O Hawaii está descontrolado!
O ego, a vontade de aparecer e muitas vezes a necessidade do mesmo estão fazendo crescer o lado ruim do “espírito do surf”.
Durante os meses de setembro até meados de maio, isso aqui tornou-se um campo de pouso alienígena.
São pessoas vindas de todos os cantos do planeta para desfrutar das maravilhas das ondas daqui, ou simplesmente tentar aparecer, sair em algum meio de comunicação e falar “sou surfista”.
Sou brasileiro de coração, mas infelizmente vejo muitos dando um incrível mau exemplo, rabeando, falando alto, e não adianta falarem que estou com mania de gringo. Sei muto bem o que falo, o povo brazuca é guerreiro, alegre e muito, muito extrovertido.
Mas, o mau exemplo mesmo também é muitas vezes do povo local. Já disse que algumas vezes o “localismo”e sua lei são nescessários, não só aqui, mas em qualquer atividade da vida.
Localismo não deveria gerar violência, mas o problema é que muitas vezes o criador do problema, além de errado, não aceita ser chamado a atenção. Aí, a coisa pega fogo!
É pancadaria brava, e os locais aqui não estão para brincar. Concordo que muitas vezes eles nem estão certos e abusam dessa autoridade que historicamente lhes foi dada.
Já vi cenas de cinema aqui, mas vou relatar uma que aconteceu há pelo menos cinco anos em V-land.
Estava eu surfando uma mar divertido, mais um dos centenas que rolam em V-land, direita perfeita com ondulações de Noroeste ou Oeste. De repente, entra um longboarder daqueles típicos havaianos, gigante!
Um haole branquinho, cara de californiano, me rabeia o dito cujo, que simplesmente dá uma cavada bem projetada e pula no rapaz, já dando um belo soco na sua já mais branca cara de pau, assim que o rapaz retorna à superfície. E a seqüência continua até o esgotamento da mão do havaiano!
Essa foi uma cena que me disse muito, tamanha a agressividade. Mesmo que tenha sido rabeado, ele agiu como um louco! O que diria Eddie Aikau?
Não sei, sinceramente os tempos aqui são outros. Outro dia, conversando com o João Jabour, chegamos a uma conclusão de que há uns oito anos é que era o bicho isso aqui. Os locais estavam já ficando coroas, tipo Johnny Boy, Perry Dane e Marvin Foster. Já estavam mais civilizados, e a molecada que hoje é local ainda muito nova.
Foi uma época bem tranqüila por aqui, mas agora, com essa explosão natural que ocorreu com o surf, tudo enlouqueceu. As próprias marcas perderam o “real'” espírito.
O mercado se vendeu, as marcas agora estão em Wall Street com suas ações à venda. Durante uma sessão de tow-in, cheguei a perguntar ao Morongo (dono da Mormaii) o porquê de ele também não fazer o mesmo e vender ações de sua empresa.
Ele me disse exatamente isto: “Se eu vender as ações não serei mais o dono, o cabeça, quem toma as decisões. Terei todo um grupo de pessoas a quem deverei obter permissão para determinadas decisões”.
Isso me fez abrir o olho! Quer dizer que muitas das grandes marcas perderam a sintonia com o esporte! Não vejo um jogador de basquete ou um milionário capacitado a entender o que
é o nosso esporte!
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O que tem rolado é uma manipulação na cabeça da galera que está aí, começando a surfar.
Um menino chamado Octavio me escreveu (queria aproveitar e agradecer a todos os e-mails recebidos e dizer que estou respondendo um por um mesmo!) dizendo que hoje a molecada compra uma prancha e quer ir ao outside dropar de qualquer jeito mesmo.
O negócio é falar que é surfista para “pegar a mulherada”. Perdeu-se o feeling, aquela sensação de surfar por prazer, de colocar em uma única manobra todo o stress da semana e sair do mar revigorado!
Um tubo limpo, um aéreo, batida, rollo, cutback, o que quer que seja. Aquela manobra que de noite, no silêncio, você busca de novo e relembra cada sensação!
