Fábio Gouveia enfrenta bateria de perguntas

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Gouveia e o tubo da vida em Teahupoo, Tahiti. Foto: Alex Berger.

Uma das marcas do atleta é o estilo inconfudível. Foto: Pierre Tostee/ASP World Tour.

Atualmente, Gouveia está na vigésima oitava posição no WCT. Foto: Ricardo Macario.

Fabinho se atira numa grande em Pipeline. Foto: Juninho.

Fabinho, sua esposa Elka, Álfio Lagnado e o filho do casal Igor. Foto: Site Fábio Gouveia.

A nova diversão de Fabinho. Foto: Site Fábio Gouveia.

O atleta é antenado na Internet, que usa para se comunicar com a família e atualizar seu site. Foto: Site Fábio Gouveia.

Elka e a filha Ilana: Site Fábio Gouveia.

Fabinho costuma levar a família em boa parte das viagens pelo mundo. Foto: Site Fábio Gouveia.

O atleta é sempre assediado para dar autógrafos. Foto: Site Fábio Gouveia.

Fabinho e a tropa toda num evento na Paraíba. Foto: Chico Padilha.

Gouveia e Guga Kuerten no Hawaii. Foto: Site Fábio Gouveia.

Elka, Fabinho, Álfio, Teco e Gabriela Padaratz. Foto: Site Fábio Gouveia.

 A esposa de Gouveia é ex-competidora de bodyboard. Foto: Site Fábio Gouveia.

Fabinho esteve diversas vezes entre os cinco melhores surfistas do Brasil, em eleição realizada pela revista Fluir. Foto: Site Fábio Gouveia.

Seqüência de Gouveia publicada na revista norte-americana Surfing. Foto: Site Fábio Gouveia.

Gouveia e o quiver básico de pranchas. Foto: Site Fábio Gouveia.

Fabinho vai atrás das ondas em Pernambuco com seu surfmóvel. Foto: Site Fábio Gouveia.

Os finalistas do prêmio melhor surfista da revista Fluir. Foto: Site Fluir.

O paraibano se amarra em Chico Science. Foto: Site Fábio Gouveia.

Fabinho Gouveia arrebentou na França e faturou o Challenge da O Neill. Foto: ASP Europe.

Gouveia mostra classe no Backdoor de Pipeline. Foto: Juninho.

O Fia checa as ondas em Waimea. Foto: Ricardo Macario.

Um dos lugares preferidos para aperfeiçoar sua técnica em ondas grandes é Teahupoo, Tahiti. Foto: Pierre Tostee/ASP.

Fábio (à esquerda), com o troféu de campeão do Mundial Amador em 88, e Rodrigo Resende, terceiro colocado no evento. Foto: Reprodução do livro a História do Surf no Brasil.

Segundo Gouveia, essa foto em Sunset foi a melhor foto em sua carreira. Foto: Divulgação Hang Loose.

A Baía Formosa, localizada na divisa da Paraíba com o Rio Grande do Norte, foi onde Gouveia desenvolveu sua técnica. Foto: Reprodução do livro a História do Surf no Brasil.

Fabinho e seu pai Marcos Lúcio. Foto: Reprodução do livro a História do Surf no Brasil.

Para inaugurar a seção “Perfil” do site Waves trazemos uma entrevista exclusiva com Fábio Gouveia, considerado um dos maiores surfistas brasileiros de todos os tempos.

 

O paraibano encarou uma bateria interminável de perguntas e o resultado está aí para a galera que sempre pediu uma grande reportagem sobre a carreira dele.

 

Depois de sair do anonimato em 86, quando foi um dos destaques da categoria Amador do OP Pro, Fabinho comprovou as expectativas e deixou sua marca na história com a vitória no Mundial Amador de Porto Rico, em 88.

 

Daí para o Circuito Mundial foi um pulo. Já em 88, quando o circuito era disputado em outro formato, ele figurava entre os melhores do mundo.

