Luis Juquinha

História no pranchão

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Recentemente, fiz uma visita ao shaper Luis Juquinha, meu vizinho aqui na praia do Tombo, reduto de grandes longboarders.

 

Ele me recebeu na sala de shape, que funciona dentro da sua própria casa, a poucos metros das ondas.

 

Passamos para o show room para que pudéssemos conversar melhor e ali começou um longo papo estimulado pelas centenas de troféus e posters de campeonatos pelo mundo.

 

Peguei um papel e caneta e resolvi dividir com os leitores do Waves um pouco do que conversamos, afinal, Juca, hoje com 53 anos, viveu intensamente o auge da retomada do longboard no Brasil e no exterior.

 

Desde quando você pega onda?


Em 196,9 meu pai chegou em casa com uma revista americana com fotos de surf. Foi o suficiente para despertar o interesse.

 

Morava no Itararé, em São Vicente, e pouca gente surfava. Era difícil o acesso a uma prancha de surf, então fui na papelaria e comprei isopor para shapear uma prancha para mim.

 

O problema é que eram uns pedaços pequenos de isopor, mas o suficiente para ficar de pé.

 

Geraldo Fagiano, pai do Cocó, deu umas dicas e a prancha saiu laminada com jornal em cima do isopor porque não tinha resina epóxi.

 

Então comecei a shapear ao mesmo tempo em que comecei a surfar.

 

As maiores referências em shape foram Fernando Longarina, os irmãos Twin, trabalhei com o Homero Naldino, o Linden, quando fabricávamos as pranchas Gladson, Kamehameha, Laniakea, etc.

 

E a transição para o longboard?


Acho que foi em 1989, quando participei de um evento no Quebra-Mar de Santos.

 

Preparei uma prancha para esse evento, mais refinada, bem diferente dos pranchões que a galera usava.

 

Era uma prancha bem progressiva para a época, bem mais manobrável, com borda de ataque, quick tail, etc.

 

Lembro que o pessoal deu uma impregnada, dizendo que não poderia competir com aquela prancha, mas media nove pés e acabei competindo com ela mesmo.

 

A partir daí, fechei patrocínio com a Cyclone e não parei mais.

 

Prefere clássico ou progressivo?


O clássico dava muito prazer, mas, por ser um cara muito competitivo, apesar de ser um dos mais velhos no tour, sempre prezei pelo lado radical.

 

Como viu a evolução do longboard desde que você começou?

 

Vi a tendência progressiva tomando conta, principalmente no Brasil, pela característica das nossas ondas. Pranchas velozes, com respostas rápidas na manobras.

 

As competições determinam a evolução, não tinha como frear isso. A molecada vindo com tudo. Antes, as pranchas eram iguais para todos, pareciam padronizadas.

 

Creio que fui um dos primeiros a fazer longboards bem específicos para as características de cada surfista com propósito de levar a radicalidade para o longboard.

 

E lá fora?


Esses detalhes que falei, colhi através de intercâmbios com Bob McTavish e Bill Stewart, principalmente. Para mim os dois maiores shapers de longboard do mundo, responsáveis por toda essa revolução progressiva.

 

No começo, senti muita resistência da maioria por refinar as pranchas, mas no final muitos cederam, porque a maioria das nossas ondas não é como na Califórnia. Lá elas dão espaço para as manobras. Como disse, precisávamos de respostas rápidas.

 

Australianos e havaianos começaram isso, enquanto os californianos resistiam principalmente com Joel Tudor e Kevin Connelly, mas depois até a molecada da Califa aderiu, como Taylor Jensen, Zac Howard e outros.

 

Como começou seu envolvimento com o circuito mundial?

 

Foi em 95, nas Ilhas Reunião, mas Guetarry na França, em 96, que considero o start.

 

Lembro como se fosse hoje do Rico falando, ainda no Brasil, que lá quebrava até 30 pés de onda, deixando a galera pilhada em pegar um mar enorme num campeonato de longboard. Não tinha 30 pés, mas estava muito pesado, com 12 pés de onda e muito frio.

 

Ganhei destaque por ter barrado o Rusty Keaulana na terceira fase, junto com o japonês David Kinoshita. O Rusty era tricampeão do mundo, dominava a cena e era o favorito.

 

Ele ficou puto, depois desolado, tendo que ser confortado pelo seu técnico. Quando ele se recuperou, foi atrás de mim, queria conhecer o cara que tinha eliminado ele.

 

Nos encontramos numa bodega lá perto e tiramos uma partida de pebolim. Ele fez dupla com o Zac Howard e eu joguei com o Márcio Vilela. Foi a minha segunda vitória em cima do Rusty no mesmo dia (risos).

