Leitura de Onda

Fica, Mick

Mick Fanning, Havaí.

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Esta semana, para surpresa geral, o tricampeão mundial Mick Fanning anunciou um ano sabático, para descansar de tensões recentes. Foto: Warbrick.

 

Mick Fanning é o principal adversário de qualquer candidato ao título mundial. Quem vai para o jogo? Adriano? Gabriel? Filipe? Julian? John John Florence? Kelly? O albino estaria lá, numa disputa feroz, não importa quem se apresentasse com chances no fim do ano.

O surfe de Mick é a combinação de um fino acabamento estético, visto em arcos bem desenhados, no limite do carving limpo, com a pressão em manobras seguras, rápidas e funcionais. É um filho legítimo da melhor escola australiana, da boa linha.

Como já dito em outros textos, falta-lhe uma dose de inovação, o que sobra na garotada que invade o tour. Mas ele representa de tal forma os movimentos essenciais, estruturantes do esporte, que sua presença no tour é necessária para que o surfe original não se torne uma espécie de elo perdido.

A presença de Mick, de certa forma, contribui para impor aos meninos voadores a necessidade de, literalmente, entrar na linha. Sem desenho e surfe limpo não tem caneco. Claro que há outros representantes da escola clássica na elite, mas Mick, pelo menos na atualidade, é o maior deles. Presença indispensável no tour.

Esta semana, para surpresa geral, o tricampeão do mundo, o cara que nos últimos dois anos disputou o título com os brasileiros campeões até o último suspiro de Pipeline, o atleta mais exemplar e gentil do circuito mundial, ele mesmo, Mick, anunciou um ano sabático, para descansar de tensões recentes. Informou que correrá apenas algumas etapas, entre as quais as de Snappers, Bells e Jeffreys Bay.

Por trás da decisão, há uma provável avalanche de tensões, sentimentos e acontecimentos acumulados: a pressão de corridas sucessivas pelo título, a morte do irmão, o quase-ataque de tubarão na África do Sul, a recente separação da mulher e, talvez, mais que tudo, muitos anos funcionando num modo de extrema competitividade e concentração. Isso deve fundir a cabeça de muita gente.  

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“Mick está maduro e no auge da carreira. Está aí o perigo – eu não recomendaria a ninguém, nem a um tricampeão mundial, desprezar o auge da carreira.” Foto: Corey Wilson.

Entre meus amigos, houve quem comemorasse a decisão: “Tem que deixar espaço para a molecada mesmo!” Outros profetizaram uma volta em grande estilo, com título mundial em 2017. Eu, cá com os meus botões, lamentei profundamente.

Mick está maduro e no auge da carreira. Está aí o perigo – eu não recomendaria a ninguém, nem a um tricampeão mundial, desprezar o auge da carreira.

O esporte perde muito, e o atleta se arrisca a perder seu quinhão. Sempre há o risco, o velho risco, de ser atropelado pela locomotiva do tempo.    

(Kelly fez o milagre de sair e voltar, mas, em sua época, a transição geracional não chocava o mundo com uma nova abordagem. Ao contrário, os garotos chegavam com o mesmo modelo de surfe do americano, só que sem seu refinamento e técnica.)

Claro, para Mick, nada é impossível. Caso o sabático seja cumprido, diria que o mais esperado é vê-lo novamente lutando pelo título mundial. Seria a consagração de um atleta longevo e clássico, na mesma linha de seu velho rival Kelly.

Antes do fim, lembro a primeira pergunta, lógica, óbvia, que me veio a cabeça ao saber do ano sabático de Mick: qual será a reação dele se vencer em Snapper Rocks e Bells Beach, as duas primeiras provas do ano? Ele dispensaria mesmo Margaret?

Seja qual for a resposta, desejo o melhor ao Mick. Recupere-se o quanto antes, campeão. Se possível, ainda este ano. O surfe precisa de sua elegância.

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