 

Em 92 aconteceu o

desdobramento do Circuito e foram criados o WCT e WQS, primeira e segunda divisões dos campeonatos da ASP (Association of Surfing Professionals).

 

De lá para cá são 14 anos de estrada.

 

No total, o atleta figurou 10 vezes entre os Top 28, sendo que em 92 obteve seu melhor resultado, a quinta colocação.

 

Além de experiência e muitas vitórias, ele acumulou uma boa grana de premiação – cerca de US$ 500 mil – sendo considerado um dos surfistas que mais dinheiro embolsou no Tour.

 

O pior momento na carreira de Fabinho foi quando ele perdeu a vaga na elite, o WCT, em 97.

 

Muitas pessoas acharam que já tinha dado para ele, que acabou fazendo prevalecer o ditado de quanto mais velho, melhor.

 

Gouveia precisou de dois anos para recuperar – em grande estilo – seu posto entre os melhores surfistas do planeta e afirma que essa saída contribuiu para que ele ainda esteja na elite.

 

De quebra, para não deixar dúvidas sobre a boa fase que passou quando conseguiu a reclassificação para o WCT, ele conquistou também o título do WQS e do Circuito Brasileiro Profissional – que ainda não havia ganho.

 

“Em 92, eu estava no auge, mas faltava experiência e coragem em ondas grandes”, admite Fabinho, que agora se sente preparado para dropar as maiores, somando 14 temporadas havaianas no currículo.

 

“Não quero ser big rider, mas quero estar pronto para qualquer situação durante uma prova do WCT”, afirma determinado.

 

Nesses anos de Tour, Gouveia conquistou o respeito dos atletas gringos e arrancou elogios de atletas como Sunny Garcia e Kelly Slater. Muitos atletas estrangeiros, inclusive, podem ser vistos assistindo as baterias do paraibano.

 

No Brasil não poderia ser diferente. Reconhecido pelos brazucas, ele foi eleito o melhor surfista do Circuito Brasileiro Profissional em 2001, de acordo com pesquisa do Data Surf.

 

Na mídia brasileira, além do destaque nas revistas especializadas, o surfista abriu sua casa, localizada na Baía de Maracaípe (PE), em 98, para a revista Caras.

 

Confirmando o prestigio, Jô Soares também já o recebeu entre seus entrevistados em seu programa exibido pela Rede Globo.

 

Constantemente, ele é comparado ao tricampeão mundial Tom Curren, por conta de seu estilo polido.

 

Realmente sua maior fonte de inspiração é seu ídolo Curren, mas ele também cita nomes como Brad Gerlach e Picuruta Salazar, entre os surfistas que procurou se espelhar.

 

Além do estilo, uma das marcas registradas do surfista é o carisma e a simpatia.

 

Gouveia está sempre com um sorriso estampando no rosto.

 

A única coisa capaz de tirar esse sorriso é a saudades da família quando compete no exterior.

 

Casado com Elka Roichman, ele tem três filhos: Igor, Ian e Ilana, que, diga-se de passagem, já curtem deslizar sobre as ondas.

 

Fabinho é natural de Bananeiras, município localizado no Estado da Paraíba, e vem de uma família de classe média, sendo o pai engenheiro agrônomo, agora aposentado, e a mãe professora.

 

Confira a entrevista com o surfista,  também conhecido como Fia ou Tuií, e saiba mais sobre a carreira desse brasileiro campeão.


Na última etapa do WCT em Teahupoo, Tahiti, você afirmou que pegou o melhor tubo da sua vida. Depois de viajar por tantos lugares e surfado tantos picos, dá para afirmar que aquele tubo foi realmente o melhor?


Foi. Aquela foi a onda da minha vida e logo que saí do tubo estava em estado de êxtase. Foi impressionante e senti tudo muito rápido. Tanto é que até saí do mar e fiquei curtindo o dia inteiro o tubo na memória.

 

Quais lugares mais fazem sua cabeça para pegar onda?