Agora, o negócio é se fantasiar de surfista e ir à luta, aparecer, nem que isso te custe a vida! Aqui mesmo, já vi cenas de tentativas de suicídio por cinco segundos de fama! Pessoas que vêm totalmente despreparadas, tanto física como psicologicamente, entrando em mares que só a misericórdia de Deus para tirá-las de lá com vida e sem arranhão algum!
Pessoas que falam que vão entrar, que Deus vai proteger! Isso não acontece, a Bíblia diz “não tentarás o senhor, teu Deus. Camaradas, acordem! A coisa aqui é braba!
O buraco infelizmente não é lá embaixo, bem raso e corta muito! As revistas, com seu pensamento em ?$urf?, perderam também a essência! Infelizmente, grandes talentos em ondas havaianas são menosprezados por boa parte da mídia, às vezes por não ter um logo reluzente na prancha!
Caras que vêm pra cá na mais pura raça brasileira! Se tem prancha grande, cai. Se não tem, vai com a pequena mesmo! Com quilha de encaixe, sem a quilha do meio,”nego vai e cai”, mas cai consciente do que está fazendo, enquanto muitas vezes, pseudos campeões, caras com talento, mas que já vivem a rotina do estrelato, esquecem o que é o esporte e se entregam muitas vezes ao green planet, ?viva Bob Marley?!
A mídia vai, faz uma foto de malandrinho em Rocky Point e pum! O cara é show, maior aéreo, enquanto neguinho e branquinho estão lá ralando pra aprender a se entender no crowd em Pipeline.
Um exemplo que fico feliz de ter dado certo nessa guerra mídia / reais surfistas e o Stephan Figueiredo… Dá orgulho ver o cara em Pipe! O cara tem uma dedicação absurda naquele pico! Passa horas e horas ali dentro, seja surfando, pegando de peito, fotografando (e bem) e está aí, conseguiu um lugar ao tubo!
Temos excelentes atletas em ondas médias e pequenas. Mas, nesta temporada, uma nova geração de surfistas brazucas mostrou que vem por aí uma troca de guarda como há muito tempo não se vê!
Em dias com tamanho, a galera estava lá embaixo do pico ou o “X”, como é conhecido aqui. Competidores como Bruno Santos, que é um dos mais talentosos surfistas em Pipeline. O cara já nasceu sabendo os segredos da onda e ponto final – é a única resposta que se tem vendo-o surfando aqui!
A molecada que está aí, comprando sua pranchinha, esquece e não sabe que muito tem de aprender antes de surfar! Surfar é um esporte solitário, mas feito em um ambiente comunitário! E o pior, uma onda não pode ser dividida por dois (pelo menos para o mesmo lado). É meio complexo, não?
Acho que antes de se comprar a idéia, o life style do surf, tem de saber que muito mais se envolve no simples ato de remar ao outside!
Que antes de ser o campeão do mundo, tem de ser campeão da sua praia! Que é devagar que se aprende, dando um passo de cada vez. Assim, acredito que, além de termos um campeão do mundo de verdade, teremos surfistas de verdade, e não cópias robotizadas fantasiadas de roupas multicoloridas.
Hoje, já temos surfistas assim, surfistas de lama como esse rapaz, o Octavio, de apenas 15 anos. Com um e-mail, um molequinho de 15 anos pode ensinar a um marmanjo já vacinado como eu, o que é ser um surfista de alma.
O North Shore enlouqueceu, mas podemos fazer a diferença neste lugar. Quando vier, venha preparado para o bom e para o ruim, para o tubo e para a vaca, para uma chamada de um local ou o cumprimento eufórico do seu camarada!
Veja seus conceitos, dos seus filhos, a respeito do surf. Não deixe que um tiozinho que nunca surfou, e que está apenas comprando ações de uma marca, possa destruir tudo o que nós, “os das antigas”, aprendemos com os “mais das antigas”a respeito do esporte dos reis. Abraço e fiquem com Deus!