Muitos aspirantes à carreira de atleta passaram pelo dilema da escolha da profissão. Este ponto crucial geralmente coincide com a mudança do amadorismo para o profissionalismo, ou seja, vestibular e o ingresso em uma faculdade (está aí um dos fatores da importância dos estudos paralelos quando surfista amador).
Clique aqui para ver as fotos
Comigo não foi diferente, sorte que me dei bem na escolha que fiz. Ufa! O ex-competidor Paulo Veloso, mais conhecido como “Smurf” em sua época de amador, optou por seguir os estudos e entrou na faculdade de arquitetura.
Smurf poderia ter ido bem surfando profissionalmente, quem sabe? Seu surf era estiloso, batidas radicais e rasgadas que jogavam água, apesar de sua estatura franzina na época. Mas ufa, também se deu bem na sua escolha.
Paulinho tornou-se um arquiteto de mãos cheias e fui um de seus clientes no início. Se ralou no passado deixando as ondas momentaneamente de lado em muitas horas, mas hoje colhe os frutos e concilia duas sessões de surf semanais.
Claro que se os reefs pernambucanos estiverem quebrando, ele sempre arrumará um jeito de acordar na madrugada para pegar o terral. Vez ou outra, uma viagem internacional entra no seu cardápio.
Por coincidência, quando entrei em contato com Smurf para este bate-papo, ele estava justamente no North Shore havaiano, na companhia do seu amigo e conterrâneo Carlos Burle. De “pés cheios” e cabeça feita, vieram as respostas a seguir:
Como que você parou em cima de uma prancha?
Eu morava em Olinda e sempre queria fazer tudo o que meu irmão mais velho fazia. Por volta de 1982 ele começou a surfar, daí comecei também, primeiramente com pranchas de isopor, depois com pranchas de fibra.
E como virou competidor?
De Olinda nos mudamos para Piedade, coincidindo com a fundação da Associação de Surf de Pernambuco, na época, e daí os primeiros circuitos. Me lembro que era uma ebulição naquele momento, com vários clubes de surf, competições locais, regionais. e eu no bolo.
Chegou a correr eventos profissionais no Brasil?
Não. Competi nos circuitos amadores da ABRASA (Associação Brasileira de Surf Amador). Hoje a entidade chama-se CBS, apenas. Cheguei a ser campeão pernambucano amador na categoria Open, em 1990. Isso coincidiu com meu ingresso na Faculdade de Arquitetura, e daí em diante fui me afastando das competições.
Na arquitetura, qual foi o processo?
O processo iniciou-se cedo, durante o período da graduação ainda, pois me envolvi ao máximo com o curso, participei de vários congressos e workshops, estagiei em bons escritórios de arquitetura. Daí quando me formei já estava inserido na profissão, e contratado no escritório de Roberto Montezuma, Cátia Avellar e Glicia Fernandes, um excelente time de Recife.
Depois, naturalmente, foram surgindo meus primeiros clientes, entre eles você e Geraldinho Cavalcanti (organizador de eventos no Norte-Nordeste). Assim fui aos poucos me organizando e abri meu próprio escritório com dois amigos de faculdade: Henrique Sposito, também surfista, e Evelyne Labanca.
Teve o lance de deixar de ser surfista para seguir alguma profissão? Tu pensava em ser atleta profissional?
Claro que pensava! Mas era pura emoção, e na época meu pai teve grande importância nessa escolha. Com sabedoria, mas sem aliviar muito, ele me fez ver que eu era um bom surfista, mas não era o meu perfil ser competidor. Me fez ver que com o passar dos anos sendo um bom arquiteto eu estaria alcançando sempre maiores realizações sem deixar de pegar onda.
Na época, com 18 anos, foi um pouco difícil pra minha cabeça, mas eu também sabia que no fundo era esse o meu caminho. E é exatamente isso que eu vivo hoje. Tanto que estou de férias na casa do Burle, no Hawaii, pegando onda, curtindo bastante, e minha equipe está cuidando dos meus projetos no Brasil. Cada viagem que faço, seja surf trip ou não, é uma realização grande pra mim.
Você é um arquiteto requisitado. Como foi o processo de aceitação, chegando a fazer projetos em outros extremos do país?
Olha Fabinho, foi tudo muito natural e aos poucos. Eu não acredito muito em resultados instantâneos, em mídias mágicas para se tornar conhecido e requisitado. Acredito que a melhor propaganda é o cliente satisfeito, que te chama de novo para fazer outro projeto e te indica para outros clientes. Daí você vai atendendo bem e a cadeia vai aumentando. Eu realmente fiz alguns projetos interessantes fora de Pernambuco, em estados como RJ, SP, SC, AL, CE, BA, RN, PB e também fora do país, em Angola. Tudo fruto de reconhecimento e convite dos próprios clientes.
Algum trabalho seu que queira destacar?
Destacaria o Gungaporanga Hotel, que fiz em Alagoas, inaugurado há pouco mais de 1 ano.Tem vários outros, várias casas e inclusive surf-shops, e todos estes trabalhos podem ser vistos em meu website Paulo Veloso.
Algum link entre as viagens e a arquitetura? Como as trips influenciam e influenciaram o seu trabalho?
Bem, o link é total. Na verdade é um link mais amplo entre a vida e a arquitetura, entende? As viagens enriquecem a vida, a sua cultura, o seu entendimento de mundo e obviamente isso reflete na sua profissão. Eu ando pelo mundo com as antenas ligadas, ora mais focado na arquitetura local, ora nos costumes, nas maneiras diferentes de ver o mundo.
Isso me enriquece pra caramba e alimenta o meu processo criativo nos projetos de uma maneira importante e especial. Por exemplo, agora no Hawaii, tirei um dia sem ondas e fui visitar umas casas em Kailua e em Honolulu, no Kahala, ali por trás de Diamond Head. Encontrei elementos interessantes, que já uso em meus trabalhos, que dizem respeito à altura dos beirais das cobertas, a escala residencial, o aconchego, o uso de materiais locais, a percepção de materiais e texturas diferentes. Enfim, a cabeça não para e se apropria de tudo que pode somar.
Qual a frequência do seu surf?
Velho, poderia ser melhor, mas minha frequência é de duas vezes por semana.
E das viagens?
Uma trip por ano. Mas às vezes pode ser uma trip sem surf. Por exemplo, ano passado fui a Madri, San Sebastian, Zarautz, Viena, Praga e Berlim. Era verão na Europa e no litoral da Espanha estava um flat estilo Lagoa do Abaete.
Onde surfou suas melhores ondas no mundo?
Peguei boas ondas em Angola, França, Portugal, Peru, Tahiti e Hawaii. As minhas melhores ondas foram sem dúvida nestes dois últimos.
E no Brasil?
Fernando de Noronha e os reefs de Pernambuco.
Como é a música em sua vida? Tu num toca nada, safado? Nem caixa de palito de fósforo?*
Brother, adoro música, trabalho muitas vezes ouvindo música, gosto de acordar ouvindo música. Adoro Bob Marley, Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Led Zeppelin, Nação Zumbi, Eddie, Siba, obviamente. Aliás, além de bom músico, Siba me conectou ao surf, e é um grande espelho para mim. Enfim, boa música. E quanto a tocar, eu tiro onda com uma gaitazinha fuleira em casa. De resto eu só toco fogo (risos)!
*Veloso é irmão do musico Siba, do extinto grupo Mestre Ambrósio, hoje em carreira solo e acaba de lançar seu novo CD, chama-se “Avante”.