 

Indonésia é demais. São as ondas mais longas e perfeitas do planeta. No Tahiti, a onda de Teahupoo diz tudo sobre o lugar. Adoro também o Hawaii e sempre passo o natal e a virada do ano por lá. No mais, me amarro quando surfo no litoral pernambucano, que também tem altas ondas.


E as trips?

 

Hoje em dia as trips para competições são também viagens de free surf, pois lugares como Tavarua (Fiji) e Jeffrey’s Bay (África do Sul) têm ondas perfeitas e o surf acaba sendo muito mais prazeiroso, a ponto de passar por cima de qualquer nervosismo de bateria. Antes, o Circuito Mundial rolava mais na marola e sempre tinha uma praia em que a onda era muito ruim.

 

Como você começou a surfar?  

 

Sempre gostei de esportes e de praia. Morava em Belo Horizonte (MG) e quando tinha uns 10 anos retornei a João Pessoa e meu pai me deu uma prancha de isopor depois de eu pentelhar muito. A primeira tentativa em ficar em pé na prancha foi conseguida e a sensação da velocidade me cativou no primeiro momento. Também venci o primeiro campeonato que participei e isso foi um grande incentivo.

 

Você vem de um Estado sem muita tradição no surf. Como é isso?


Na Paraíba havia muitos surfistas bons na época em que eu comecei, tanto é que tinha vários ídolos. Só que era muito difícil para aquele pessoal se locomover para os eventos no sul e por isso não tiveram a mesma chance que tive. Talvez, se tivessem mais apoio na época poderíamos ter tido tradição em nível nacional.

 

Como foi sair do anonimato durante o OP Pro Amador de 86?


Foi um lance muito legal. Ali foi o pontapé inicial, pois retornei à minha cidade com uma boa colocação e este resultado foi um retorno para os que acreditaram em mim.

 

Quando conquistou o título brasileiro amador em 87, por que você quase desistiu de disputar o Mundial Amador, que aconteceu no ano seguinte?

 

Quase desisti de disputar o Mundial Amador porque naquela época havia uma certa politicagem em cima dos surfistas do nordeste e a equipe não tinha um patrocinador fixo até um mês antes do embarque.  Mesmo tendo ganho o circuito, não tinha certeza de que eu iria para o mundial por esses motivos e estava decidido a me profissionalizar na primeira etapa do Circuito Profissional de 88, no Quebra Mar, na Barra da Tijuca (RJ). Caso tivesse passado para o evento principal, com certeza teria virado profissional. Minha salvação foi o surfista Léo Trigo, que me colocou em interferência e acabei perdendo a bateria que iria decidir meu futuro. Que sorte, hein?!


E a vitória no Mundial Amador de 88 em Porto Rico? Ela praticamente “gritou” para o mundo que os surfistas brasileiros existiam e tinham chances de chegar junto dos norte-americanos, australianos e havaianos. Como essa conquista repercutiu na época? Como foi sua trajetória no evento? O que mudou com essa conquista?


Fui para Porto Rico no intuito de adquirir experiência, pois nunca tinha saído do Brasil e nem imaginava o que me esperava por lá. Não fui com um equipamento muito adequado, mas fui evoluindo no decorrer da prova. No final já estava familiarizado com a situação e tudo se encaixou para que eu ganhasse. Aquela vitória foi sem dúvida meu maior marco, pois serviu e ainda serve de ponto de referência. Sei que servirá para o futuro também. Entrar no Circuito Mundial com um título do Mundial Amador fica muito mais fácil de ser aceito, pois todos observam quando o locutor do evento cita seu nome.

 

Você teve sua imagem muitas vezes associada ao Teco Padaratz, como brasileiros que abriram as portas do Circuito Mundial para outros. Como é a relação entre vocês?

 

Hoje em dia nossa relação está show, pois antes éramos amigos, mas existia uma certa disputa, em que cada um queria ser o melhor. Agora, olhamos para trás e damos muita risada, pois apesar da disputa ambos tiveram espaço. Admiro ele muito e tenho certeza que ele também me admira.

