Espêice Fia

Hawaiian juice

Fabio Gouveia e Yuri Cocota em Waimea, Havaí.

Custei a vir para a temporada havaiana este ano, mas a demora traduziu-se em recompensa com altas ondas! “Que época boa em tempos de El Niño”, é o que todos comentam por aqui. Mas não só são comentários ou previsões, são as visões diárias de altas ondas. Cheguei na noite de um swell gigante, aquele da virada do mês de janeiro, nos dias 27 e 28. Naquela noite, a Kamehameha Highway havia sido lavada pelo marzão em pelo menos três pontos.

Surfar em Waimea logo na primeira queda havia sido um presente. Mesmo com o mar baixando, havia ondas muito legais e com emoção. Bom, um dos motivos da minha vinda nesta época foi para acompanhar o meu filho Ian, que acabara de ser pai, no Volcom Pipe Pro. Aliás, Pipeline quebrou de gala. Foram muitos shows particulares de vários surfistas. Ian, apesar de fazer um 9.50, infelizmente ficou nas oitavas, fase essa que também marcou a despedida de Guigui Dantas, sempre à vontade no pico e finalista deste mesmo evento no ano retrasado.

Foram muitas ondas lindas e notas excelentes. Makai McNamara, O’Brien e John John mandaram muito, bem como Marco Giorgi, que botou em prática toda a sua quilometragem tubular adquirida nos últimos anos de invernos havaianos e de peregrinação em picos do Planeta, ficando nas semis. E reinou mais uma vez Slater. Dois anos de jejum o fizeram ganhar novamente este mesmo evento. Quanta classe! Rumores das festas de comemoração naquela noite foram muitas, mas o que se viu foi um Pipe “descraudeado” na manhã seguinte. Acordamos na madrugada – eu, Ian e Diego Silva – , pois nos hospedamos juntos na mesma casa nesta temporada. Pegamos nossa cota de ondas durante boa parte da manhã, eu mais para o rabo e ao fundo, e eles mais embaixo do pico. Minhas ondas não eram as tubulares, mas dei alguns drops com muitas emoções e até peguei um tubinho menor.

Victor Bernardo estava no pico e alguns outros brasileiros que não lembro agora, além do bodyboarder Guilherme Tâmega, que exerce a função de salva-vidas na torre do Ehukai Beach Park e tinha seu dia de folga para trabalhar apenas nos tubos. Na tarde daquele dia rolou o tubo duplo mais comentado dos últimos tempos. O local do Kauai, Koa Smith, andou bonito, de pé e seco de backside, para Backdoor. Quando finalizou a onda, a praia veio abaixo (muitas palmas, urros e assobios), mas por causa de um brasileiro que também vinha dentro e literalmente foi cuspido ainda mais atrás. Jerônimo Vargas era o nome da fera.  

O mar deu uma baixada depois e aproveitamos uma sessão divertida em OTW. Aproveitei pra levar a câmera e fiquei revezando com Diego Silva. A água estava bonita e clarinha, logo o videomaker Gabriel Novis aproveitava para fazer umas tomadas para o programa Brazilian Storm, do Canal Off, como também algumas cenas para seu filme “Sorria”, previsto para ser lançado em breve. Yago Dora, Dudu Mota, entre outros, pegavam algumas boas.

E os dias seguintes foram de muitas ondas, em especial em Sunset Beach. Lá, surfei com Ricardo Bocão e seu filho Bruce. O “moleque” anda solto nas rampas do pico e, em uma das ondas dropadas, o veterano Owl Chapman desceu em sua frente. Vi o momento com emoção, pois o filho de um legend brasileiro descia uma onda junto com um legend da área e “mago” dos shapes, old school também neste pico. As perfomances se estendiam também para Ross Clark Jones, só pegando as “massarocas”, e Caio Vaz, juntamente com Kala “Da Captain” e Marcio Grilo, todos em seus SUPS, pois estavam treinando para o Mundial da modalidade nessa praia.

Como sabemos, e já relatei, é ano de El Niño. Zum zum zum sobre o Eddie Aikau bateu à porta. Sinal amarelo e verde na sequência! Vislumbrando o surfe na manhã que antecederia a competição, mal consegui dormir à noite, de tanta adrenalina. Acordei às duas da manhã, mesmo já estando bem do fuso horário. Só pensava nas paredes da baía marchando em direção à minha cabeça, cena essa que vi uma única vez quando, em certo swell em 2010, tomei uma onda com cerca de 25 pés ou mais.

Acompanhando pela TV antes de sair de casa, já via aquela muvuca. Aliás, na noite anterior, tendas, sacos de dormir e cadeiras já se aglomeravam no entorno da baía de Waimea. Mas, por volta das 4:30 da madrugada, nada de as boias que medem as ondulações subirem. Muitos big riders já haviam postado fotos no Instagram com suas gunzeiras preparadas, e era perceptível a ansiedade de todos. Começava a ser frustrante quando um dos responsáveis pela  prova, George Downing, ia dando sinais de que o evento talvez fosse adiado para o turno da tarde, e posteriormente que viria a ser realizado em dois dias. À medida em que os repórteres do “channel” 8 apareciam na TV, novas informações sobre as boias que iam subindo lentamente iam complicando a realização do Eddie, até que um parecer final foi dito. Uma tempestade havia mudado de rumo, levando o olho da ondulação para o continente.

