Leitura de onda

Hora da reverência

Kelly Slater, Billabong Pro 2011, Teahupoo, Tahiti

 

Kelly Slater durante o Billabong Pro 2011 em Teahupoo, Tahiti. Foto: © ASP / Kirstin.

Colunas semanais são repletas de armadilhas escondidas debaixo de palavras salgadas. Depois de dois ou três textos com críticas ao comportamento de Kelly Slater, tornei-me, para uma pá de leitores, uma espécie de detrator oficial do maior surfista de todos os tempos.

 

 

Curioso é que ano passado leitores diziam que eu elogiava demais o americano. E assim será para sempre, em colunas semanais: the good and the bad. 

 

Temos, todos nós, uma irresistível tendência a escolher heróis e vilões, mas me esforço para dar espaço ao meio do caminho, para o mundo real, onde todos erram e acertam, inclusive o surfista que conquistou 11 vezes o título mundial máximo da ASP.

 

Já que falamos dele, aqui vai a coluna dedicada à incrível conquista deste ano. 

 

Kelly fez uma temporada soberba. Usou a velha e vencedora estratégia de que a melhor defesa é o ataque: quando foi preciso, oprimiu seus novos adversários com um surf atual, surpreendente e sem um teto evolutivo definido. Deu-se ao luxo de cabular a etapa de Jeffrey´s Bay, onde costuma ganhar eventos. 

 

Começou o ano puxando o ritmo na Gold Coast, numa tática para assustar garotos. Kelly se apresentou com um surf veloz, viradas executadas com a força de um adolescente, rabetas agudas e um vasto repertório de manobras aéreas, numa linha mais afinada com surfistas 20 anos mais jovens do que com seus contemporâneos. 

 

Aliás, que contemporâneos? Só Taylor Knox.

 

Voltou a brilhar no palco mais assustador do surf moderno, Teahupoo. Ali, não foi o melhor surfista, mas o mais maduro. Usou a bagagem no pico para, como um ator veterano que faz poucos movimentos, interpretar o surfista campeão. Usou o peso de seu nome, uma escolha primorosa de ondas intermediárias e o maneirismo de olhar para trás ao sair do tubo.

 

Em Nova York, depois da primeira final com Owen Wright, percebeu a fome do australiano e tratou de tomar uma overdose de pílulas de rejuvenescimento. Na bateria contra Taj Burrow, mostrou a sua mágica ao mundo, mostrou que ainda era o surfista que encantava. 

 

Nos instantes finais, quando precisava de um 9, pintou uma direita de uma manobra só. Kelly subiu a rampa e saltou sem medo de seus quase 40 para executar o maior aéreo de sua carreira em baterias do WT. Ganhou o público, a bateria e a certeza de que era o favorito ao título da temporada. Na etapa, acabou como vice de Owen, mas estava tranqüilo.

 

Em Trestles, era hora de consolidar a liderança. Velho conhecedor do pico, sabia que as vitórias ali não eram construídas apenas com manobras aéreas. Trestles oferece parede para arcos bem construídos, manobras de borda e muita água para o alto. Kelly combinou as duas artes para vencer a revanche contra Owen e partir para o título.

 

A tática do ataque como arma de defesa dera certo mais uma vez. Em Teahupoo, Nova York e Trestles, quando apareceu um adversário com fome de vitória, Kelly surfou para vencê-lo.

 

A partir da França, com a rotação do circuito mundial e a entrada de garotos com surf ainda mais moderno que o de seu até então rival Owen Wright, o cenário mudou. Um adolescente chamado Gabriel Medina tomou de assalto a ASP, forçou a criação de novos parâmetros para o surf de manobras aéreas e vem impondo derrotas sucessivas a todas as estrelas do circuito, inclusive ao incrível surfista que conquistou 11 canecos da ASP.

 

Em Portugal, numa etapa de tubos extraordinários, a maturidade voltou a pesar a favor de Kelly Slater. Mais uma vez, foi o melhor surfista do evento, mas perdeu na final para um dos poucos surfistas do tour com tanta vontade de vencer quanto ele: Adriano de Souza.

 

Em San Francisco, o americano surfou para engrossar suas estatísticas particulares de melhor surfista da história, mas viu, ao seu lado, consolidar-se um novo surfista com potencial para interromper seus recordes. 

 

Medina surfa contra Kelly como se estivesse surfando contra o Antônio, o Zé. Como Garrincha e outros gênios do esporte, ele não vê adversários à frente, apenas se diverte.

 

Em outros anos, eu estava na grande turma dos que desejavam a aposentadoria do americano. Queria ver novos ídolos, observar a evolução seguir um curso diferente do imposto pelo surfista de Cocoa Beach. Sua aposentadoria aliviaria também a pressão sobre os juízes.

 

Este ano, mudei de ideia. Torço firmemente para que ele não se aposente depois de Pipeline. Kelly está verdadeiramente mordido pelas derrotas recentes, e já transformou o seu surf tantas vezes para competir contra adversários mais novos que não duvidaria se tentasse fazer o mesmo para enfrentar a revolução imposta pela nova geração de surfistas brasileiros.

 

Com Kelly Slater, Owen Wright, Gabriel Medina e os novos arrombadores de porta dentro d´água, a temporada de 2012 teria tudo para ser inesquecível. Que vença o melhor surfista. 

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

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