 

Há quanto tempo você é patrocinado pela Hang Loose? Você acredita que o investimento feito em você e no Teco colaborou para a solidificação da empresa no mercado?

 

Estou na Hang Loose desde 88 e, sem dúvida, foi uma parceria excelente. Tudo se encaixou na hora certa com as pessoas certas. Obra do destino.

 

Quando você decidiu que seria surfista profissional?

 

Decidi ser profissional depois de ter tido uma ótima carreira como amador e precisava de mais dinheiro para me manter nas competições.

 

Há quantos anos você disputa o Circuito Mundial? Qual o pior e o melhor momento em todos esses anos de estrada?

 

Estou no Circuito há 14 anos. O pior momento foi quando saí do WCT em 97. Mas, este momento ruim acabou me fortalecendo e me ajudando a estar no time até hoje. Foi uma lição de vida.


Como você se relaciona com a cúpula da Association of Surfing Professionals (ASP)?


A barreira da língua sempre atrapalhou um pouco e também não sou do lado politíco. Prefiro ficar no meu canto e só apareço quando realmente preciso. Na ASP tem muita cobra criada e muita gente legal, mas me relaciono melhor com meus compatriotas.

 

Você acredita no seu potencial para faturar o título mundial?

 

Sonho com isso, mas só vou acreditar se as coisas começarem a acontecer. Até lá, ficarei batalhando, sonhando e tentando evoluir. Hoje em dia tenho muita experiência, se tivesse isto há oito anos atrás poderia ter ganho o título. Quem sabe?  Naquela época era mais fácil, hoje está mais difícil, mas não impossível.

 

Como assim? Porque o Tour era mais fácil?


O Tour não era mais fácil, mas acho que aquele era meu auge, da juventude, da explosão, não sei ao certo.

 

Como foi o seu processo de amadurecimento no Circuito Mundial?

 

Os anos de estrada trataram dessa questão. A vivência é grande e as horas de folga são gastas em muitas reflexões. É uma vida muito difícil e tem de ter muita cabeça no lugar pra poder segurar a onda. Graças a Deus já passei pela parte mais difícil, creio eu…

 

Qual é a parte mais difícil?

 

De poder se perder durante o tempo, com desilusões, por exemplo. Com o sucesso subindo à cabeça, excesso de festas, cansaço etc.

 

Você acredita que está em sua melhor fase?

 

Estou em uma fase boa, mas acho que minha melhor fase foi em 98, quando fui campeão do WQS. Estava muito motivado e posso surpreender se eu conseguir aquela motivação dentro do WCT. Em 92, eu estava no auge, mas faltava experiência e coragem em ondas grandes. O Tour é um quebra-cabeça danado e as coisas vão acontecendo. Acabo de sair de bons resultados no WQS, estou motivado, é esperar pra ver.

 

Porque você nunca teve um técnico? 


Nunca tive nenhum técnico, até porque nesse aspecto sou bem individualista. O trabalho funciona com determinadas pessoas, mas comigo não rola. Para mim, funcionaria mais contar com um preparador físico, porque dentro d’água eu gosto de fazer meu trabalho sozinho.

 

Numa ocasião você disse que as piores coisas do Circuito Mundial são as saudades da família e a adaptação ao fuso horário. De que maneira você contorna esses problemas?

 

A saudade da família é amenizada por telefonemas quase diários, fora os e-mails que são muitos. Isso quando não consigo dar um jeito de levar todo mundo para as viagens. Outra coisa que coloquei como meta é não passar mais de um mês sem voltar para casa, independentemente de ter que abdicar de algum campeonato importante, pois é essencial para recarregar as baterias. Com o fuso horáro, faço um jogo com meu próprio organismo, sempre o preparando para as diferenças que estão por vir, ou seja, atrasar ou adiantar as dormidas para ir me adaptando e também mudando aos poucos a alimentação.

 

Como foi o processo de recuperação da vaga do WCT?

