Espêice Fia

Heritage Heat

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Picuruta Salazar, campeão do OP Pro 85, na capa da edição de abril/maio da revista Fluir do mesmo ano. Foto: FLUIR.

A primeira vez que vi uma bateria de apresentação de surfistas veteranos foi durante o OP Pro, na praia da Joaquina em 1985. Na época, os surfistas presentes ainda atuavam e nem eram tão veteranos assim, mas se aposentavam das competições aos 30 anos.

Lembro de ter visto Picuruta Salazar, Felipe Dantas, David Husadel e mais outros atletas, cujo os nomes não lembro neste momento. Me recordo que os organizadores se preocuparam em colocar um surfista de cada eixo, representando assim o surf de cada região do país. Eu achava aquilo o máximo e sempre que via alguma ação da ASP, hoje WSL, armando confrontos nostálgicos em seus eventos, me lembrava desta bateria.

Em nosso país, absorvemos a cultura do surf com um pouco de atraso em relação aos Estados Unidos e Austrália, ou foi questão de pura cultura mesmo. No geral, acho que eles trabalham mais e de melhor forma seus ídolos. Nesses países, eles levam à risca aquele termo de “quem é rei nunca perde a majestade”. As baterias que vimos recentemente entre os grandes do esporte foram de tirar o fôlego. Quem lembra de Tom Currem contra Occy em J-Bay, quando Tom pegou aquela onda longa e tubular, marcando um 10? 

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Tom Curren durante o ASP Heritage Series de 2014 em Jeffreys Bay, África do Sul.
Foto: Kirstin / ASP.

Aqui no Brasil já rolaram algumas baterias de legends em algumas cidades nos últimos anos, mas recentemente a WSL South America inaugurou seu Heritage Heat por aqui. A primeira edição rolou durante o OI HD SP Open, na Praia de Maresias, no litoral norte paulista, da qual tive a oportunidade e honra de participar. A bateria de confraternização contou com os parceiros Amaury “Piu” Pereira, Flávio “Teco” Padaratz, Renan Rocha e Wagner Pupo. Infelizmente, nosso ídolo Carlos “Tinguinha” Lima, que era o ilustríssimo convidado, acabou não comparecendo. Desconheço o porquê, afinal, Tinguinha reside na praia ao lado. 

Durante a semana, as pessoas com quem encontrei diziam que aguardavam ansiosamente essa bateria. Daí mede-se o quão bem-vinda e válida foi a iniciativa da organização do evento. No decorrer dos dias, os atletas convidados e amigos presentes já travavam uma “guerrinha” (no bom sentido) psicológica. Os amigos do Piu diziam: “O pássaro está treinando forte!”. Os de Renan repetiam o discurso e diziam que ele estava muitíssimo empolgado com a disputa. Aliás, tanto Renan, que trabalhava na transmissão do evento para web, quanto Teco, que atuava como comentarista de praia, não paravam de falar sobre o confronto e pilhar a galera durante o ao vivo – o que acabou gerando uma enorme expectativa.

Estando em Maresias, acabei falando com muitos amigos em comum com meus adversários e todos eles diziam que o Wagner Pupo não estava surfando tanto como de costume, que as vezes ia para a praia com os filhos Samuel e Miguel e não caía no mar, e que a “pança” do bicho estava grande (risos). Aliás, abre-se aqui um parêntese. Atualmente, os afazeres dessa turma são muitos, o que os impossibilita muitas vezes de ter uma preparação física adequada então, no mínimo, tirando o biotipo de alguns, quase todos portavam um lombinho saliente ou uma “cartucheira” na cintura. Em algum momento, alguém provavelmente estará mais fitness que o outro, mas no geral, o que realmente importa é sempre estarmos na água – cada um no tempo que tem e pode. Desta forma não perde-se o balanço, o rip, que são muito importantes em casos como este, de baterias de apresentações ou até mesmo quando um swell maior se aproxima, ou uma trip entre amigos.

O confronto – Nossa bateria rolou antes da grande final do evento, logo após sermos apresentados no palanque. O público acompanhava atentamente as ações e percebemos o carinho de todos quando nos dirigimos ao pico. Ali, com a arrebentação um pouco forte, tivemos o auxílio dos jet-skis. Ufa, menos mau, pois se viéssemos até o inside, a remada de volta seria longa e menos ondas seriam surfadas, o que não era o ideal pra nós e nem para o público. Todos prontos no outside e soa a buzina. Justamente Wagner Pupo abriu a disputa com um ótima nota, após pegar uma esquerda e desferir rasgadas que jogaram bastante água (só vi a galera aplaudindo). A partir dali, o que parecia ser apenas uma confraternização, fez a galera correr atrás. Piu pegou uma direta boa e tanto Teco quanto Renan já haviam pego boas esquerdas (e mais aplausos da galera). Até então eu não estava conseguindo me achar no mar, mas ao voltar de uma onda, onde eu tinha mandado um floater, surgiu uma ainda maior. Consegui virar a prancha a tempo e despencar pra tentar pegar um tubo. Se tivesse bem posicionado, com certeza poderia ter pego um tubo profundo, mas mesmo atrasado ainda consegui ter um encaixe curto e proporcionar um momento legal. A nota boa veio e esquentou a bateria.

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Fabio Gouveia em seu “momento legal” em Maresias. Foto: © WSL / Smorigo.

O tempo ia correndo e Teco pegou mais uma onda boa, trabalhada até o inside. Vi também Renan dando uma boa batida em uma junção de esquerda e Pupo esticando mais uma onda. Naquele momento, eu só pensava em trocar minha segunda nota. Logo depois consegui uma esquerda e investi também até o inside. A bateria acabou e acabei vencendo. Pupo foi o segundo, seguido de Teco, Renan e Piu. 

Foi muito legal, apesar de confraternização, creio que todos ali puxaram seus ritmos, levantando a performance de todos. Com certeza a turma deve ter pilhado, relembrado nossos bons tempos de competição e ficou um gostinho ali no ar. De repente, quem sabe, empolgando a todos a se aventurar em eventos masters e se manterem com a mínima forma pra atender a futuros convites desta natureza que possa vir a ocorrer no futuro. E isso serve de dica pra outros ex-atletas, cujo a lista segue grande. Caras como Victor Ribas, Peterson Rosa, Jojó de Olivença, Guilherme Herdy, Joca Junior, Tadeu Pereira, Ricardo Tatuí, Fabio Silva e tantos outros desta e de outras gerações anteriores (Friedmann, Cauli, Cisco, Rabelo, Testinha, Quencas) e posteriores (Neco, Daltro, Spirro) que poderão ser convidados em eventos futuros, enfim, mais uma vez agradecemos a iniciativa muito legal dos organizadores e o evento em si não poderia ter sido finalizado de melhor forma. 

As ondas que melhoraram na nossa bateria, seguiram com boa textura para a vitória de Miguel Pupo, que todos sabem, é filho do Wagner, que era um dos homenageados e vibrava ali com a vitória não só naquele momento, mas também por ter visto mais um vez o Miguel dentro da primeira divisão em 2016. Valeu galera, o surf brasileiro agradece!

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Wagner Pupo, Renan Rocha, Piu Pereira e Fabio Gouveia após o confronto. Foto: Arquivo pessoal Fábio Gouveia.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.