O mar ainda ficaria grande, no entanto, no fim da tarde e no período da noite, logo não seria possível as ondas com mais de 25 pés por oito horas seguidas de surfe, como exige o regulamento. Mas, a essa altura, o North Shore já estava abarrotado de gente e com um trânsito intenso.

Tentei chegar próximo para um surf check junto com Diego Silva, mas abortamos a missão no supermercado Foodland e demos meia-volta pra checar outros picos e tentar um surf antes que o swell começasse realmente a subir. Passamos por Pipe e até havia umas ondas, mas as boas eram poucas. Fomos a Sunset e ali o mar já parecia maior. Apenas dois caras estavam no mar naquele momento. Um surfava de SUP e o outro era o brasileiro Biro, que frequenta as ilhas há muitos anos e acaba de fixar residência permanente. Aliás, além de gostar das ondas grandes, Biro tá casca-grossa nos shapes. É notória a evolução e a qualidade das suas pranchas.

A adrenalina seguia, mas sobe de verdade ou não sobe? A brasileira e big rider Silvia Nabuco também está hospedada na mesma casa que eu. As conversas sobre o big surf são uma constante, numa dessas entrou um relato de um big swell. Entrar antes que as coisas ficassem sérias era uma boa sacada. Não contei duas vezes: tomei meu segundo café da manhã quase na hora do almoço e parti com minha gunzeira 10’2”. O trânsito não estava tão intenso como poderia se o evento estivesse rolado. Depois de procurar uma vaga por um tempo, decidi ir logo ao estacionamento de Waimea. Estava com sorte, só foi entrar e arrumar uma.

Fui dar um rolé pra ver o fuzuê em geral e encontrei Carlos Sanfelice, videomaker que trabalha junto com Burle em seu programa no Canal Off. Assim como todos os competidores, Burle, que chegara logo em seguida, estava com certa decepção de não ter podido competir, mas entendia como muitos também que a natureza é a dona da situação e desta vez acabou não favorecendo. Como as ondas estavam subindo e séries de 10 a 12 pés já entravam, desejei boa sorte no evento de Mavericks que aconteceria em dois dias e marchei com meu barco “chumboso” (10 a 12 kg) até o canto de The Bay. E era gente,viu? Muita gente! Dava até trabalho pra se locomover até a beira do canto da praia.

No momento em que botei a cordinha, uma série maior apontou no horizonte, fazendo os salva-vidas soarem o megafone com sinal de cuidado a todos os espectadores. Era Waimea dando as caras. Entrei tranquilo, em um momento favorável, logo atrás do baixinho invocado chamado Tom Carroll, um dos legends convidados eternamente para o Eddie.

Já havia uma galera na água, talvez umas 25 cabeças ou mais, e também o crowd se reciclando, pois uma turma ja havia entrado mais cedo. As séries, apesar de um pouco demoradas, começaram a entrar um pouco maiores e mais ao fundo. Havia uma galera também mais embaixo, pois algumas vezes essas que viam mais ao fundo acabavam encavalando apenas mais embaixo. Era nessas que Tom Carroll virava sua “gun” e despencava, sem dúvida, com uma ótima preparação.

Consegui pegar uma sozinha, mas estava meio deitada. Foi bom pra ir me soltando. Depois uma no meio de três caras, depois outra no rabo de mais dois e as ondas iam aumentando. O havaiano Mike Latronic, o sul-africano Andrew Marr, o marroquino Karin e alguns competidores como Mark Healey iam chegando e a coisa ia ficando mais concorrida.

Estava me acertando e ficando mais ao fundo esperando as séries fora da zona de impacto, pois as ondas vinham aumentando e sabia-se que tamanho ficaria. Linhas apontavam ao fundo, e quando elas estavam próximas, decidi não remar na primeira. A segunda veio favorável e remei com tudo. Demorou pra embalar, mas, quando entrei, estava em alta velocidade. Um moleque brasileiro, Yuri Cocota, entrou também mais embaixo, e quando mirei pra acertar o drop havia um cara bem embaixo e logo à minha frente voltando desesperado pra não tomar na cabeça. Ele acabou soltando sua prancha e mergulhando bem em minha trajetória, não dando chance pra que eu pudesse evitar a colisão. Apenas abri a base e esperei o impacto e torcendo pra que conseguisse passar mesmo passando por cima da prancha. Mas, infelizmente, o impacto foi grande, como também o barulho das quilhas sendo quebradas. Caí feio e tomei meu pior caldo em Waimea.

Queria muito voltar para o pico, pois estava me soltando e evoluindo, mas infelizmente havia perdido três quilhas e os dois plugs também haviam sido arrancados. Saí do mar e caminhei de volta ao estacionamento com dificuldade, pois sofri uma pancada coxa esquerda. Ao tirar a roupa de borracha, que tinha um pequeno furo, constatei um hematoma e um pequeno corte que não parava de sangrar. E isso me fez visitar o hospital de Kahuku, onde um raio X foi feito pra que ficasse seguro de que nada de mais tivesse acontecido. Na real, havia um corte interno, mas apenas um ponto foi dado por fora e uma injeção de anti-tetânica pra tudo ficar tranquilo.

Três dias fora da água, mas no fim de semana e com mais um swell, acabo de sair de Sunset, onde me diverti muito com uma 9’6”. É, rapaz, o negócio aqui não para e mais um swell está por vir para o fim de minha visita a esse lugar mágico. Aloha.

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