 

Precisei de dois anos para retornar ao WCT. No primeiro, fiquei de fora por pouco e foi melhor isso ter acontecido, pois dei mais gás. E, no ano seguinte, me classifiquei sendo campeão do WQS 98. Os dois anos sem tantos campeonatos me deram chances de correr o Circuito Brasileiro e fazer viagens de free surf sem pressão alguma. Com isso, renovei a motivação e, com malhação em academia, retornei em grande estilo. O fator psicológico foi só analise dos fatos para tirar proveito e também renovar a mente.

 

Quando você retornou, de quebra faturou o título do WQS e também do Circuito Brasileiro. Como foi essa fase, faturando os principais títulos que estavam em jogo na época?

 

Foi tudo recompensa do meu esforço. Sempre sonhei em ser campeão do Circuito Brasileiro, pois nunca havia corrido o circuito inteiro. Consegui me concentrar nele e conquistei a vitória. O WQS foi mais um título mundial e só quem corre sabe o quanto é difícil, pois tem surfistas da nova geração com muito gás. Você tem que se desdobrar para conseguir bons resultados.

 

Foi mais difícil do que entrar pela primeira vez?

 

Voltar foi muito mais difícil, disso eu tenho certeza.

 

Qual foi a sensação quando reconquistou a vaga?


A sensação era de missão cumprida e reconquista de um lugar que eu sabia que me pertencia.


O que falta para um brazuca vencer o WCT?

 

Falta uma quilometragem maior em ondas perfeitas, em ondas reais. Em ondas como as de Teahupoo, G-land, Sunset, Pipeline etc. A nova geração tem que investir em viagens porque o futuro é só de ondas perfeitas e pesadas – coisa rara em nosso litoral. Esse título é só questão de tempo. Temos que ter paciência, mas não podemos nos acomodar. Tenho certeza de que esse dia chegará, pois estamos evoluindo constantemente. Os nossos rivais têm tradição no esporte e está a 30 anos à nossa frente. Nossa nação é guerreira e os guerreiros vencem…


O que pensa fazer quando abandonar o Tour?


Nunca irei abandonar o surf, vou estar sempre envolvido com o esporte em vários aspectos. Tentarei trabalhar colocando em prática o que a vida me ensina.

 

Qual sua melhor foto?


A da última propaganda da Hang Loose, que está circulando nas revistas. A foto foi feita no Hawaii, de helicóptero, num mar perfeito de 12 pés.

 

O que pensa da ascensão do surf feminino?

 

Fico muito amarradão em ver o surf feminino tendo seu espaço. Elas estão evoluindo muito e merecem. Com isto, não só elas ganham, mas um punhado de pessoas que trabalha no meio e, principalmente, as marcas de surfwear que estão bombando produtos para o jovem público feminino.

 

Depois de tudo que você já realizou no esporte, o que sua família acha do rumo que você deu à sua vida?

 

Não sei exatamente o que eles pensam, mas eles sabem que sempre estarei envolvido com o esporte.

 

O que você achou das mudanças do Circuito Mundial nos últimos anos, com prioridade para picos de melhores condições e mais grana em premiação?


A escolha dos picos foi uma das coisas que mais contribuíram para o aumento da premiação. Com imagens espetaculares, de um modo geral o Tour ficou muito mais atrativo. Só acho que deveria haver no máximo 10 etapas por ano, pois isso poderia valorizar ainda mais o Circuito Mundial e trazer ainda mais prêmios.


Você acha que a premiação dada aos surfistas profissionais corresponde ao que você considera justo?

 

Hoje em dia está melhor, mas está longe de ser justo. Não quero nem comparar com o que outros esportes ganham, mas sim o que faturam com o surf, levando-se em conta que é muito fácil nos machucarmos. Eventos como os de Teahupoo e Pipeline deveriam ter no mínimo o dobro da premiação.

 

Você é um dos melhores competidores da história da ASP e, provavelmente, um dos que mais acumularam dinheiro em premiação do circuito. Quanto em média você já faturou com a premiação do Circuito Mundial?


