Que há vagas abertas para atletas, todo mundo sabe, sobretudo depois de comprar na loja um short de surfe que custa três dígitos. O que pouca gente entende é como dois surfistas tão talentosos e competentes, Raoni Monteiro e Silvana Lima, podem competir com o bico de suas pranchas limpo, sem qualquer adesivo de patrocinador.
Parece pairar sobre o mercado um raciocínio simplista, linear, obtuso, pobre em criatividade, que leva os departamentos de marketing das empresas a acreditarem que ambos os surfistas estejam na curva descendente da carreira.
Raoni tem 30; Silvana, 28. Não estariam no auge da carreira?
Os dois têm passado os últimos tempos a brincar de desconstruir essa lógica tosca, com resultados e performances arrebatadoras.
A última Raoni eliminou magicamente o atual campeão mundial Joel Parkinson, e Silvana costurou belas manobras no palco em que já bateu o sino, para mostrar ao mundo que a contusão é passado.
Não precisa pensar muito para transformar os dois em grandes ativos de comunicação.
Vamos a Raoni. Egresso de uma excelente safra de surfistas do Rio, moldou seu surfe no power de Saquarema e viveu toda a sorte de altos e baixos de um surfista da elite. Brilhou, caiu para o acesso, voltou, participou do blockbusters do cinema Surf Adventures, recuperou sua vaga no Hawaii, voltou a brilhar na elite. É um surfista maduro.
Isso seria suficiente para contratá-lo, mas Raoni tem ainda uma diferença comparativa importante: é um excelente surfista de ondas pesadas, um dos melhores do mundo.
Contundiu-se em Fiji justamente por meter-se numa gigante caverna oca no dia em que o evento foi cancelado por falta de segurança no mar. Na ocasião, fiz o texto com o título “Outro esporte, outro herói”.
Vejo a oportunidade de uma saudável transição de carreira, quando o período na elite se encerrar, para o surfe de ondas pesadas. De um ponto de vista comercial, de alcance de ativo da marca, essa flexibilidade de Raoni é um sonho para qualquer empresário.
Raoni é um dos raros brasileiros com potencial de enorme retorno em dois universos distintos, por muitos anos: primeiro, nos holofotes da elite; depois, sendo surfista de ondas pesadas.
Agora, a Silvana. Filha da dona do quiosque em frente ao pico de Paracuru, no Ceará, ela é uma representação perfeita do brasileiro que vence. Assombrou o circuito mundial desde a estreia, com radicalidade e um jogo de aéreos até então inédito, brigou pelo título.
Talvez tenha sofrido por ser diferente do perfil das menininhas do mundo saxão, quase todas muito bem nascidas, altas e louras. Sofreu também com contusões. Mas o nó da questão, a meu ver, está exatamente aí, na cultura da imagem: por não ser igual, ela é melhor, e não pior. Tentar transformá-la em mais uma do grupo é um tiro no pé.
O maior ativo de Silvana está na essência, na originalidade. Ela é a explosão de talento incomparável, a força da natureza, que surge no canto de uma praia cearense e conquista o mundo. Não foi preparada para o surfe desde criança – e só vislumbrou outra realidade quando um shaper carioca a descobriu surfando com pranchas velhas em Paracuru.
Silvana é a diferença, é o nó do talento que ninguém explica. Com um patrocínio forte, a maturidade dos quase 30, a bagagem de cultura obtida ao longo da vida de viagens e um reforço no jogo de aéreos, ela é candidata real, sim, ao título.
Se por acaso ela não for modelo para australianos e americanos, para nós ela é um símbolo, um motivo de orgulho do Brasil, uma inspiração para brasileiras espalhadas por todo o canto. E, hoje, do ponto de vista de mercado, nós, de Pindorama, estamos com o apito na mão.
Não falo em nome de Raoni, não falo em nome da Silvana. Sequer sei se realmente se eles desejam seguir as alternativas que apresentei no texto. A única intenção foi mostrar como os dois surfistas têm valores de sobra para se tornarem fantásticos representantes de marca.
Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.