 

Foi nesse campeonato que originou a parceria com o Amaro Matos, que teve suas pranchas quebradas e teve que usar a minha. Ele gostou tanto que usa meus shapes até hoje. Foi quando nasceu os longboards Big Nose, referência ao tamanho do meu nariz (risos).

 

Qual foi o melhor momento do longboard no Brasil e no mundo?

 

O início dos anos 2000 foi uma época alucinante, com campeonatos por todas as partes do mundo.

 

No Brasil tinha muitos, estava sempre viajando. Santa Catarina com um circuito fortíssimo, São Paulo e Rio com os internacionais da Red Bull; os mundiais da Oxbow em Maresias e na praia do Rosa; as três etapas anuais na Europa, Portugal, Espanha e a França, com os tradicionais Biarritz Surf Festival; os Rabbit Kekai na Costa Rica.

 

Você teve uma relação especial com os campeonatos do Rabbit Kekai…

 

Tive três vitórias no Rabbit Kekai. A primeira foi em 1999, na categoria de 39 a 49 anos. A segunda foi em 2002 (40 a 45 anos), e depois em 2006, na categoria de 45 a 50 anos.

 

Competia contra o Bill Stewart, Wingnut, o havaiano Kimo Miranda, entre outros. Na profissional, meu melhor resultado foi uma semifinal.

 

Apesar das vitórias, um momento que me marcou muito foi quando fiz duas notas 10 competindo contra Taylor Jensen e Collin McPhillips na Pro.

 

O Rabbit Kekai é um evento que não poderia ter acabado. Lá era difícil ter presepada com julgamento, porque Boca Barranca é tão perfeita para o surf de longboard que não tem como deixar dúvidas.

 

Que outros eventos você teve resultados expressivos? Lembro que venceu no Peru e fez final em Biarritz.

 

Ganhei a Copa Bremen no Peru, em Punta Rocas, em meados dos anos 90.

 

Em 1997, fiz final lá também, na Copa Crystal. O mar estava bem grande, com 10 a 12 pés de onda. A final foi com três legends peruanos, o Flaco Barreda, Roberto Mesa e o Max De La Rosa. Eles não me deixaram surfar, revezavam numa marcação em cima de mim, segurando minha cordinha para que eu não escapasse de perto deles, xingavam, catimbaram muito. Claro que fiquei em quarto.

 

No Biarritz Surf Festival, em 2000, fiquei em quarto numa final com Beau Young, que venceu, e Kevin Connelly, que foi o terceiro.

 

E Portugal? Você shapeou muito por lá…

 

O Lufi, melhor shaper de lá, sempre dava uma assistência legal pra gente. Dava hospedagem, carro, viajamos juntos pela Europa nos eventos. Ajudei a desenvolver a linha progressiva dele, que era mais voltada aos longboards tradicionais.

 

Faz tempo que não te vejo surfando de longboard.

 

Estou curtindo vários tipos de pranchas. O SUP me cativou bastante, mas agora também quase não uso. Estou no barato de pranchinhas não convencionais, aproveitando conceitos antigos e desenvolvendo minhas ideias em cima deles.

 

Procuro colocar novidades em fundos como das bonzers, trabalhando concaves, colocações de quilhas, rocker, rabetas, etc.

 

Tenho usado materiais diferentes também, como isopor estrondado, que oferecem outro tipo de flexibilidade e elasticidade, buscando pranchas que ofereçam cada vez mais performance.

 

Estamos montando uma fábrica moderna para trabalhar melhor em cima desses conceitos que te falei, com laminações por infusão também.

 

Vamos atender outras fábricas, fazer intercâmbios entre shapers. Hoje existe muitas máquinas de shape, mas é difícil um lugar para laminar que de conta de toda essa produção.

 

Minha maior preocupação é cada vez mais acertar o material para cada surfista, respeitando suas características e as ondas que as pranchas serão usadas.

 

O que o surf te deu de melhor?

 

O prazer que o surf me deu foi viajar, conhecer novas culturas, mas minha fortuna é minha família. Surfar com eles não tem preço. Todo mundo pega onda.

 

A Fanny, minha esposa, pega de longboard, a Stephanie, filha mais velha curte tudo, desde SUP até a pranchinha. A segunda, a Luli, tem um talento natural para surfar de SUP e vive dizendo que vai ser campeã mundial.

 

O terceiro, o Lufi, único moleque de três irmãs, está sempre na água de pranchinha, mas também brinca no SUP, e a mais nova não vai ter como fugir desse caminho.