Já faturei em torno de US$ 500 mil ao longo destes 14 anos. Se convertemos para o Real, já ganhei mais de um milhão. Só que essa grana foi diluída em viagens com a família e o imóvel que tenho. Se minha trajetória tivesse ocorrida no tênis, poderia estar bem relaxado, mas como não é, tenho de dar o gás por muito mais tempo ainda.

 

Você é respeitado tanto pelos surfistas estrangeiros do Circuito Mundial quanto pelos brasileiros (que já o elegeram o melhor surfista de 2001 do Super Surf com 25% dos votos, segundo pesquisa Data Surf ). Qual o segredo para se tornar unanimidade?

 

Não estava sabendo desta pesquisa e, se realmente aconteceu, fico muito amarradão. Meus resultados sempre contribuíram para meu sucesso, mas minha postura profissional também. Sou um cara dedicado e tudo é uma forma de recompensa.

E os surfistas gringos? Muitos te respeitam e o admiram. Como é a sintonia entre vocês?


Nem sempre foi assim. No começo era osso. Mas hoje sou respeitado. Também tenho minha postura e isso contribui. Fico muito amarradão quando escuto elogios de Kelly Slatter e Sunny Garcia. É como se fosse um empurrão e isso faz com que eu dê mais gás ainda.

 

Além de respeitado pelos atletas gringos, você já conseguiu destaque em publicações estrangeiras como a Surfing, que em março deste ano publicou uma seqüência sua com quatro fotos em Sunset, na etapa do WCT 2001, clicada pelo fotógrafo Grant Ellis. Como você recebeu a notícia dessa publicação? Qual a importância de matérias como essa?

 

Ao longo destes 14 anos competindo mundo afora, não tenho muito o que reclamar. Mas também fiz por merecer. É claro que já fui muito boicotado, mas as coisas estão mudando. Não só pelos surfistas brasileiros que correm os circuitos da ASP, mas também pelas atuações do Carlos Burle, Rodrigo Resende e muitas outras coisas positivas que estão rolando a nosso favor. Fiquei muito surpreso ao ver aquelas fotos publicadas na Surfing, e acredito que só aconteceu pelo ângulo da foto e pelo momento que proporcionei. Enfim, mandei uma carta para toda lista de e-mails que tinha da revista agradecendo o momento. A maior surpresa foi ter a resposta de mais de 15 e-mails dos envolvidos na publicação. Esta minha carta até foi publicada em outra edição. O que me deixou feliz foi a maneira como o pessoal me tratou, sem qualquer bairrismo e dando muito apoio. Então, acho que as coisas realmente estão mudando.


Em diversas fotos  dá para perceber sempre uma galera de atletas profissionais brasileiros juntos a você, como o Renan Rocha, Peterson Rosa, Paulo Moura, Teco Padaratz. Como é sua relação com os surfistas brasileiros?


Nossa relação é muito boa e meus amigos são realmente eles. A competição é grande entre nós, mas só dentro d’água. Brasileiro gosta de estar junto e dar risadas com os estilos próprios de cada um – isso é um de nossos passatempos.

 

Existe algum tipo de competição fora d’água?

 

Acho que a competição é maior quando você é mais jovem, pois com a maturidade o respeito fala mais alto.

 

Constantemente você é comparado ao tricampeão mundial Tom Curren, devido à sua harmonia e elegância na execução das manobras. Como você reage a essas comparações?

 

Fico muito feliz, pois o Curren é meu ídolo. Sempre assisti os filmes dele para observar a linha harmoniosa. Não fiquei igual, mas fiquei parecido. A sensação que tenho ao vê-lo surfar é a mesma ao me ver num vídeo. Coisa de fã e ídolo mesmo…

 

Quer dizer então que sua maior fonte de inspiração é o Tom Curren? Tem mais algum surfista que você se  espelhou para compor seu estilo?

 

O Brad Gerlach, Richard Cream, Picuruta Salazar, Felipe Dantas e Dadá Figueiredo, entre outros.

