Leitura de Onda

Gás pimenta

Raoni Monteiro, Billabong Pro 2011, Teahupoo, Tahiti

Para Tulio Brandão, a ASP aparenta tratar de forma banal a suposta agressão física de Jamie O’Brien em Ricardo dos Santos. Foto: Arquivo pessoal Ricardo.

 

Raoni Monteiro não vai a Teahupoo por motivos pessoais, mas sua ausência joga novamente nos holofotes seu aburdo drama da falta de patrocínio principal. Foto: © ASP / Kirstin.

É tempo do doce amargor, da opressora ardência do gás pimenta. O aroma da arma usada e abusada pelas forças de repressão virou símbolo de uma nova era de transformações, da geração de novos valores e comportamentos – no Brasil e em várias partes do mundo.

 

Enquanto, no caldeirão da vida lá fora, está sendo gerado a fórceps o caldo de uma cultura diferente, no surf, as coisas parecem insistir em permanecer imóveis. Dá uma angustiante sensação de impotência ver o espírito conservador dominar um esporte tão transformador.

 

Como disse o jornalista Jamie Brisick, em texto recente sobre seu trabalho no meio, “quanto mais eu documentava a cultura do surf, mais monocromática ela se tornava.”

 

Tomemos o caso da suposta agressão física de Jamie O´Brien em Ricardinho dos Santos, no meio de uma onda, em Teahupoo.

 

Ali não há uma questão patriótica, de Havaí contra Brasil. Também não há apenas uma simples disputa entre dois grandes surfistas de tubo, nem tampouco uma briga banal entre dois homens.

 

O que há, sim, é um caso de agressão, tipificado em qualquer Código Penal do mundo, entre duas figuras públicas do surf, reconhecidas internacionalmente, no meio de uma prova de qualificação para um dos mais esperados eventos do ano, o WCT do Taiti.

 

Era dever primário da ASP dar o exemplo: apurar devidamente os fatos e punir exemplarmente o responsável – seja ele quem for, havaiano, brasileiro ou senegalês.

 

Procurado pelo repórter Renato Alexandrino, do Globo, a gerência da ASP declarou: “O Trials não é um evento sancionado pela ASP, mas sim um evento da Billabong com a jurisdição da Federação Taitiana de Surfe. A ASP não convida, não determina formato, não envia staff e não controla o evento. Dito isto, o caso já foi levado ao Comitê Disciplinar da ASP que, como em qualquer caso de indisciplina, irá analisar e decidir numa eventual punição.”

 

Ao aparentemente tratar o caso como banal, a entidade parece não perceber que, sem querer, conserva perigosamente uma cultura de violência, extremamente danosa ao esporte. Um prejuízo que atinge, indistintamente, a imagem de todos os atletas.

 

Outro sinal de que as coisas parecem não mudar no surf – neste caso, especialmente, no mercado do surf – veio à tona com a ausência de Raoni Monteiro, nosso melhor surfista da elite em ondas realmente pesadas, na etapa com o lip mais assustador do ano, em Teahupoo.

 

Raoni não vai a esta etapa por motivos pessoais. A ausência, agora, não foi determinada por falta de recursos, mas ainda assim joga novamente nos holofotes seu absurdo drama da falta de patrocínio principal. Eu já escrevi a respeito disso, e escreverei enquanto nada mudar.

 

Será mesmo que ele não é um surfista capaz de dar retorno, jovens gerentes de marketing? Será tão difícil construir valor de marca com a ajuda de um atleta capaz, ao mesmo tempo, de competir na elite e se destacar nas ondas mais agudas e impactantes do mundo? Ou todos preferem a ação conservadora e medrosa de só bancar impúberes aerialistas da nova geração?

 

Tulio Brandão é jornalista

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