A onda misteriosa do Cassino – tema do último texto da coluna – trouxe à tona uma bomba: tudo indica que, sim, a costa Sul do Brasil tem sofrido com tsunamis meteorológicos.
As praias do Pântano do Sul e da Armação, em Florianópolis, foram atingidas pelo fenômeno no dia 19 de novembro do ano passado. O mar, que estava calmo até então, invadiu restaurantes, arrastou barcos para dentro das ruas e sugou carros para a praia.
Em 1977, quando o mar avançou sobre o balneário da praia do Cassino, gerando a tal onda misteriosa, o registro foi feito apenas nos jornais locais, através de relatos de testemunhas.
O pesquisador de Oceanografia Eloi Melo, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), usou os parcos dados disponíveis para produzir, seis anos atrás, com colegas de academia, um estudo que conjecturava que a onda do Cassino era um tsunami meteorológico – fenômeno gerado por uma forte linha de instabilidade atmosférica associada a variáveis como pressão e a formação das ondas.
Mas, em tempos de YouTube, o tsunami da praia do Pântano do Sul não passou despercebido: foi documentado por uma assustada banhista e, depois, reproduzido nos jornais locais como uma onda gerada por uma tempestade (clique aqui para ver o vídeo no YouTube).
Eloi e os colegas acadêmicos Ulisses Oliveira, Marco Romeu, Andreoara Schmidt (UFSC) e Nathalia Pereira avançaram sobre o documento como quem descobre um tesouro, foram a campo fazer medições do avanço da água e da extensão do estrago, levantaram as informações meteorológicas daquele momento e, com isso, conseguiram dados significativos para apontar a existência do fenômeno (o estudo é muito recente e em alguns dias estará disponível na internet).
A identificação do avanço do nível do mar nas paredes dos restaurantes combinada com informações como a do nível do mar previsto para aquela tarde permitiu inferir que o tsunami atingiu cerca de 3 metros. O fenômeno foi precedido por uma mudança brusca de tempo, com a entrada de nuvens pesadas e de ventos fortes na praia. Durante a passagem dessa forte instabilidade, a onda chegou à costa.
O pesquisador que coordenou o estudo se impressionou com o fenômeno: “Guardadas as devidas proporções, as imagens lembram nitidamente cenas do famoso tsunami de Sumatra, confirmando que o fenômeno em questão teve características de um pequeno tsunami.”
O Sul desponta como a região mais propensa a ocorrência de tsunamis meteorológicos do Brasil. Não à toa, dois leitores da última coluna, sobre o Cassino, postaram relatos de um fenômeno supostamente semelhante na praia de Torres, no Rio Grande do Sul, em 2000.
Por trás da predileção do fenômeno pela terra mais austral do país, estão as condições climáticas da região, que é especialmente propensa à passagem de fortes linhas de instabilidade. Santa Catarina e Rio Grande do Sul recebem os eventos extremos de tempo mais violentos do Brasil – entre os quais a instabilidade que gera o tsunami meteorológico.
Sem querer fazer nenhuma conjectura precipitada, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) tem apontado como um dos prováveis efeitos do aquecimento global o aumento dos tais eventos extremos de tempo. Caso isso ocorra efetivamente, não seria tão absurdo pensar que o aumento da temperatura da Terra poderia, sim, provocar um aumento da ocorrência de tsunamis meteorológicos no Sul do Brasil. O fenômeno se tornaria, neste caso, o primeiro tsunami gerado pela interferência do homem no planeta.
Eloi deixa claro que ainda não há respaldo científico para fazer tal afirmação com bases seguras. De todo modo, não custa nada levantar a ideia para pensarmos melhor. Antes que o próximo tsunami meteorológico chegue à costa.
Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.
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