 

Você não se enquadra no estigma do surfista nordestino, que  vem de família pobre, passa por diversas dificuldades e muda para o sul em busca de melhores oportunidades. Como foi o início de sua carreira e quais foram as principais dificuldades?

 

Na época em que comecei a surfar, meu pai era engenheiro agrônomo. Atualmente ele está aposentado. Minha mãe é professora. A vida era normal, mas não havia grana para prancha zero bala. Então, as dificuldades não foram absurdas. Meu pai chegava a me levar para eventos em Porto de Galinhas, por exemplo, mas não tinha grana para pagar para eu ir para o sul. No começo, fiz várias viagens de ônibus ou de carro para o sul. Mas quando o circuito da Abrasa (Associação Brasileira de Surf Amador) se formou, eles distribuíam passagens aéreas de premiação e eu sempre ganhava algumas. Isso facilitou minha vida para eu me locomover Brasil afora. Depois que os patrocinadores apareceram, aí tudo melhorou. Uma coisa que lembro bem é que sempre pedalava 15 quilômetros em uma bicicleta Calói “véia” cruzando a orla de João Pessoa para surfar em ondas melhores, como a praia do Bessa ou o Mar dos Macacos. Também andava uns 50 minutos até uma estação de trem pra ir ao Dique de Cabedelo pegar a melhor onda do Estado da Paraíba. Infelizmente, essa onda hoje em dia quase não funciona mais.

 

Na edição de maio do ano passado, o editor da Fluir Alex Guaraná escreveu na matéria “Sem dó” que a família muitas vezes atrapalha a concentração do surfista no Circuito Mundial, o que provocou a reação de sua esposa Elka Roichman Gouveia por intermédio de email enviado à redação da revista.  Enfim, como é viajar com a família pelo mundo? Afinal, presença da família desvia ou aumenta a concentração?


Cada um é cada um. Eu não tenho nenhum problema em ter o trabalho de levar mulher, filho, cachorro, gato, periquito… nada disso tira minha concentração. O que tira minha concentração é a saudade deles. Então, prefiro ter todo trabalho do mundo para que eles estejam perto de mim.

 

Há quanto tempo você é casado? Como é essa relação com sua esposa, ela sempre está nas competições, comenta as baterias?


Sou casado desde 90 e minha esposa sempre me acompanhou. Hoje está mais difícil por causa da escola das crianças, mas tento estar junto em todas as brechas. Ela era competidora de bodyboard e, com o passar dos anos me acompanhando, sabe tudo de julgamento. Ele é uma técnica e me dá muito apoio. Só que às vezes tenho que segurá-la para não encrencar com os juízes quando acha que fui prejudicado (risos). Todos os juízes já a conhecem. A melhor coisa é que ela gosta muito do surf e adora viajar. Então, tudo se encaixou quando a paixão chegou.

 

Quais atletas você destaca no WCT?

 

Tem muita gente surfando bem. Joel Parkinson e Andy Irons estão no auge. Kelly ainda é o melhor, mas não entrou no ritmo de competição. Occy dá gosto de ver…Peterson Rosa está surfando muito entre os brasileiros, mas no geral estamos precisando melhorar. Problemas de contusões foram uma constante em nosso time neste ano, com Guilherme Herdy e os Padaratz fora de alguns eventos. As coisas devem melhorar com certeza, pois estamos surfando bem e é só questão de tempo para voltarmos a brigar.

 

Antes de ganhar o Mundial Amador, você comentou que a única coisa que você queria era voltar para João Pessoa (PB) e abrir uma surf shop. Quais seus objetivos agora?


Meus objetivos são surfar e competir até o fim de minha vida. Seguirei outros patamares dentro do esporte após finalizar minha carreira no WCT e WQS.


Qual é esse rumo que você pretende tomar?


Categoria Master. No futuro vai rolar um circuito internacional Master para ex-profissionais com certeza. Esse será o lado que mais estarei ligado, mas também vou poder trabalhar em áreas de marketing, mídia, fotografia, instrução de novos atletas, enfim, várias outras coisas.


