O bodyboarder carioca Guilherme Tâmega, também conhecido como “Mega” Tâmega nos EUA e GT no Brasil, conquistou aos 29 anos seu quinto título mundial em janeiro passado, em Pipeline, Hawaii.
Para isso, teve que vencer, além dos adversários, a si mesmo. Trabalhou com uma psicóloga que lida com esportistas e chegou a declarar que estava “na missão”.
Em Pipe, mostrou a que veio, deixando os gringos engasgados com mais esse título que tiveram que engolir.
Tâmega começou a deslizar nas ondas com uma prancha de surf, até que um dia, se machucou e chegou em casa com a cabeça ensanguentada. Sua mãe, decretou, naquele momento, o fim do romance com as pranchas triquilhas.
Ele decidiu que pegaria onda de peito, e foi assim durante um tempo, com o seu irmão, curtindo as ondas do Posto 5 em Copacabana, Rio de Janeiro.
Até que o destino resolveu interceder. Num dia em que pegava onda de peito, um bodyboarder, que também pegava onda, quebrou sua prancha em duas partes e injuriado largou os pedaços na praia.
Guilherme aproveitou um dos pedaços e percebeu que com aquilo era bem mais fácil deslizar nas ondas. Veio o Natal, e ele conseguiu uma prancha Morey Boogie de presente.
Daí para as competições foi um pulo. O garoto franzino chegava até a ser engraçado, pois competia com apenas um pé-de-pato, que diga-se de passagem era apropriado para mergulho.
Em 85, no seu primeiro campeonato chegou às semi-finais numa bateria contra Renato Kamp, um dos ícones do esporte na época. Kamp aproveitou para tirar um sarro, porque viu o equipamento precário de GT e o chamou de “jou”, que queria dizer “jou outro mundo”.
Guilherme ganhou de Kamp e foi para a final contra Paulo Esteves, acabando o evento na segunda colocação.
Foi adotado então por grandes nomes da época, como Kung e Xandinho, que o levavam para os campeonatos e ele ganhava tudo como Amador. Em 86, já estava com vários patrociníos e despontava como uma das promessas para a conquista do título mundial.
Em 90, sofreu seu inferno astral quando quebrou a perna andando de skate na Austrália e ficou cinco meses sem competir. Ele aproveitou para desenvolver e comercializar seu modelo de prancha pela marca Speedo.
Desde quando se profissionalizou, em 89, foram muitos títulos importantes acumulados na carreira. Ele é pentacampeão mundial (94, 95, 96, 97 e 2001), hexacampeão brasileiro (89, 91, 92, 93, 94 e 2000), além de ter conquistado os títulos de campeão americano em 95, bicampeão da ISA Surfing Games (Olímpiadas do Surf, em 96 e 2000) e o título panamericano em 97. Para completar é duas vezes Pipe Masters e neste ano faturou o circuito classificatório e o Super Tour.
No Circuito Mundial, sua pior colocação foi um quinto lugar. Sendo que em 98, só não foi penta porque perdeu por uma diferença de 72 pontos.
Ele já surfou em picos no México, Hawaii, Indonésia (Bali, Fiji), Japão, Ilhas Reunião, Portugal, Austrália, Nova Zelândia, Venezuela, França, Espanha, EUA, Ilhas Canárias, Ilhas Cook e Porto Rico.
Confira abaixo a entrevista em que ele revela um pouco da sua trajetória e como foi a preparação para uma das conquistas mais importantes de sua carreira.
Como foi o processo da conquista do pentacampeonato mundial? Você chegou a comentar durante a etapa carioca do Super Tour que estava “na missão”.
Sem dúvida nenhuma essa foi a minha maior batalha, pois tive que, além de superar a elite mais forte do bodyboard mundial, também me superar. Trabalhei forte no ano passado com a meta de conseguir esse penta e com a ajuda de Deus deu tudo certo. Além do trabalho físico, que sempre fiz, peguei fundo no psicológico, que era a área mais afetada. Com a ajuda da Daniela Szeneszi, psicóloga de atletas de Florianópolis (SC), tudo saiu perfeito.
Após três anos sem um título mundial, o que você sentiu quando conquistou essa vitória? Teve um sabor especial?
Pô, bota especial nisso. A volta é sempre mais difícil e não foi diferente para mim. Só olhei para o céu e agradeci por tudo. Parece que estou nas nuvens até agora, delirando com essa vitória maravilhosa. Sem contar que foi dois em um, o Qualifying e Super Tour ao mesmo tempo.
Depois que você ganhou o evento, como foi a reação dos gringos? Você sentiu que calou a boca deles?
Lá na hora, todos estavam caladinhos por isso acho que sim. Eu só olhava para o grupo de brasileiros e nem vi a cara deles. Não queria estragar o que estava sentindo no momento, a festa foi nossa, do Brasil!
Como você vê a comparação de que o que o Kelly Slater representa para o surf, você é para o bodyboard ?
Legal, já que o Kelly é o maior surfista de todos os tempos. Sem dúvida temos algo em comum: a vitória.
Você acredita que os norte-americanos teimam em aceitar o seu valor no Circuito Mundial?
A discriminação existe e já estou acostumado com ela. Depois que eu ganhei os três primeiros circuitos, eles acharam melhor boicotar porque dentro d’água eles não estavam conseguindo o que queriam. Então como todo americano que não aceita perder, eles arrumaram as malas e se arrancaram. Eles nunca darão o braço a torcer, eu conheço as peças.
