito? Não, muito longe disso. Ainda temos sérios problemas na formação de atletas, acompanho o desespero de quem forma as novas gerações. Mas foi esse esforço coletivo, vindo de todos os lados, que levou o país ao topo do esporte.

Não, não foi acaso.

Alguns favoritos ao título de Teahupoo e da temporada do WCT 2016, como Gabriel Medina e John John Florence, provavelmente estarão em Tóquio em busca de um inédito ouro. Não por acaso, são dois surfistas com perfil encaixado na lógica olímpica – são disciplinados, dedicados e esportistas.

O velho Coubertin teria orgulho de vê-los na água. Talvez até desse umas remadas e, quem sabe, mudasse um pouco o espírito dos jogos.  

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".