Qual o segredo para se manter sempre nessa paz, nesse astral? Alguma coisa te estressa, como quando os juízes não avaliam suas ondas corretamente?


O que me estressa são os tais períodos de espera durante os eventos. Não aguento ver umas ondinhas boas e o pessoal paralisar a prova para esperar por ondas melhores – e que muitas vezes não vêm. No julgamento, sempre procuro analisar os fatos. Se sou prejudicado e sinto isso, vou lá e reclamo, mas não gosto.

 

Você acredita que o Victor Ribas possa estar sendo prejudicado por ter atirado pedras no palanque do evento nas Ilhas Maldivas no ano passado?


Foi um episódio isolado e eu não estava lá no momento. Não sei se ele foi mal julgado e também não sei se o que ele fez mudará algo. Depende de cada juíz.


Como foi seu desenvolvimento e aperfeiçoamento em ondas grandes?


Estou na décima quarta temporada havaiana. Sempre procuro passar no mínimo um mês por lá. Queria muito ficar mais tempo, mas o calendário de competições não me permite. Tinha muito medo de ondas grandes, mas fui me acostumando, ganhando experiência.  Não quero ser big rider, mas quero estar pronto para qualquer situação durante um WCT. A inclusão de Teahupoo no calendário contribuiu muito para minha melhora, pois lá consigo treinar mais do que em Pipeline, por exemplo. E isso me fez melhorar em Pipeline também.


Qual é sua manobra preferida?


Tubo, mas às vezes o simples fato de deslizar na parede já faz minha cabeça.


Quais são os picos preferidos?


Sunset, Teahupoo, Off-The-Wall e o litoral sul pernambucano.


Li que o seu filho Igor está dando os primeiros passos nas competições. O que você procura passar para ele?

 

Os três pegam onda, mas a Ilana ainda não consegue remar sozinha. Então, eu a empurro ou a levo no pranchão. Eles participaram de poucas competições, mas se amarram muito no esporte. Eles têm jeito e ficaria muito feliz se seguissem carreira. Não os forço a nada, mas se percebo que querem ir em frente, dou total apoio. Quero que eles tenham uma base escolar antes de tudo, pois isso será importante por toda vida.


Você se tornou uma referência muito forte do esporte no país. Como é ser ídolo de toda essa molecada que pira vendo você surfar?

 

É muito bom sentir esse carinho do público, é uma recompensa muito grande do meu trabalho, pois sempre me dedico muito e só tento passar coisas boas. Preocupo-me muito com minha imagem e penso que isso é muito bom.


Como você lida com o ego?


Acho que ego é mais alto quando mais jovem, na adolecência mesmo. Todos têm ego, pois sem isso não há estímulo em si próprio. Sempre tentei administrar meu sucesso e tenho certeza que consegui.

 

O que você achou da volta do Kelly Slater ao Circuito Mundial?


Foi muito bom para o esporte neste ano, pois depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, e com o circuito finalizado com cinco etapas, perdemos um pouco do brilho. Hoje, a disputa está muito maior do que na época em que ele parou, e sua volta trouxe novo ânimo à briga. Se o cara está na ativa, tinha que ter voltado mesmo, pois todos querem ganhar dele.


O que você achou da atitude das marcas que cancelaram as etapas, tanto do WQS (no Brasil) e do WCT?


Acho que o pessoal tomou um decisão precipitada e um saiu puxando a corda do outro. Alguns inclusive até se aproveitaram da situação. Quem já estava na corda bamba aproveitou.


Você acredita que a imagem de que o surf ligado ao sexo, drogas e rock ainda está vinculada ao esporte, ou ela se perdeu num passado distante?


Na minha cabeça e na cabeça das pessoas que conhecem o esporte, com certeza está num passado distante. Agora, as mente enclausuradas, eu não sei e também nem me interessa. Desculpando-me pelo tom da frase…


 

Para saber mais sobre o atleta, acesse o site www.fabiogouveia.com.br .