Você mora há algum tempo em Oceanside, nos Estados Unidos. Como é a sua vida aí? Você chegou a sofrer algum tipo de preconceito e como lida com isso?
Olha, moro há dez anos nos EUA. A minha vida aqui é tranquilissíma. Aqui me concentro mais na malhação e posso desenvolver minhas pranchas, já que a Wave Rebel (patrocinador de pranchas do Guilherme) é daqui. Como eu falei, já estou acostumado com o preconceito e vou te falar que no Brasil a pressão é maior porque rola muita inveja e falsidade.
O que essa mudança para os Estados Unidos contribuiu no desenvolvimento de sua carreira?
Em tudo. Aqui eu cresci como pessoa e colhi muitos frutos competindo por aqui. Aprendi o quanto é gratificante ganhar dos americanos na terra deles. E não é a toa que eu nunca sai na capa de revista americana porque eles me amam (risos). Aqui é o meu cantinho onde posso relaxar e pensar nas minhas metas para cada ano e isso me ajudou muito. Fora o aprendizado da língua, que é super importante. You know what mean?
Qual foi o melhor momento em sua trajetória no esporte?
Sem dúvida foi o meu primeiro título mundial em 94. Até hoje vejo as fotos e noto o quanto estava feliz naquele dia. Meu Deus, o título nesse ano foi muito especial. Também, foi ótimo para calar a boca de muita
gente!
Quais são os seus objetivos e expectativas para este ano?
Bem, agora tenho o que queria de volta, o título mundial. Vou com tudo e mais um pouco para defender isso, que é a coisa mais importante na minha vida. Estou voltando para o Hawaii para começar o treinamento e não vou dar mole.
Como está o mercado, quando falamos na produção de pranchas, novos designs e modelos?
Esse mercado é bem louco nos EUA. Aqui está mal, mas no Brasil está arrebentando. Daqui a pouco muda tudo isso. Esse ano vou lançar um modelo novo pela Wave Rebel, que vai arrebentar. Já material e design continuam a mesma coisa.
Você tem idéia de quantas pranchas Guilherme Tâmega são vendidas anualmente?
Por volta de cinco mil pranchas.
Você sentiu muita pressão por parte da mídia ou patrocinadores para conquistar esse título após dois anos sendo vice-campeão do Super Tour?
Acho que a maior pressão vem da mídia, porque eles só querem saber do primeiro lugar. O segundo não serve. A mídia sumiu nesses últimos anos. Agora voltou, não sei porque. Por parte dos patrocinadores senti um pouco, pois os que tenho agora me apoiaram sempre. Sendo que outros só querem saber da hora que está bom, chega até a ser engraçado.
Como você lida com o ego, já que as pessoas o enxerga como um dos maiores fenômenos do esporte nos últimos tempos?
Sempre fui a mesma pessoa com todo mundo com ou sem título. Nunca deixei o ego subir à cabeça. Não sou só um campeão no que faço, mas também sou um dos maiores atletas que o Brasil já teve em todos os
esportes.
O que você acha da rivalidade entre o surf e o bodyboard?
Normal, como há nas montanhas de neve com o snowboard e o ski. Para mim, os verdadeiros surfistas são aqueles que apreciam o surf no geral, seja bodyboard, ou em pé. O que fazemos nas ondas de Pipeline e Teahupoo não é para
qualquer um.
O que aconteceu com a etapa do Circuito Mundial no Rio de Janeiro? Ouvi falar que os gringos chegaram a cogitar que ela não contaria pontos para o Super Tour?
Ouvi uns boatos antes da etapa de Pipeline que não iam validar a etapa do Rio. Como não queria stress antes do Pipe Contest, fiquei quieto para não me desconcentrar, pois queria muito ganhar o evento. Depois que já estava tudo ganho, eles disseram que a etapa do Brasil valeria sim. Só tem falcatrua na parada. O negócio é fazer bonito dentro d?água para evitar esses constrangimentos.
Os australianos dominaram o ranking no Super Tour boa parte do ano. Vc acredita que atualmente eles são os adversários mais difíceis no Tour?
São por serem a maioria, mas se o Brasil tivesse mais representatividade eu apostaria no Brasil. Os australianos são realmente foda, pois eles tem onda e patrocínio para se preparar para o Super Tour.
No mundial que rolou em 94 em Pipeline, você protagonizou diversos momentos irados para o esporte. Como você se sentiu quando percebeu que até mesmo havaianos estavam te aplaudindo em pé na praia?
Como eu falei, o mundial de 94 foi meu melhor momento na carreira. Peguei uma onda de 12 pés que tirei dois tubos, levando a praia inteira ao delírio. Um momento inesquecível. Até eu comemorei, coisa que eu
nunca fiz na minha vida, para você ver como foi.
Nesse mesmo evento, você tirou dois tubos numa mesma onda em Banzai, conquistando um 10 e também mandou rolos imagináveis no lip de uma onda. O que foi mais insano, a onda que você botou para dentro duas vezes ou os rolos que você mandou sem dó?
Acho que vou ficar com os rolos porque até hoje não consigo imaginar como fiz aquilo. Os tubos foram irados também, mas não tiveram nenhum impacto no meu corpo. Já os rolos, no dia seguinte, parecia que eu tinha sido atropelado por um trator (risos).
Após tantos anos viajando, qual pico você elegeu como preferido?
Teahupoo, no Tahiti. É uma vitória sair do Tahiti sem nenhum prejuízo corporal.
Para obter mais informações sobre o atleta, visite o site www.gtamega.com