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Expedição Rio Itapanhaú – Bertioga

Willian Ramos - Travessia Bertioga. Foto: arquivo pessoal

Por Willian Ramos

Eram 8 h da manhã do dia 01 de junho quando dei início, sozinho, ao roteiro de 25 km pelo rio Itapanhaú em direção ao canal de Bertioga, com meu stand up race 12’6’’ já equipado. O dia estava perfeito! Sol e céu azul. Um beijo de boa sorte na minha namorada, que me deu todo apoio necessário ao projeto, e logo começavam as primeiras remadas nas águas calmas do rio.

Mas o planejamento para aquele momento tinha começado meses antes. Talvez até anos.

Sou Físico de formação e atuo como professor de pré-vestibular já há 15 anos. Mas, mais antigo que isso, é minha paixão pelos esportes na água, que começou ainda quando meu pai me presenteou com minha primeira prancha de surf aos meus 11 anos. O SUP apareceu na minha vida há pouco mais de um ano, mas me conquistou desde a primeira remada. A oportunidade de estar no mar, num rio, numa represa, envolvido por diferentes paisagens, condições e sons, dependendo quase exclusivamente da minha preparação física e mental, foram algumas das coisas que me fizeram escolher o SUP como estilo de vida. Desde então, tenho participado de todas as competições, travessias e passeios que posso. Além disso, venho me preparando e me planejando para roteiros cada vez mais longos, desafiadores e, certamente, deslumbrantes.

A ideia de percorrer um trecho tão longo do rio Itapanhaú, nasceu daí.

Comecei procurando no Google Earth um rio que tivesse fácil acesso e um bom pedaço longe de cenas urbanas, até para evitar poluição. Encontrei o Itapanhaú, que nasce bem próximo da rodovia SP-092 (não asfaltada) em Biritiba-Mirim, ainda a aproximadamente 750 m de altitude, e que segue até Bertioga onde deságua no Atlântico. O rio tem um percurso de cerca de 40 km e é o rio mais extenso do litoral paulista.

Fiz uma análise cuidadosa de todo o trecho a ser percorrido, pesquisando fotos do local, possíveis pontos de apoio e medindo a distância total no Google. Verifiquei o melhor acesso ao rio incluindo uma visita prévia ao local para verificar as condições da saída. Nos arredores do rio existem muitas propriedades particulares e isso poderia atrapalhar a entrada nele. Fui também até a balsa de Bertioga para ter uma noção de como seria o percurso através do canal, por entre os barcos, até a chegada ao Forte de São João na praia da Enseada.

Como estaria sozinho o tempo todo, sem barco de apoio, era importante me cercar de cuidados para evitar apuros.

Já tinha participado de provas de SUP de 8 km, e estava acostumado a remar distâncias de até 12 km, em quase 2 horas, nos meus treinos de rotina. Mas seria a primeira vez que remaria por 25 km. Estimei que levaria 5 h no máximo para fazer o trecho completo e entendi que precisaria levar comigo alguns mantimentos pra aguentar a longa jornada. Como não poderia correr o risco de encharcar minhas coisas, comecei a pesquisar sobre sacos-estanque e encontrei alguns modelos de 13 litros que seriam suficientes.

Quando saí naquela manhã, já tinha me alimentado bem com frutas e pães, para ter uma boa reserva de carboidratos, necessário para evitar fadiga muscular (especialmente câimbras), o que tende a ocorrer em exercícios de longa duração. No stand up carregava comigo:

– saco-estanque 13 litros preso com uma “aranha” elástica (usada por motociclistas)

– 5 sachês de carboidrato gel, 100 g de frutas secas, uma maçã e bananinhas

– mochila de hidratação com 1,5 L de água (mais uma garrafa de 1,5 L no saco-estanque)

– óculos de sol e protetor solar

– máquina fotográfica e GoPro

– celular, bússola e mapa do trajeto

– Araldite de secagem rápida para algum conserto urgente da prancha

Com tudo o que levava, meu saco-estanque estava com uns 3 kg. Atentei-me ao peso para não prejudicar a perfomance do stand up, que sabidamente flutua menos em água doce. Resolvi não levar leash para evitar que ele prendesse em algo na água.

Nos primeiros 2 km, passando ainda pelo trecho do bairro que está nos arredores do rio, percebi que a água estava bastante escura e com muito lixo nas encostas. Até com um cheiro forte. Notei que havia lançamento de esgoto in natura em alguns locais, mostra do precário saneamento básico na região.

Passado esse primeiro trecho, entrei numa parte muito preservada do rio. Remei por quilômetros sem sinal de casas. Raramente encontrava um grupo de pescadores atentos aos peixes que pulavam sem parar. Pássaros de várias espécies coloriam o ambiente ao redor. Estava passando por uma parte grande de manguezais intactos, onde se refugiavam uma grande quantidade de caranguejos, quando avistei uma cobra amarelada nadando tranquilamente de um lado ao outro do rio. Ela passou bem perto de mim, chegando a afundar e passar por debaixo do stand up.

Como o rio faz muitas curvas, tive o prazer de avistar a grandiosa Serra do Mar de vários ângulos diferentes. Descobri algumas cachoeiras cravadas no coração da Mata Atlântica, e pensei na dificuldade das trilhas que poderiam levar ate lá. Quem sabe um roteiro para uma próxima expedição…

Já próximo do Porto de Itatinga, passei por uma pequena área com sambaquis, que são sítios arqueológicos representativos da ocupação indígena do nosso litoral.  Do Porto de Itatinga sai um bondinho elétrico que leva a Vila de Itatinga, onde fica uma das mais antigas usinas hidrelétricas do país, fundada em 1910, e que abastece com energia elétrica o Porto de Santos até hoje.

A partir dali foram mais 2 km até passar por baixo da ponte da rodovia Dr. Manoel Hipólito Rego (SP-055) e começar a me sentir próximo do canal de Bertioga. Neste trecho o trânsito de embarcações de pequeno e médio porte, incluindo jet-skis, é intenso. É preciso ter cuidado.

Como a maré estava vazando, a correnteza no rio estava muito favorável e apesar do forte vento contra em alguns momentos, o stand up deslizava veloz a cada remada. Tive a preocupação de avaliar a tábua de marés para aquele dia e horário, pois não desejava pegar correnteza contra justo no últimos quilômetros onde estaria mais cansado.

Quando passei a última curva do rio e pude avistar os barcos no canal com a praia longe ao fundo, senti um misto de ansiedade e tranquilidade. Estava prestes a terminar um grande desafio. Não um desafio imposto por alguém, mas por mim mesmo! Remadas cada vez mais fortes chamavam a atenção de quem me via passando por ali. O esgotamento físico não superava a alegria de ter sido, provavelmente, o primeiro a percorrer de SUP um trecho tão longo daquele belíssimo rio.

Aportei no Forte de São João, já na praia da Enseada, e fui recebido pela minha namorada que estava registrando minha chegada.

Foram 4,5 h de remada embaixo de um sol forte de um típico veranico paulistano. O visual do percurso ficará para sempre na minha memória. E a experiência de tê-lo feito, me ajudará a planejar outras trips como essa.

 

 

 

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