Palanque Móvel

Hora do renascimento

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Gerry Lopez, o maior mito de Pipeline. Foto: Gerry Lopez Surfboards.com

O feriado…

Páscoa… Família, ovos, chocolate… Não sei vocês, mas eu sempre fico melancólico… Lá estou em busca de músicas antigas, fotos dos álbuns, imagens de vhs… Remexo em velhas coisas e, invariavelmente, encontro algo que anima o feriado, sobretudo, quando os sinos não quebram lá essa coisa…

2015…

É tempo de Chet Baker e Gerry Lopez… Achei, por acaso, uma fita de gravações do Realce… Vários programas de onda boa, música melhor, surf, quase sempre, espetacular… A vitória de Nick Wood com 16 anos, uma sessão de Curren em Rincon ao som do The Cult… The Cult? Sim, uma banda dos oitenta com um cantor cabeludo e excelente… Oito pés, ondas sem fim e no desenho, oscilando entre a base e o lip, um esteta… Como era bonito o surf do rapaz… Elegante, minimalista, nenhum movimento desnecessário… Surf de borda no auge de sua manifestação…

O semi deus…

No meio da gravação, um perfil do surfista de quem mais ouvi falar na minha adolescência… Todos os amigos de meus pais, sempre categóricos, diziam que o maior de todos, o mais incrível surfista da história era uma tal havaiano com sobrenome latino chamado Gerry Lopez… Nos anos 80, internet era, possivelmente, nome de danceteria e videos de surf não eram coisas frequentes nas milhares de locadoras existentes em qualquer cidade brasileira com mais de dez mil habitantes…

Todavia, sempre havia uma foto aqui e acolá do camarada, mas vídeo, imagem e movimento era muito raro. Daí… as histórias narradas depois de cada sessão de surf com a velha guarda desenhavam para mim o contorno de um homem que, não imortal, muito se assemelhava a um ser sobre natural… “João, você precisava vê-lo em Pipe, corpo ereto, cavada com as quilhas para fora, um controle sobre o tempo e o espaço que jamais vi em outro surfista… Possivelmente, em nenhuma outra atividade humana…” Diziam os amigos de meus pais…. Eu, menino, organizava um surf imaginário, em que a onda mais temida do arquipélago transformava-se, sob a prancha vermelha de raio amarelo, numa espécie de piscina olímpica em um dia quente de verão…

Pipe… Lopes… vhs….

O velho e bom Realce, programa nunca superado sobre o nosso mundinho, retratou o havaiano em um de seus programas… E, hoje, na Páscoa… na espera do recomeço da etapa dos sinos, eu assisto perplexo o maior controle, que até hoje se tem notícia, de um surfista sobre a majestosa rainha do litoral norte…

O vagabundo…

Meu pai sempre ouviu música boa… Uma de suas virtudes foi apresentar para os seus filhos uma discoteca de cerca de cinco mil discos em que pude escutar grande música, independente do gênero, da época, da determinação geográfica… Um dos meus prediletos, um trompetista americano com pinta de galã que cantava com voz suave…. O camarada, viciado em heroína, tinha uma elegância… Uma nota após a outra, sem nenhum desperdício… Senti saudades do velho e, por essas coisas dos destino, assisti ao havaiano enquanto o som do rapaz preenchia todas as frestas de minha casa…

O surf hoje…

Gostaria de que houvesse ainda espaço para esses caras no mundo… Gosto muito do surf moderno, da porrada na orelha, da força e da rapidez… Entretanto, aquela elegância descompromissada, que também vi em Curren e em Machado, aquela fluidez…. essa eu não vejo mais… Nenhum surfista do tour, por mais espetacular, não parece, exceção feita, talvez, ao menino loiro e, certamente, ao ET, possuir a cadência desse tempo perdido, o qual, vez ou outra, é capaz de lançar luz sobre o que importa…

É verdade que o filho do Charles, Filipe, Mick são de outro mundo… Mas… não é disso que eu falo… Para mim, o controle do tempo e do espaço… o domínio do mar… isso, sim, quando acontece é estarrecedor…

No momento em que uma onda como a dos sinos quebra, sempre espero ver a centelha desse tempo reacendida… sempre espero rever o espirito desses camaradas que foram capazes de mostrar para o mundo o que, de fato, é a integração entre homem e natureza…

Páscoa, hora do renascimento…